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terça-feira, 30 de agosto de 2011

A crítica literária no jornal e no livro

Felipe Fortuna deu prosseguimento ao ciclo de conferências Perspectivas da crítica literária, hoje, na ABL, com a conferência A crítica literária no jornal e no livro. Para fugir da obviedade entre a diferença do tipo de texto que se publica em jornais e do tipo de texto escrito para ser publicado em livro, Felipe lembrou que muitas resenhas publicadas originariamente em suplementos literários de jornais são, posteriormente, reunidas em livro, como é o caso de Mário de Andrade e seu O empalhador de passarinhos, e Luiz Costa Lima e seu Intervenções. Neste, Costa Lima diz que entende a atividade da crítica literária como "uma tarefa não normativa, mas reflexiva, nada apodítica e sim argumentativa". Boa parte dos textos de Intervenções foi publicada inicialmente no Jornal do Brasil e na Folha de São Paulo. Isso nos faz pensar na contramão do que normalmente se afirma a respeito das resenhas publicadas em jornais, que seriam textos pouco ou nada reflexivos, limitando-se a fazer uma sinopse ou a levantar alguma polêmica ou fofoca literária. É possível, pois, que, mesmo no pouco espaço destinado à crítica nos jornais, se consiga construir um texto inteligente e argumentativo, merecedor de futura coletânea em livro.
Houve, no entanto, um descuido na fala de Felipe Fortuna, a meu ver. Segundo ele, a proliferação de blogs que se dedicam à atividade crítica é responsável pelo esvaziamento e pelo desinteresse dos jornais em manter esse tipo de publicação. Mais, os blogueiros não seriam "críticos de verdade", mas qualquer coisa entre pitaqueiros que, por mais que se interessem por literatura, são incapazes de escrever alguma coisa consistente. Tenho a dizer duas coisas a esse respeito. A primeira, que é ótimo que apareçam cada vez mais blogs que lancem luz sobre a crítica, oferecendo novas leituras e perspectivas aos leitores. E, se os blogueiros são realmente amadores, não devem oferecer concorrência aos jornais, não é verdade, Felipe? A segunda, é que não podemos subestimar os leitores dos blogs, que saberão, certamente, reconhecer um blog que não tenha muito a dizer. Acho ótima a efervescência de blogs, sejam de escritores profissionais, sejam de amadores interessados, a menos que, parodiando Sartre, a maioria dos críticos blogueiros seja de gente que teve poucas oportunidades...

No princípio era o verbo

Em 1990, passei o verão em Natal, como sempre fazia. Praia, farra, garotas, curtição. Nada mal. Mas como tudo que é bom dura pouco, retornei ao Rio, lar doce lar. Eis que um belo dia chega em casa uma carta endereçada a mim, mas cujo remetente me era desconhecido. Sem dúvidas, abri o envelope e li a primeira, de muitas futuras, carta de minha mais nova amiga: Janaína. Ela dizia que era amiga da Marcia (acho que era esse seu nome), uma namoradinha de verão da casa vizinha da praia de Búzios, onde estava hospedado. Contava que a Marcia não parava de falar em mim e, curiosa, quis saber quem era o carioca que provocara tanto entusiasmo em sua amiga. Acho que não preciso dizer onde foi parar minha vaidade adolescente. Quer dizer que eu era capaz de causar tamanho entusiasmo numa garota?! E mais: uma outra garota se interessou pelo relato a meu respeito?! Sem pensar duas vezes, respondi a carta e dei início à minha primeira amizade virtual, muito antes da febre internáutica dos chats e das redes sociais.
Janaína e eu nunca nos vimos, mas mantivemos, ininterruptamente, contato estreito de 1990 a 2007, momento em que as cartas se interromperam, sem motivo. Nunca houve nenhum interesse velado por trás das correspondências, apenas o desejo sincero e a preocupação genuína por um amigo. Acho que essa é a minha amizade mais autêntica, menos interesseira.
E aí penso no poder do discurso. A começar pelo discurso da Marcia, que, sabe-se lá o que disse, foi o suficiente para despertar o interesse da Janaína em me conhecer. Depois o da Janaína e finalmente o meu, que se baralharam em dialogismo.
A Janaína foi, durante um tempo, uma das pessoas mais íntimas que eu tinha. A começar porque ela não tinha rosto. Na carta, fazia-me personagem sem máscaras, sem receios, sem pudores. Na carta, fazia-me eu mesmo. Assim, sem intermediações. E sou eu em estado mais bruto, menos lapidado, construído textualmente (?!) O Bruno que a Janaína conhece. O eu.
Nesse tempo epistolar, mudei de endereço e fiquei me perguntando se foi essa a razão de nosso desencontro. Mas no meu antigo apartamento não chegou nada. Eventualmente, quando chega alguma correspondência perdida por lá, os novos moradores me avisam prontamente. E nada da Janaína. São quatro anos sem cartas. São quatro anos sem discurso. São quatro anos sem eu em meu estado mais bruto.
A única tentativa que fizemos de passar das cartas aos e-mails não deu certo. Devo ter anotado o e-mail errado, sempre voltava. Mas eis que, como da primeira vez que chegou uma carta inesperada com um remetente desconhecido, chegou ontem um e-mail de um remetente bastante conhecido. Era ela! Quis saber como eu estava, por onde andei, o que fiz, se ainda estava vivo. Respondi apressadamente, atrasado para um compromisso, para variar. E hoje, finalmente, retomamos o nosso diálogo interrompido. Das cartas aos e-mails. Primeiro fiquei um tanto reticente quanto a esse novo modo de comunicação, mas abri mão da tradição e me rendi às facilidades da tecnologia.
Quatro anos de ausências a serem supridos pelo discurso. Construção de realidades, de significados, de significantes, de identidades. Construção de um eu. Mais eu do que nunca. Ainda temos muito o que conversar, Janaína, mas que bom que nos reencontramos. Sem nunca termos nos encontrado antes. Voltei a Natal outras vezes, outros verões, mas ela não é de lá. Como eu, também estava de férias. Era de outra cidade, outro estado. E tudo começou com o discurso da Marcia. No princípio era o verbo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Perspectivas da crítica literária

"Quem não sabe fazer critica". Esta é, infelizmente, uma afirmativa muito comum, que confere à crítica não uma obra em si mesma, mas tão-semente o fruto da incapacidade artístico-estilística de quem a produziu. Há algumas considerações em torno desse embate entre obra de arte e crítica especializada que merecem ser debatidas. Em primeiro lugar, quando se critica o crítico por apresentar seus pontos de vista sobre determinada obra, parece-me que o que se está querendo dizer é: "a obra está aí, quem você pensa que é para querer falar alguma coisa a respeito? Ao invés de apontar qualidades e defeitos, por que você não faz melhor?" Este pensamento, além de minimalista e reducionista, não compreende o alcance que uma crítica tem, ou pelo menos deveria ter.
Penso que quando alguém se propõe a escrever uma crítica, o que se está em jogo não é simplesmente dizer se a obra é boa ou ruim, tampouco atacar pessoalmente o autor - que, se é meu amigo, será ovacionado. Um exemplo desta prática encontramos em Silvio Romero, que, simplesmente por ter se indisposto pessoalmente com Machado, passou a criticar negativamente sua obra e a enaltecer a de Tobias Barreto, de quem era amigo. Ora, o crítico não deve partir para a análise de uma obra com a intenção prévia de elogiá-la dependendo do seu círculo de amizades sob o risco de uma, nas palavras de T.S. Eliot, superestimação ridícula.
Mais do que dizer se uma obra é boa ou ruim - e, naturalmente, os porquês -, o que a crítica séria deve propor são ideias. O que determinada obra oferece para a construção de significados, para o conhecimento de mundo que se forma a partir dela, para saberes que se solidificam, para rupturas estéticas que a obra sugere, para a formação de um ethos de determinado espaço/tempo são apenas algumas questões que podem estar contempladas em uma crítica séria. E, aí sim, esta não é "apenas" uma crítica, mas uma outra obra, autônoma e plural.
E quais são os espaços para a crítica hoje? Segundo José Luís Jobim, que iniciou o ciclo de conferências Perspectivas da crítica literária, nesta terça-feira última, na ABL, com a conferência Crítica literária: questões e perspectivas, a mídia impressa, a universidade e a internet são espaços que ainda abrigam a prática da crítica especializada. Mas o tipo de texto que se veicula nesses espaços difere bastante.
Nos jornais e revistas especializadas, como também nos blogs, de um modo geral, o tipo de texto é mais sintético, menos analítico, simplesmente por estarem num formato que não comporta extensos estudos sobre os horizontes que podem se abrir a partir de determinada obra. Normalmente, a crítica restringe-se a resenhas e a apresentações, sem maiores aprofundamentos. Por outro lado, os textos escritos por e para universidades têm a capacidade de esmiuçar a obra, apontando caminhos a serem seguidos. Não se trata de dizer que estes últimos são melhores porque mais analíticos, mas simplesmente evidenciar que há leitores com interesses diversos e que encontram formatos textuais que se coadunam aos seus interesses. Outra importância da universidade, de acordo com Jobim, é a formação de um cânone, que será perpetuado pelos professores que saem dos cursos de Letras e que, agora docentes dos ensinos fundamental e médio, irão multiplicar o número de leitores deste cânone formado.
Durante a fala de Jobim, naturalmente, muitas outras considerações acerca da crítica literária foram abordadas, desde a problematização da construção do cânone, que obedece a critérios como número de horas/aula, até o "poder" que um crítico tem de vetar ou de referendar determinado autor e determinada obra, sem que esqueçamos que o crítico também pode se equivocar sobre o seu veredito. Mas, para mim, este ciclo de conferências sobre a crítica literária oferece grande oportunidade para que se entenda, definitivamente, a crítica como um tipo de texto capaz de descortinar novas possibilidades de leituras, capaz de mostrar novos caminhos a seguir - muitos deles, inclusive, impensados antes da própria crítica - e, finalmente, a crítica como um texto outro, livre, autônomo, irrestrito, transcendente.

sábado, 20 de agosto de 2011

Moral da história

Finda a seção conjunta:
- Gostou, Maria Eugênia?
- Não.
- Por quê?
- Porque não entendi nada. Eu já vi essa aqui no dvd, mas aqui tá diferente, tem um monte de palavra difícil.
- Vamos ler de novo? Papai explica o que você não entender.
- Tá.
As explicações formaram um outro texto, um paratexto, sem fluidez.
- E agora, o que que você achou?
- Vamos ler depois, agora quero brincar.

Moral da história 1: tudo tem a sua hora, não se coloca a carroça na frente dos bois.
Moral da história 2: com perseverança tudo se alcança.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Retorno a La Fontaine

Toda criança, direta ou indiretamente, já teve contato com as fábulas de Jean de La Fontaine, seja através de adaptações para desenhos animados, gibis, peças, etc. Mesmo sem acesso direto ao texto literário, quem nunca ouviu falar da história da lebre e da tartaruga, da cigarra e da formiga, do leão e do rato? Estas histórias já fazem parte do inconsciente coletivo infantil - e adulto também, por que não?
Como com qualquer criança, o meu contato inicial com as fábulas de La Fontaine também se deu via desenhos animados, ainda longe de saber que aquelas histórias haviam sido escritas séculos atrás em forma de fábulas. Assistia aos desenhos e me encantava com o universo lúdico de minha infância. Anos mais tarde, já na graduação em Letras, acho que foi em 1998, o meu contato com La Fontaine se estreitou porque trabalhei como assistente de pesquisa para a tese de doutoramento em História de meu amigo Mário Galvão, A Corte do Leão: um manual do cortesão nas fábulas de La Fontaine - França 1668-1695. Na ocasião, tive acesso aos textos em francês e pude ler as fábulas com um pouco menos de ingenuidade, interessado em alguma coisa para além da ludicidade dos desenhos animados. Lembro que fiquei entusiasmado com o trabalho do Mário, dentre outras coisas, porque percebi que muita coisa podia ser extraída de uma "simples" fábula. Paulatinamente desenhava-se em mim o desejo de perseguir uma vida acadêmica, de utilizar a literatura como meio de vida, não apenas como lazer ou entretenimento.
Mas foi pensando também em entretenimento que sugeri a minha sogra que desse de presente de aniversário de sete anos para a Maria Eugênia um livro de La Fontaine. E, entre bonecas, jogos, roupinhas, ela ganhou também o livro. Com tradução de Ferreira Gullar, apresentação de Ivan Junqueira e ilustrações de Gustave Doré, Maria Eugênia pode, muito mais cedo do que eu, perceber que as historinhas que ela já conhece têm também um outro formato. Lendo o livro, me perguntei se ela conseguirá entender e aproveitar suficientemente bem o texto, mas, deixando de lado minha tentativa de controle, o que importa é que mais uma semente foi plantada. Quanto aos frutos, é só esperar... Mais tarde proporei uma seção de leitura conjunta, mesmo porque a edição é linda e as ilustrações de Doré dão um diferencial.

domingo, 7 de agosto de 2011

Ilusões óticas

Um homem cego volta a enxergar e não consegue se habituar com o que passa a ver; um segurança de shopping center se envolve com uma mulher que havia sido flagrada roubando uma loja; um funcionário exemplar é demitido da empresa onde trabalhava há anos; e uma mulher feia e insatisfeita com seus seios pequenos quer fazer um implante para se tornar mais atraente para os homens - as histórias desses quatro personagens, que não compreendem suas realidades e que se entrelaçam de alguma forma, estão em Ilusões Óticas, de Cristián Jiménez, em cartaz. Este é um excelente filme em potencial, mas o expectador pode sair do cinema com a impressão de que acabou de assistir a um filme demasiadamente monótono. As quatro histórias dos personagens poderiam ser muito mais bem exploradas e aprofundadas, principalmente a de Juan, que ficou cego aos três anos de idade e, após uma cirurgia de córnea, volta a (pouco) enxergar. Juan não é mais pertencente ao universo dos cegos - a cena em que ele é retirado de uma excursão patrocinada com dinheiro público para os deficientes visuais é exemplar -, tampouco se sente inserido no mundo das imagens, afinal, como diz, é fácil ser cego e o mundo é feio. Não se trata de uma cegueira branca, como a de Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, mas, como bem lembrou Elisa, o mito da caverna, de Platão, poderia ser evocado. O drama de Juan, no filme, todavia, cede espaço para que o expectador entre em contato com as demais histórias, mas nenhuma delas com aprofundamento. Talvez daí o título do filme, uma vez que o expectador não tem clareza sobre os infortúnios de nenhum dos personagens. É como se uma película dificultasse uma visão nítida sobre cada um dos enredos que se cruzam, aproximando o expectador da angústia de Juan, nem mais cego, muito menos apto a enxergar. Nesse sentido, a monotonia angustiante do filme teria sua função e daria a Ilusões Óticas um novo olhar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Auto(cine)ficção

Uma vez, na UERJ, Luiz Costa Lima disse que, quando criança, seu filho lhe perguntou o que era ficção. A partir dessa inusitada pergunta, Costa Lima buscou compreender melhor o tema e partiu para suas pesquisas. Atualmente, na literatura, a autoficção é uma modalidade textual bastante em voga. Autores como Bernardo Carvalho, Silviano Santiago, Marcelo Mirisola, Clarah Averbuck e outros escrevem ou já escreveram textos que mesclam referências autobiográficas e narradores ficcionais. Se procurarmos situar a literatura contemporânea em um contexto sociológico/ antropológico, perceberemos que é natural a indecidibilidade entre o que é real e o que é ficção. Na nossa sociedade imagética e midiática, é cada vez mais fácil a apreensão do real. Desse modo, penso eu, diante da facilidade com que o real pode ser apreendido - pelo menos ilusoriamente -, o homem do século XXI sentiria vilipêndio pela ficção, pelo faz de conta, interessado que está pelo real. Não à toa realitys shows e talk shows atingem elevados índices de audiência na mídia televisiva; e autobiografias, memórias, correspondências, entrevistas, autoficções são um nicho editorial seguro; sem falar, claro, dos blogs.
Nessa direção, A falta que nos move, longa baseado em uma peça homônima, de Christiane Jatahy, encontra eco. Os atores, que também são os roteiristas do filme, atuam com seus nomes próprios, isto é, no filme, eles estariam representando a si mesmos, à espera de alguém que viria para o jantar, para só então conversar sobre um filme no qual eles trabalhariam. O filme de Jatahy seria antes uma espécie de making of de um filme que ainda estaria para ser rodado, com os atores despreocupados com um roteiro ficcional e sim vivendo suas próprias identidades. Mas mesmo que o espectador aceite as vivências dos atores como legítimas, empíricas, "reais", daria para acreditar que as filmagens não foram previamente roteirizadas e que as experiências vividas não seriam ficcionais?
Com um quê teatral bastante acentuado - talvez por ser uma filmagem inspirada numa peça de teatro -, a presença da diretora é explicitada através de recados que ela dá aos atores via celular. O roteiro também é colocado em primeiro plano no momento que ele é consultado, no decorrer do filme, já que está afixado em uma parede. Começa-se, então, mais incisivamente, a se confundirem realidade e ficção. Do mesmo modo que em Nove noites, de Bernardo Carvalho, as cartas de Manoel Perna insistem que o leitor vai entrar em um território onde "a verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates" e que "a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui", em A falta que nos move os atores desempenham esssa função, com falas que questionam a autenticidade de suas ações, lembrando que "a realidade está lá fora". Frases como esta, no filme, ajudam a baralhar realidade e ficção, que confundem-se a tal ponto que o espectador sai do cinema se perguntando até onde vão uma e outra.
Depois de escrever uma dissertação de mestrado sobre Nove noites, hoje me pergunto se não seria ingenuidade demais acreditar que pelo menos uma linha do romance tivesse a pretensão de "escrever a realidade", mesmo que referências autobiográficas indubitáveis estivessem ali contidas. No terreno da ficção, a realidade passa a ser ficcional, por mais documental que ela possa ser. Nesse sentido, A falta que nos move é um excelente exemplo de uma estética que não se contenta tão somente com a ficção, mas procura ultrapassá-la, transcendê-la, mesclar-se, (con)fundir-se para, então, afirmar-se novamente como ficção.
Gravado num único dia, durante 13 horas consecutivas, temos na tela as relações entre os atores Pedro Brício, Mariana Vianna, Cristina Amadeo, Daniela Fortes e Kiko Mascarenhas. As tensões vividas pelos atores-roteiristas indiciam uma preocupação do homem desde sempre, e revelada na pergunta infantil do filho de Costa Lima: o que é ficção?

Meu dedão grita por espaço!

Ok, posso concordar que a estética punk é pobre. Os penteados, as vestimentas, a maquiagem, os três acordes e a arte de um modo geral, esteticamente, deixam muito a desejar. "Faça você mesmo" é um lema que, se por um lado é transgressor, por outro, é bastante limitado e limitante. Mas, por mais que eu possa concordar com e assinar embaixo do que venho dizendo, não posso fugir da evidência, pelo menos para mim, de que a música punk é boa pra caralho! Como não aumentar o volume ao som de Sex Pistols, Velvet Undreground, Ramones e, principalmente, The Clash. É claro que tem muito de remanescência adolescente nessa minha veia punk, uma adolescência que queria ser rebelde, mesmo que motivos não houvesse para isso. Mas o fato é que a música punk toca alto aqui em casa. Já não uso mais brincos, cabelos compridos e jeans rasgados, hoje sou, pelo menos aparentemente, um comportado e careta chefe de família. E foi assim que Elisa e eu fomos ao CCBB assistir à exposição I am a cliché: ecos da estética punk. Fotografias, capas de vinis, vídeos e, naturalmente, música nos entretiveram na exposição. Não vimos, porém, nenhum adolescente com cabelo moicano, como aqueles que encontramos na Quinta da Boa Vista. Devo estar ficando (muito) velho, mas acredito que não há mais espaço para esse tipo de penteado nos dias de hoje. Antes que me acusem de reaça, explico: nos anos 70, havia um contexto sociopolítico que justificava a iniciativa para a transgressão, mas hoje? Anacronismo puro e simples, ou então uma ode aos jogadores de futebol, convenhamos, nada a ver. Lembrando Flávio Carneiro, falando da literatura brasileira contemporânea, hoje não temos mais um inimigo comum contra quem escrever, do mesmo modo, penso eu, que não temos mais um ambiente que favoreça um modus vivendi punk. Mesmo que a música punk ainda toque alto na minha sala...