Pesquisar neste blog

domingo, 20 de novembro de 2011

O palhaço

Ser artista é uma profissão? É admissível exigir profissionalismo de um artista? Duas questões, por um lado, difíceis de responder, mas, por outro, mais que simples. É comum o público, diante de uma apresentação de um artista "controverso", "polêmico", cobrar profissionalismo e vaiar a falta do que deveria ser seu profissionalismo. Por exemplo, o papa da nossa bossa-nova, João Gilberto, depois de reclamar e se recusar a tocar por causa de ausência, a seu ver, de condições acústicas para isso, foi cobrado por seu fãs, que se sentiram ultrajados e desrespeitados pelo compositor. "Faltou profissionalismo a ele", disseram muitos na ocasião.
Na minha opinião, por mais que o artista, para desempenhar bem a sua arte, tome aulas de algum instrumento, participe de laboratórios de redação criativa, desenvolva suas máscaras em alguma escola de teatro etc., ele não será um profissional como o é um engenheiro, um médico, um contador, um motorista, um gari, um professor. O artista, antes de tudo, simplesmente é. E continuará sendo mesmo que desempenhe outras funções, mesmo que não viva (financeiramente falando) de sua arte. A arte não é uma profissão, não deve ser cobrada com os mesmos requisitos exigidos de um profissional liberal, por exemplo.
Mas é compreensível, em nosso mundo, a cobrança que João Gilberto sofreu. Em tempos de Indústria Cultural, de massificação do fazer artístico, do amoldamento do que é oferecido ao público, qualquer atitude, da parte do artista, que fuja ao entretenimento não é vista com bons olhos. O público quer se divertir, quer esquecer as agruras de seu dia a dia para retomar seu cotidiano no dia seguinte devidamente descansado e com a sensação de recompensa.
Uma vez, conversando com meu amigo Leonardo Davino, ele sabiamente afirmou que a arte é muito chata, isto é, ela não tem essa função massificadora, não compete a ela desligar o homem de seus problemas e levá-lo para o reino do ócio. Toda a arte que se preze é reflexiva e, por isso, exige do público. Mesmo que com essa exigência ofereça também encantamento, relaxamento, prazer, onirismo. Mas é antes reflexiva; e a reflexão cansa.
Ser artista não é, portanto, uma escolha. O verdadeiro artista não é aquele cidadão que, por amor à arte, resolveu "seguir carreira", fazer dela sua profissão. Não, o artista é. Ele não tem escolha, pode se esforçar para desempenhar outras atividades, pode até estar infeliz com as dificuldades que, muitas vezes, a dureza da vida lhe impõe, mas ele é. "O gato toma leite, o rato come queijo" e o artista faz sua arte. O artista faz o que sabe fazer, independentemente de qualquer coisa.
Com essas reflexões saí do cinema hoje ao assistir O palhaço, de Selton Mello. O filme é muito bonito, além de tecnicamente irretocável. Os atores estão ótimos - e aqui destaco, especialmente, as atuações de Selton e de Paulo José. O universo circense é muito bem trabalhado no filme, mas não se trata de um circo internacional, com recursos, fama, holofotes. O circo Esperança é a reunião de poucos e pobres saltimbancos que seguem fazendo a sua arte porque a sua arte é o que eles sabem fazer. Mesmo sem dinheiro, mesmo sem público, mesmo sem.
E é por causa dessa necessidade que muitos artistas, onde quer que estejam, continuam compondo, atuando, tocando, dançando, escrevendo. O artista faz arte porque precisa fazer; o artista é.

Nenhum comentário:

Postar um comentário