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terça-feira, 14 de maio de 2013

A cantada ideal

Estava há alguns meses na fossa após minha separação. Foram alguns bons pares de anos casado, vivendo numa monogamia e acostumado a uma vidinha caseira. Nossos programas ou eram a dois ou eram na companhia de outros casais. Um tédio só. Sempre a mesma coisa. Mas não nego que fui feliz e que ela me fez e ainda me faz falta. Penso como ela estará agora. Me desespero ao imaginar na companhia de quem. Será que ela já arranjou alguém? Não, ela não faria isso comigo. Por que não, pergunto de mim para mim mesmo. Claro que ela está com alguém. Mulher bonita, gostosa, inteligente, independente e... desimpedida. Sou um idiota. Sofrendo esse tempo todo enquanto ela deve estar dando por aí. Feliz da vida com sua nova vidinha de solteira. Piranha, é o que ela é. 
A raiva e o despeito me motivaram. Não vou mais ficar aqui sofrendo enquanto aquela vagabunda se diverte pelos motéis da cidade. Chega de inércia. Se eu reclamava de nossas noites sempre na companhia tediosa de seus amigos ora cults ora caretas, agora seria diferente, vou sair sozinho. A noite será minha. Será? Acho que a vida de casado me desaprendeu a paquerar. Pra onde ir? O que procurar? Sexo casual? Início de um relacionamento mais sério e maduro? Somente um beijo na boca me satisfaria, convenço-me. Preciso parar de pensar e agir afinal. Preciso chutar minha baixa autoestima para longe.
Coloco no mais alto volume London Calling para tocar enquanto tomo um banho. The Clash sempre fez meu sangue ferver. Sim, agora sou outro. Destemido. Determinado. Calça jeans e camiseta, par de tênis e meu Marlboro. Não preciso de mais nada. Bato a porta de casa e fraquejo à espera do elevador. Tomo as escadas, tenho que chegar logo na rua. 
Flanando pela noite carioca, vou andando em direção à Lapa. Sim, a Lapa. Estaria fervilhando a esta hora. Entro num bar nem tão cheio nem tão vazio, ainda é cedo. Um chopp por favor. Observo as pessoas. Nada que me chamasse atenção. Não me deixo desanimar, porém. A necessidade de fumar me faz trocar de mesa e sentar numa das mesas dispostas na calçada. Ar livre. Acendo meu cigarro, recebo meu segundo chopp e eis que a vejo. Linda. De uma beleza discreta, do jeito que eu gosto. Cabelos lisos presos a um rabo de cavalo, duas argolas nas orelhas, pouca maquiagem. Sua camiseta preta oferece um decote generoso, mas nem um pouco exagerado. Calça jeans e sandálias igualmente pretas compõem seu visual. Fiquei apaixonado. E convencido dela estar esperando alguém voltar do banheiro, não poderia estar sozinha. 
Mais um cigarro e ninguém aparece. Ela já percebeu que eu a encaro ostensivamente e dá um leve sorriso. Sabe-se gostosa. E agora sei que ela está sozinha. O que dizer a ela, eis minha questão. Destreinado em matéria dessa natureza, começo a me inquietar. Seus olhares eventuais me convidam à sua mesa, mas me sinto pregado à cadeira. Preciso agir, fazer algo, dizer a primeira besteira que vier à minha cabeça, qualquer coisa. Mas que coisa? Não conseguiria me olhar no espelho novamente se não falasse com ela. Mesmo que tomasse um fora. Seria indigno de viver se voltasse pra casa sem ao menos ter tentado.
Vasculho em minha mente toda sorte de referências possíveis. Evoquei Vinícius, mas achei inconveniente para a ocasião. Ela, com seus vinte e sete anos aproximadamente, provavelmente riria de mim. Nenhuma cena de filme me acudia naquele momento. Só me vinham títulos de suspense à cabeça. E eu que sempre menosprezei as comédias românticas. A literatura! Sim, a literatura deveria fornecer minha cantada ideal, me faria conquistar aquela mulher. Esvaziei mais uma tulipa, acendi mais um cigarro e fui em sua direção. Sem pedir permissão, me sentei ao seu lado e disse, olhos nos olhos, quer me ler?

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