Sempre ouvi muita música. Desde sempre. Quando criança, na minha casa, meus pais estavam sempre ouvindo música, e cresci ao som de Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Noel Rosa, Gonzaguinha, Baden Powell, Ney Matogrosso, Milton Nacimento, Tom, Vinícius etc. etc. etc. E fui ouvindo MPB até mais ou menos meus nove ou dez anos de idade, quando finalmente descobri o Rock Brasil. Aí, de uma hora para outra, meu repertório mudou. Mudou tanto que, aos dez anos de idade, fui ao primeiro Rock in Rio, logo no primeiro dia, assistir a Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Pepeu e Baby, Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Hoje, olhando para trás, se fosse possível eu escolheria outro dia para assistir, mas a semente estava plantada. Passei a ser ouvinte de rock, ou melhor, passei a viver perseguindo o ideal de ser um roqueiro, de viver de música.
Aos doze anos ganhei meu primeiro violão, presente de aniversário. Era um Giannini série estudo. Logo as aulas particulares começaram e segui meu sonho infantil de, um dia, ser músico profissional. Mas o violão, na minha cabeça pré-adolescente desmiolada, me aproximava mais da MPB que meus pais ouviam do que do rock que eu agora ouvia. Mas o violão continuou a me acompanhar até meus quinze anos, quando ganhei minha primeira guitarra, uma golden stratocaster vinho e preta, simplesmente linda! Agora ninguém mais me impediria de ser o maior guitarrista de todos os tempos. Quando fui ao Conservatório de Música para ter aulas de guitarra, o professor me sugeriu, para ser um bom guitarrista, tomar aulas de violão clássico, pois assim desenvolveria uma boa técnica que muito auxiliaria na prática da guitarra. E foi assim que fui apresentado a Tárrega, o primeiro dos mestres clássicos que eu vim a conhecer e a tocar.
Paralelamente às aulas de violão clássico, no colégio, junto com meu amigo Leonardo Mello, formamos nossa primeira bandinha, chamada Lavagem Cerebral. Era uma banda de rock pesado, mais por influência do Léo, que só ouvia heavy e trash metal. Não era muito a minha praia, mas o que eu queria era tocar. Acontece que a Lavagem Cerebral não durou muito tempo e logo, junto com Cacau (teclado), Sérgio (bateria) e Sávio Santoro (baixo elétrico), formamos a Utopia, que tocava um som menos barulhento e que se limitava a tocar músicas das bandas que ouvíamos: Titãs, Legião Urbana, Plebe Rude, Os Paralamas do Sucesso, Ira!, Barão Vermelho, Lobão, Engenheiros do Hawai, etc, etc. O Sávio, aliás, seguiu a tradição familiar e hoje é músico profissional. Ele é filho do maestro Cláudio Santoro e irmão dos gêmeos violoncelistas que formam o Duo Santoro.
Mas aí um fato ocorreu e mudou mais uma vez o curso da história. Como Cazuza cantava, meus heróis tinham morrido de over-dose, e, para ser músico de verdade, veja você, eu achava que também precisaria assumir o modus vivendi de meus ídolos. Adolescência... Então eu ouvia Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Doors, Siouxsie & The Banshees, Echo & The Bunnymen, The Clash, Sex Pistols, The Cult, Velvet Underground, Ten Years After, Joe Cocker, Beatles, Rolling Stones, Pixies, Joy Division, The Animals, Eric Clapton etc. etc. etc. As bandas nacionais agora eram Hojerizah, Picassos Falsos, Violeta de Outono, Uns e Outros, Patife Band, Arrigo Barnabé, De Falla etc. Agora não tocava mais na Utopia. Nem em lugar nenhum. Permanecia com o desejo de ser músico, continuava estudando violão clássico, mas, ao invés de eu mesmo formar uma banda, passei a acompanhar novos amigos, bem mais velhos do que eu, que estavam musicalmente bem mais adiantados, e me contentava em ver o ensaio alheio. Vivia enfiado em estúdios em Copacabana, onde o Último Reduto ensaiava, ou então na casa do Marcos Felipe, grande amigo meu e grande baterista, para aprender com músicos que, a meu ver, já haviam conseguido atingir um patamar mais elevado. Meu primeiro grande erro.
O segundo - e maior de todos - foi, na hora de me inscrever para o vestibular, por medo de encarar uma banca na UNIRIO na hora da prova prática, decidi fazer vestibular para Letras. Assim, eu poderia continuar estudando música, que era o que eu fazia e mais gostava, e ainda estudaria literatura, minha segunda paixão, sem precisar ser avaliado por nenhuma banca. Não houve ninguém que me dissesse, na época, que se eu queria fazer música, que encarasse a banca, e que eu tinha habilidade suficiente para seguir adiante. Resultado: me formei em Letras na UFF. Durante a graduação, junto com Jorge Fernando e Júlio França, formamos O Silêncio de Mônica, um trio que contava com violão, guitarra, teclado, flauta, trompete e alguns instrumentos de percussão. Nos revezávamos nos instrumentos e fazíamos um som bem legal, alternativo. Anos depois, Júlio e Jorge me convidaram para integrar o Silêncio Bó, que seria uma continuidade de O Silêncio de Mônica, mas acrescido de bateria. Durei uns poucos ensaios e saí da banda.
Em 2006 ou 2007, cansado das minhas cabeçadas musicais - e muito mal de grana -, vendi guitarra, violão, pedais e acessórios e pus um ponto final no sonho infantil de viver de música. Até ontem, quando fui assistir a Rock Brasília - era de ouro, documentário de Vladimir Carvalho. O filme é muito bom e reacendeu minha veia musical. O desejo de voltar a tocar violão ressurgiu, agora apenas como entretenimento, lazer, não mais tenho ilusões sobre ser o maior guitarrista do mundo. O filme, restrito às bandas Capital Inicial, Plebe Rude, Legião Urbana e Os Paralamas do Sucesso, todas de Brasília, fornece um histórico muito bom do surgimento dessas bandas e de seu percurso até atingirem, com sucesso, todo o cenário nacional. Depoimentos de familiares dos músicos, além dos dos próprios integrantes das bandas, testemunham as dificuldades vencidas até atingirem o estrelato. Vale muito a pena assistir ao filme, mesmo quem não gosta de rock, pois o filme é um documento muito fiel aos anos de ouro do Rock Brasília, nascendo em um ambiente de ditadura militar e tendo muito o que dizer. O único senão que faço ao documentário é a ausência quase completa de depoimentos de Herbert Viana, Bi Ribeiro e João Barone, integrantes dos Paralamas. Suas únicas participações são com uma entrevista resgatada da época de garotos ainda. Desconheço a razão de sua ausência, mas ela não desmerece o filme, excelente registro da efervescência roqueira no início dos anos 80.
O filme é, de fato, um ótimo registro de um espírito de época. Pinça o espectador pela nostalgia que provoca.
ResponderExcluirAgora, quanto ao seu primeiro rock in rio, eu não mudaria nada: Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Pepeu e Baby e Queen eram (e alguns ainda são) puro extase. Anoto aqui minha inveja de você.
Quanto ao seu retorno à música, faço força para que aconteça!
Gente! Nunca soube que cê tinha ido ao Rock in Rio!
ResponderExcluirExcelente texto, Bruno. Curioso que sua trajetória, no que toca à música, não é muito diferente da minha. A certa altura, larguei os instrumentos e a, digamos, vocação primeira de lado para seguir outros caminhos, mas o fato é que, como dizem, não é possível abdicar de certas coisas. Tenho me visto nos últimos tempos investindo cada vez mais tempo (e algum dinheiro também) para retomar o que deixei largado lá trás. E, posso dizer, vale muito a pena. Grande abraço.
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