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segunda-feira, 21 de maio de 2012

No coração do mundo


Quem se interessa por cinema, mas não quer se limitar às produções comerciais ou prefere expandir seu horizonte fílmico para além das películas euro-norte-americanas, pode encontrar em No coração do mundo, de Denilson Lopes, uma ótima e diversificada leitura. Nos dez ensaios que compõem o volume, Denilson se preocupa em analisar o cinema através de uma estética do cotidiano e do comum, dando enfoque a cineastas como Tsai Ming Liang, Wong Kar-Wai, Béla Tarr e outros. 
É interessante o olhar de Denilson sobre o comum num momento em que, em nossa sociedade midiática, de excesso de informação, ele tenha cada vez mais o desejo de falar [= aparecer], mas, em contrapartida, sinta-se cada vez menos ouvido. Hoje, feliz ou infelizmente, qualquer pessoa pode aparecer na mídia e, da noite para o dia, se tornar uma celebridade, mas isso não lhe garante voz [= conteúdo], apenas imagem [= exposição].
Para Denilson, é importante frisar, o homem comum não é antítese da celebridade, mas se aproxima de personagens excêntricos - na medida em  que foi construído por Deleuze e Agamben, num diálogo entre o universal e o individual. "O comum é uma construção transversal que atravessa identidades, mas não as elimina, e talvez, no contexto global de hoje, atravesse culturas". Não se trata, portanto, de restringi-lo a um aspecto simplório, estigmatizado, excluído socialmente. O homem comum é sim um homem da metrópole, mas nem por isso (ou por isso mesmo) "visível".
Um aspecto interessante em torno do comum, na minha opinião, é que cada vez mais ele está "capturado" midiaticamente, isto é, dia a dia nossa sociedade imagética se interessa mais por pessoas comuns, que não teriam um status de importância que lhe outorgasse relevo. O interesse se daria justamente por ser comum, sem caracteres especiais. Seja no cinema, na literatura (notadamente nos blogs), na televisão (reality shows), o comum tem servido para saciar o desejo do público, que talvez se regozije em se reconhecer.
Paradoxalmente, este homem comum nutre a ambição de ascender socialmente justamente abandonando seu atrativo para se elevar à qualidade de celebridade. Denilson, "para traduzir esteticamente o comum, defend[e] que este pode ser pensado como uma encenação minimalista inserida num contexto pós-dramático".
No coração do mundo é um livro que reflete sobre o comum no cinema, mas as reflexões do autor podem e devem ser apropriadas para outras manifestações artísticas, pois, dentre outros motivos, são bastante atuais.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Bruxo e a Princesa

Era uma vez, numa Floresta Encantada, um Bruxo muito bonzinho que adorava viver longe de todas as pessoas. Sua única companhia era a de seu fiel amigo, o Pássaro Mágico, sempre a postos para ajudar o Bruxo em tudo o que ele precisasse. Nem mesmo os animais da floresta conseguiam se aproximar do Bruxo, cada vez mais isolado, sem dar papo para ninguém. Todos os dias ele fazia a mesma coisa: acordava, dava um passeio até o lago, cuidava das flores, exercitava seus poderes e admirava a natureza ao seu redor. Nem mesmo com o Pássaro Mágico ele conversava muito. Assim, os dias se sucediam sem que nada de novo acontecesse.
A Floresta Encantada era muito grande e bonita, cheia de animaizinhos silvestres e felizes, mas, no extremo sombrio da Floresta, havia um morador muito malvado e infeliz, que não podia ver ninguém sorrindo que logo se zangava. Era o Monstro de Sete Cabeças, um monstro muito feio e solitário, incapaz de ver beleza em lugar nenhum. Ele passava os dias pensando numa maldade para fazer, mas nunca conseguia atingir seus objetivos. Até que um dia ele conseguiu realizar seu plano mais sinistro: sequestrar a Princesa e obrigá-la a ser sua esposa.
O Bruxo, no dia do sequestro, pressentiu que havia alguma coisa de errado, pois o céu ficou cinza como nunca acontecia, não se via nenhum animalzinho passeando pela Floresta, e um vento frio soprava sem parar. Mas como o Bruxo não tinha companhia nunca, achou que a melhor coisa a fazer era continuar com a sua rotina e tomar conta de seus afazeres. Nem mesmo o Pássaro Mágico foi capaz de convencê-lo a investigar o que havia acontecido.
Os dias passaram e o clima sombrio permanecia na Floresta Encantada. Perto dali, no Reino da Felicidade, o Rei não sabia mais o que fazer. Passava todos os dias chorando a ausência de sua filha e já estava quase sem esperanças quando um mensageiro do Conselho dos Anciãos trouxe-lhe uma resposta para o seu conflito. O único ser capaz de derrotar o Monstro de Sete Cabeças e devolver-lhe a Princesa era o Bruxo. O Rei, quando ouviu o parecer do Conselho, achou que se tratasse de alguma brincadeira, pois o tal Bruxo nunca fora visto e todos acreditavam não passar de uma lenda. Mas quando o Ancião mais idoso e experiente foi chamado para dar explicações, o Rei se convenceu e ordenou que seus soldados se encaminhassem para a Floresta Encantada em busca do Bruxo.
Este já estava aflito com a atmosfera sombria que tomara conta de sua Floresta, mas ainda não se encorajara a tomar alguma providência. Foi quando o Pássaro Mágico mais uma vez tentava convencê-lo a agir, que o exército chegou a sua casa e explicou tudo o que havia acontecido, implorando que o Bruxo ajudasse a libertar a Princesa e a devolver a paz, a harmonia e a felicidade ao Reino.
O Bruxo podia não gostar de ser incomodado, mas gostava menos ainda de maldade. Ele havia jurado sempre utilizar seus poderes para ajudar quem deles necessitasse, e foi com esta certeza que ele reuniu sua lança, seu Cristal Mágico, suas poções, e partiu em companhia de seu fiel amigo, o Pássaro Mágico.
Chegando ao extremo sombrio da Floresta, o Bruxo não tardou a verificar qual seria o melhor plano de ação. Constatou que a Princesa estava presa num quarto anexo à casa do Monstro, vigiada por ferozes cães de guarda, e que o Monstro malvado comia um porco assado na sala de jantar. Como o Bruxo era muito poderoso, rapidamente conseguiu, por meio de uma poção mágica, transformar os cães ferozes em gatinhos e, antes que o Monstro de Sete Cabeças pudesse esboçar qualquer reação, ele fora transportado para outra dimensão, onde não poderia fazer mal a mais ninguém.
A Princesa, percebendo o que estava acontecendo, correu em direção ao Bruxo e se jogou em seus braços, agradecida pelo que aquele estranho havia feito. Com um gesto, o Bruxo disse que não havia necessidade de agradecer e a levou em segurança de volta ao Reino da Felicidade.
Amanhecia quando a Princesa regressou em companhia do Bruxo e do Pássaro Mágico. Todo o reino ficou muito feliz em rever a Princesa sã e salva. O Rei mandou chamar o Bruxo e disse-lhe que ele poderia escolher tudo o que ele quisesse, e ainda daria a mão de sua filha. O Bruxo, muito educadamente, afirmou que não precisava de nada, e que guardasse a mão da Princesa para um Príncipe que estivesse à sua altura, pois ele não era digno de desposar tão linda Princesa. Diante dos protestos do Rei e de toda a Corte, o Bruxo finalmente disse que tudo o que ele precisava era de seu sossego na Floresta Encantada, mas prometeu sempre vir visitar a Princesa e o Rei, deixando de viver tão recluso no meio da Floresta.
Deste dia em diante, o Bruxo passou a visitar com regularidade o Reino da Felicidade, ganhou novos e bons amigos, e todos viveram felizes para sempre.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Eleonora Oci

Depois de duas semanas muito difíceis, tento retomar minha rotina e minha vida, voltar à normalidade, aceitar o imponderável, compreender os desígnios incompreensíveis de Deus. E desde já afianço que é esta uma tarefa impossível. Hoje sou outro homem. Completamente diferente daquele que seguia impávido, repleto de certezas, convicto, seguro e destemido. Descobri, sem medo do lugar comum, que não sei de nada, jamais soube. E isso é tudo.
É tudo, mas não termina aqui. Para falar a verdade, a minha história tem um novo início, e ele se dá agora. Só agora sinto que começo a viver para valer, pois precisei esperar 37 anos para dar importância ao que realmente tem importância. Não me é possível reviver tudo o que já vivi e refazer meus caminhos, substituir os incontáveis erros por novos acertos. Meus atalhos serviram-me como experiência; são cicatrizes que tenho espalhadas pelo meu corpo e pela minha alma, são as rugas que tornam-me, furtivamente, quiçá, um pouquinho mais interessante do que os meus pares. De duas semanas para cá, sofro uma dor aguda e incurável, e por vezes penitencio-me por não ter feito diferente nas várias oportunidades que eu tive ao longo de minha vida. Mas, certamente, fiz o melhor que eu pude fazer. E hoje, com a cabeça erguida e com os olhos marejados, sigo certo do meu melhor - ainda que ele seja muito pouco.
Hoje, já não tenho mais a avidez de outrora para ser publicado, ser um escritor reconhecido, com efetivamente algo a dizer. Que importa? Porque finalmente me convenci de que a arte que se quer séria não precisa necessariamente de um público que a legitime. A arte é. Simples assim. Mesmo que sem um único admirador. Aqui na internet tenho lido, dia a dia, bons textos de ilustríssemos anônimos, pessoas comuns que provavelmente jamais serão publicadas por alguma editora - e que possivelmente não nutrem este desejo. E ainda assim escrevem textos maravilhosos.
Como maravilhosas eram as telas de minha mãe. Artista desde sempre, nasceu com o dom da pintura. Quando criança, sem ter tido uma única aula de desenho, sentada na calçada de sua casa na distante São Paulo do Potengi, reproduzia o que lhe passava diante dos olhos. Já adulta, no Rio de Janeiro, aperfeiçoou sua técnica, flertou com a pintura abstrata e chegou a vender algumas telas, mas o reconhecimento público não veio - pelo menos não o reconhecimento do grande público, para além do círculo de amigos e parentes. Sempre foi meu desejo que ela buscasse alcançar as grandes galerias de arte, que um maior número de pessoas tivesse o prazer de ver o seu trabalho. Mas não era só isso, hoje eu sei. No fundo, o que eu queria era que minha mãe, através do sucesso de crítica e de público, fosse chancelada como uma grande artista plástica. Como se longe dos holofotes a sua arte fosse menor. Ledo engano.
Hoje, regozijo-me de ter convivido de muito perto com uma grande artista. Muito mais do que isso - sou seu filho, tenho seu sangue, e muito do que sou hoje eu devo a ela. Hoje, duas semanas depois, sinto que eu sou um homem melhor, mais maduro, mais centrado, mais sóbrio, mas sem deixar de ter meu lado doidivanas, meu lado artista também - que é o que importa, no final das contas. Não anseio mais por ser publicado, tanto faz. O que desejo é desfrutar do que descobri nestas duas últimas semanas. Coisas que sempre estiveram bem debaixo do meu nariz, mas, talvez por isso mesmo, me era tão difícil de enxergar. Minha mãe me deu um até breve, mas me deixou inteiro. Me deixou Eu. Mas não sozinho. Ela me deixou cercado pelas melhores pessoas, e agora basta seguir em frente.
Com muito amor, de cabeça erguida, continuo meu caminho. Até breve.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Crônica de um Pai de Terceira Viagem II

Em casa de umbandistas, por vezes diálogos um tanto extraordinários acontecem com regularidade. Mas em casa de umbandistas cuja mulher está grávida, o desfecho da cena é digno de nota.
- Na nossa próxima encarnação bem que a gente podia vir sem tanta dificuldade financeira, né, amor?
- (...)
- Vocês homens são um saco... custa responder?
- É, a gente podia.
- Só isso que você tem a dizer?
- Qual foi a pergunta mesmo?
- Falei que na nossa próxima encarnação a gente podia vir sem tanta dificuldade financeira!!!
- Ah é... podia. Mas eu acho que na próxima a gente não virá juntos.
- Por quê??
- Porque, espiritualmente, estou mais evoluído do que você. Depois que desencarnarmos, ficaremos em sintonias vibracionais diferentes.
[Aqui ela esconde o rosto entre as mãos e inicia um choro convulsivo]
- Tá chorando por quê?
- Quer dizer que eu vou vir sem você? [permanece chorando]
- (...)
- Eu acho que estou ficando maluca... [o choro espasmádico aumenta]
- Que isso, amor...
- Para de debochar de mim!! Cretino! Eu sou uma mulher grávida!!
[Receoso do que pode acontecer, tento segurar o riso]
- Você não vai escrever isso no blog não, né?
- Claro que não, imagina...

domingo, 6 de maio de 2012

A Terra Vista do Céu

Vale muito a pena assistir à exposição A Terra vista do céu, do ecologista Yann Arthus-Bertrand, na Cinelândia. Há vinte anos Yann iniciou seu trabalho de olhar a Terra de cima, justamente na ocasião da Eco-92, aqui no Rio de Janeiro. Desde então o fotógrafo passou a sobrevoar nosso planeta ora em balões ora em helicópteros de modo a conseguir um ângulo pouco comum para suas fotografias. O resultado é espetacular não apenas pela beleza das imagens conseguidas do alto, mas, principalmente, porque elas testemunham as mudanças pelas quais nosso planeta vem passando, alertando-nos para os cuidados que urgem serem tomados para que possamos usufruir de uma boa qualidade de vida, além, é claro, de explicitar as condições insalubres, miseráveis e inumanas de muitas pessoas. Apenas como exemplo, cito um triste diagnóstico: "Se cada pessoa vivesse como um norte-americano, seria preciso mais de 4 planetas Terra para suprir nossas necessidades, enquanto se vivesse como um africano, seria preciso 2/3 da Terra". Pode parecer utopia, mas talvez seja possível vivermos em um planeta com menos desigualdades, sem o abismo existente, por exemplo, entre um morador de Manhattam e um nativo do Congo, ou, para permanecermos nos problemas domésticos, entre um morador da Vieira Souto e um morador de rua.
O visitante, além das fotografias e de seus respectivos textos que as contextualizam, poderá assistir a um vídeo de aproximadamente 90 minutos sobre o projeto e poderá também passear por um mapa-mundi. A exposição permanecerá na Cinelândia até o dia 24 de junho e merece ser assistida, pois suscita muita reflexão. Quem tiver mais interesse no projeto, pode clicar aqui.