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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Crônica de um pai de terceira viagem - Final

39 semanas. Aguardo minha mais nova princesinha nascer a 39 semanas. Fazendo as contas, são 273 dias. Durante esse tempo, senti um monte de coisas esquisitas, que nós homens não costumamos sentir. Por exemplo, sinto vontade de fazer xixi o tempo todo, choro emocionado com comerciais de tevê, tenho oscilações de humor. A mãe, obviamente, acha que eu debocho dela, que na verdade não sinto nada dessas coisas. Não queria sentir, honestamente, mas ou sou demasiado sensível, ou Deus se diverte às minhas custas. Ou as duas coisas. Às acusações de deboche, tenho ao meu lado e em minha defesa a psicologia, que assegura ser "cada vez mais frequente, segundo especialistas, que homens também se sintam 'grávidos' enquanto se prepararam para a chegada do bebê". Mas há uma diferença essencial entre a "minha gestação" e a da minha mulher: eu mantive a sanidade. Quer dizer, venho tentando, já que ela, por estar louca, tenta me enlouquecer também.
Não vou mais enumerar suas sandices porque, além de querer preservar-me emocionalmente são, desejo que minha integridade física permaneça intacta. Mas tenho uma teoria. Pois é, sou dado a teorias. Eis o que, depois de muita reflexão, descobri: a mulher (vou generalizar por questão de segurança) quer a exclusividade sobre qualquer coisa relacionada à gravidez por egoísmo. Ela não admite que um homem também apresente sintomas que deveriam ser só delas. Talvez elas fiquem com a pior parte, pois elas têm o corpo alterado, possuem hormônios esquisitíssimos, amamentarão e, ainda, sentirão as dores do parto. Nunca pari e jamais parirei. Desconheço essa dor. Mas como se costuma dizer, Deus é sábio e, em sua infinita sabedoria, arrumou um jeito de equilibrar as contas: durante nove meses os homens sofrerão - eu sofri, juro - toda sorte de loucura de suas respectivas mulheres. E aí, querido leitor, está a maior de todas as injustiças. Digamos que a dor do parto demore, sei lá, algumas poucas horas. Isso se não for uma cesariana, na qual a mulher não sentirá lá muita coisa. Mas agora calcule o número de horas contidas em nove meses. Não perca seu tempo, já fiz a conta e é de aproximadamente 6.480 horas. Ora, convenhamos. Quem sofre mais durante uma gestação? A essa pergunta prefiro não responder diretamente, pois vai que ela lê isso aqui e me atinja com uma frigideira ou...
Se o assunto é injustiça, o argumento da mãe de minhas princesinhas é de que a minha contribuição na gravidez foi de apenas uma gota. Na primeira vez que ela me disse isso, respondi ironicamente que não tenho culpa de ser mais evoluído, pois posso gerar uma vida apenas com uma gota, sem a qual, aliás, nada acontece. Isso me rendeu uma semana comendo macarrão com salsicha. Tudo bem, ossos do ofício.
Sei que sempre vivemos em uma sociedade patriarcal, em que as mulheres eram submissas e não tinham lá muitos direitos. Um absurdo, concordo. Mas o fato delas estarem conquistando, dia a dia, mais espaço - hoje o mundo já é delas, também concordo - não lhes dá o direito de privar os pobres homens de sentirem seus sintomas gestacionais. E o que sinto é culpa das mulheres. Reivindicaram tanto igualdade de direitos, que até nisso agora somos iguais. Não quero mais ir ao banheiro a cada dois minutos, chorar feito criança vendo comercial na tevê etc. Por isso, Deus do céu, peço para que essa criança, linda e amada, venha logo ao mundo. Que a próxima nobre porcelana sobre a seda azul venha o mais rápido possível e me traga junto a Maria Cecília. Ainda me resta um pingo de sanidade, que pode se extinguir a qualquer momento se minha mulher não parir logo.
Não vou entrar na questão de não ter direito, como ela já tem e usufrui, de licença paternidade. Não, para mim nada. Afinal, "só" contribuí com uma gota. Para finalizar essa sessão das crônicas de um pai de terceira viagem, solicito-lhes um favor: caso não tenham notícias minhas nas próximas 36 horas, chamem a polícia. Nunca se sabe. E ela ainda terá atenuante de pena por assassinar seu marido nas condições em que se encontra.
Chega! Que nós homens nos unamos e queimemos nossas cuecas em praça pública, talvez assim a gente possa conquistar mais direitos no mundo das mulheres. Aos homens também peço meu perdão, pois já contribuí com mais três mulheres, que no futuro, vocês sabem, estarão contra nós, pobres coitados.
Ogum, a hora é boa! Salve São Jorge, conto com sua ajuda.

domingo, 5 de agosto de 2012

Crônica de um pai de terceira viagem IV

- Mô...
- [...]
- ... a lua está cheia.
- É.
- Então?...
- Então o quê?
- Isso não te faz pensar em nada?
- Não.
- Olha para a lua.
- Tô olhando.
- E o que você acha?
- Acho linda.
- Não, idiota! O que significa a lua cheia??
- Ué, significa que a gente consegue vê-la inteira, redondinha.
- Meu Deus! Você não sabia que as chances das mulheres entrarem em trabalho de parto na lua cheia aumentam muito??
- Pois é, já ouvi falar a respeito.
- Só isso que você vai dizer, imagino.
- Peraí, tô vendo o jogo.
- Vendo o jogo???!!! Eu posso entrar em trabalho de parto agora!!
- Tá.
- E você não está nervoso??
- Não.
- Porra! Eu tô dizendo que posso entrar em trabalho de parto agora e você acha isso normal???
- Acho.
- Como assim você acha normal? Posso saber por que você acha normal eu entrar em trabalho de parto?
[Nesse momento olho para a lua de novo e respiro fundo]
- Deve ser porque você está grávida há mais de nove meses.
- E se a bolsa romper agora, o que o senhor meu marido vai fazer?
- Vou pegar a mala que já está pronta, chamar um taxi e te levar para a maternidade.
- Nessa calma?
- Você prefere que eu faça isso nervoso?
- Claro que não!!
- Então deixa eu ver o jogo.
- Mas a lua está cheia e eu posso parir ainda hoje!
- Puta que pariu...
[Após esse leve desabafo um copo d'água explode na parede a alguns centímetros da minha cabeça]
- Todos os maridos que se prezam ficam nervosos nesse momento.
- Mas essa é a minha terceira filha, porra, já sei o que fazer, como fazer e em que momento fazer. Agora deixa eu ver o jogo?
[Enquanto varro os cacos de vidro espalhados pela sala, ela insiste]
- Não vou conseguir parir com um marido assim tão senhor de si!! Eu sou uma mulher grávida!!
- Pois é, e eu sou um homem pagando penitência.
- Tá bom, se não quer ir à maternidade comigo não precisa, eu vou sozinha, satisfeito????
[Olho de novo para a lua, penso em São Jorge e suplico misericórdia. Se eu tiver que esperar a próxima lua cheia enlouqueço]

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Leitura "terapêutica" sobre Valente (por pura falta do que fazer)

Relacionar-se é bastante difícil. Independente de com quem seja, afinal, ceder, compreender, aceitar e respeitar podem ser verbos difíceis de serem conjugados para um sujeito egocêntrico. E mesmo para alguém capaz de abdicar do seu ego e altruisticamente dar mais do que receber, torna-se complexo qualquer tipo de relação cuja subjetividade acaba sendo a tônica. Sentimentos como amor, raiva, ciúme etc. muitas vezes complexificam a convivência entre duas ou mais pessoas. Mas talvez a relação mais complicada, porque primeira, é a relação entre pais e filhos. Que todo pai quer o melhor para o seu filho é dizer o óbvio, que ele buscará oferecer todas as oportunidades para o bem-estar e uma vida adulta saudável e bem-sucedida também é chover no molhado. Mas isso torna-se um problema quando o pai resolve achar que sabe o que é o "melhor" para o filho, anulando suas vontades e sua individualidade.
Assistindo a Valente, animação de Mark Andrews e Brenda Chapman, o zeloso pai pode se identificar com a rainha que educa a jovem princesa Merida de maneira a transformá-la numa irretocável rainha futura. Ignorando a aversão da filha pela vida monarca, que sua mãe traçara para ela, com insistência educa a princesa para aquilo que é o desejo não da princesa, mas de sua mãe. Talvez a rainha não tenha percebido que há dois tipos de filhos: os ideais e os reais. E é com estes que convivemos e com quem temos que nos relacionar. E respeitar. E apoiar.
Quando a jovem e rebelde Merida vê, a contragosto, sua mão disputada para um casamento arranjado, ela foge e se depara com uma bruxa. E então a situação se inverte. Ela solicita que a bruxa modifique sua mãe, de maneira a ser aceita como ela é - a antítese de uma princesa educada nos padrões reais. A falta de aceitação materna gera, na filha, a mesma inaceitação, que agora busca modificar a mãe. (Aqui poderíamos também dizer que é comum os filhos buscarem algo completamente diverso da motivação paterna como uma maneira de se autoafirmarem e contestarem a autoridade exercida pelos progenitores.) A bruxaria é feita, mas o resultado não foi o esperado. Em virtude do insucesso em modificar o outro - fato impossível -, ambas lutam para recuperarem suas identidades até então negligenciadas mutuamente.
Uma leitura mais terapêutica poderia ser desenvolvida, como o fato da rainha reproduzir a educação que recebera - continuaríamos agindo como nossos pais. É claro que, por se tratar de uma produção da Disney, o final é feliz, tudo se ajeita no fim, mas este é um filme que deve ser assistido com atenção pelos pais da criançada.
As crianças, por sua vez, poderão gostar do filme, mas não é o tipo de animação que entusiasmará os pequenos, pelo menos a julgar pelo público da sessão à qual eu assisti. Minha filha caçula, de quatro anos, mais de uma vez disse não estar gostando do filme e que estava com medo em várias cenas. A mais velha, de quase oito, não se queixou ao longo da animação e, no final, disse ter gostado bastante. Pode até não ser um filme excelente, mas aborda questões interessantes acerca da sempre conflituosa relação entre pais e filhos.