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sábado, 15 de junho de 2013

O debate sobre Deus

O excelente livro O debate sobre Deus, de Terry Eagleton, é o resultado das conferências que o professor de literatura inglesa na Universidade de Lancaster e de teoria cultural na Universidade Nacional da Irlanda proferiu a convite da Universidade de Yale em 2008. Poderia ser curioso ou mesmo incompreensível que um ateu se dispusesse a debater um assunto dessa natureza. No entanto, Eagleton, ao contrário de Richard Dawkins, por exemplo, faz parte do time de "ateus moderados", de acordo com denominação de Gustavo Bernardo Krause. Isso significa que, diferentemente de Dawkins, a religião não é, para Eagleton, um mal que necessita ser extirpado; ela tem sua importância e não encontra substituto para sua função na vida da humanidade, seja qual for a religião. 
Como professor de literatura, o conferencista é mais íntimo da ficção, ao contrário de Dawkins, homem das ciências e incapaz de fazer uma leitura alegórica dos livros sagrados. Para o primeiro, a equiparação entre Deus e ficção é mais natural e fluida, de modo a facilitar uma compreensão religiosa para além da literariedade contida nos Velho e Novo Testamentos e no Alcorão; para o segundo, esta tarefa torna-se nebulosa e inalcançável. Esta é apenas uma dentre várias críticas que Eagleton faz a Dawkins e aos "ateus ferozes". 
Neste livro, o autor evoca a religião como uma doutrina filosófica - e é este ponto um diferencial bastante inovador em se tratando de um ateu. Para ele, uma visão religiosa "trata-se, sim, de alimentar os famintos, abrir os braços para os imigrantes, visitar os doentes e proteger os pobres, os órfãos e os enviuvados da violência dos ricos. Espantosamente, não somos salvos por um aparato especial conhecido como religião, mas pela qualidade das nossas relações cotidianas uns com os outros. Foi o cristianismo, e não a intelligentsia francesa, que inventou o conceito da vida cotidiana". Esta citação equivaleria a dizer que, a despeito da crença ou não em um messias salvador, o que o cristianismo prega há mais de dois mil anos, além de ser extraordinariamente revolucionário - e duradouro -, é um modus vivendi a ser adotado por toda a humanidade, pois, assim agindo, tornaríamos o mundo melhor, mais justo, solidário, altruísta. Para alcançarmos esse estágio, a crença em Deus seria apenas um detalhe, isto é, o Todo Poderoso não deveria nos dizer como nos comportarmos, mas este deveria ser um comportamento intrínseco a todo ser humano. Qualquer semelhança com o socialismo não é mera coincidência. Em todo caso, como bem aponta Eagleton, o cristianismo teria sido a primeira "corrente filosófica" a apontar esse caminho.
Por que, então, é tão difícil que consigamos viver sob esses preceitos? Para o autor, o capitalismo tem contribuição decisiva, pois "o sistema capitalista avançado é inerentemente ateísta. Ele rejeita Deus em suas efetivas práticas materiais e quanto aos valores e crenças aí implícitos, independentemente do que possam asseverar alguns dos seus apologistas". Uma vida espiritual seria a antítese do acúmulo de bens materiais, ícone máximo da premissa capitalista. Quanto maior o poder de compra de um indivíduo e quanto mais capital ele conseguir acumular, mais ele será bem-sucedido. Dar aos pobres, ajudar quem necessita, acabar com a fome, dentre tantos outras atitudes altruístas e humanistas, parecem não se coadunar com o que prega o capitalismo. A própria religião, de acordo com Eagleton, se perdeu em meio à ostentação, como se a religião não fosse mais religiosa, ignorando os preceitos revolucionários de Cristo. Daí ser cada vez mais comum o surgimento de igrejas que visam apenas o lucro, explorando seus fiéis com contribuições muitas vezes exorbitantes e incentivando o ódio ao invés do amor, seja contra homossexuais ou contra qualquer pessoa que não se adeque àquilo que ela julgue correto. Para Eagleton, "o cristianismo há muito migrou do lado dos pobres e despossuídos para o dos ricos e agressivos". Para corroborar sua crítica ao capitalismo e sua contribuição para a "corrupção" da fé e da religião, o autor se pergunta: "qual o sentido da fé ou da esperança numa civilização que se vê como autossuficiente e basicamente tão boa quanto possível, ou, no mínimo, como um progresso retumbante em relação ao que existia antes?"
Ora, se Terry Eagleton iniciou um ataque crítico ao capitalismo como uma das causas do combate à religiosidade, ele precisaria aprofundar seus argumentos de modo a atingir seu maior responsável: os EUA e o mundo ocidental. E ele o faz de maneira direta, objetiva, contundente e destemida, numa universidade nos próprios EUA. Contra todo o terror advindo do ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, ele afirma que, mesmo para os terroristas mais convictos de suas decisões assassinas - fique claro que o autor não compactua com elas -, seria necessário muitos anos de terror para igualar as mortes ocasionadas pelo "histórico bárbaro de guerra e imperialismo dos ocidentais". Dentre outros equívocos da política estadunidense, o autor cita o maior número de mortos no Chile, na ocasião da destituição de um governo democraticamente eleito, do que os mortos no 11 de setembro; menciona o apoio dos EUA ao regime da Indonésia, que exterminou igualmente um maior número de pessoas do que no atentado de 2001; também, em 1978, "com a assistência da CIA, o Irã passou de uma nação que incluía esquerdistas seculares e democratas liberais a um estado islâmico linha-dura". Eagleton responsabiliza os próprios EUA pelo estado de tensão em que vive após os atentados que chocaram o mundo. Segundo ele, "foi o Ocidente que ajudou o islamismo radical a florescer, quando o recrutou para lutar contra o chamado comunismo - rótulo usado para descrever qualquer país que ousasse esposar o nacionalismo econômico em detrimento do capitalismo corporativo ocidental".
O mundo islâmico, à luz do capitalismo, ficou completamente empobrecido, mais do que isso, excluído da bonança do capital e mutilado identitariamente, além de completamente ignorado pelo ocidente após perder sua serventia política. A respeito do islamismo, que seria a causa do terror vivido no mundo ocidental, ao contrário do que ficou tido como "verdade" no ocidente, Eagleton mostra que esta religião, em seus preceitos básicos, é contrária à barbárie, à violência, ao suicídio. Neste caso, o que motivaria os ataques extremistas e assassinos? Certamente a motivação não é religiosa, mas sim política. Nas palavras do autor, "o radicalismo islâmico, como o fundamentalismo cristão, acredita na substituição da política pela religião. Se a política fracassou na missão de emancipar o cidadão, quem sabe a religião funcionará melhor". Parece claro, a meu ver, que há aí um problema ontológico, pois a religião se deslocou para outra seara, alheia a sua origem primeira. Este deslocamento, porém, na visão do autor, não é exclusivo do islamismo, mas de toda religião em tempos atuais.
Este livro de Terry Eagleton merece ser lido com cuidado por religiosos ou não, teístas ou ateístas. Naturalmente, ele não restringe suas observações acerca de Deus e da religião a uma problematização do capitalismo e do mundo ocidental, mas é esta questão demasiada interessante e, a meu ver, inovadora, explicitando uma abordagem ignorada pela cultura ocidental. A política já demonstrou incapacidade de solucionar os problemas da humanidade, principalmente pós Guerra Fria e derrocada do comunismo. Para alcançar sua supremacia, os EUA e seus aliados utilizaram de todos os subterfúgios. Assim, "os fundamentalistas, em sua maior parte, são aqueles que o capitalismo deixou para trás, aqueles cuja confiança o capitalismo traiu, como trairá a de qualquer um e qualquer coisa que não gere mais lucro". A religiosidade, para Eagleton, é tão fortemente praticada - mesmo que por vias distorcidas - nos dias de hoje como uma forma de protesto, pois "sinalizam um problema para o qual não há solução".
Eagleton, apesar de ateu, compreende muito bem os preceitos religiosos e é defensor da religião, afinal, se a exterminássemos, como quer Dawkins, o que a substituiria? Não entrarei na questão dos enormes equívocos cometidos pela Igreja ao longo dos séculos, dos atentados extremistas em nome de um "Deus", ou mesmo da homofobia presente nos cultos evangélicos de um modo geral, dentre tantas outras desumanidades, mas, mesmo ao enumerar tais arbitrariedades, não é possível negar ações bastante positivas e genuinamente cristãs praticadas pelas religiões. Não à toa, talvez seja a instituição mais longeva do mundo, e isso não se dá sem um motivo sólido, sério e forte. 
Para finalizar, este livro de Terry Eagleton é leitura obrigatória porque aborda questões outras acerca de Deus e das religiões, todas muito bem embasadas e sob uma perspectiva materialista, sem, contudo, abdicar de uma visão profunda da religiosidade. Como marxista, ele dá uma compreensão para além do senso comum de que a religião é o ópio do povo.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Crítica de Maria Christina Rezende

Bruno,

Muito me sensibilizou sua dedicatória. Acompanhei sim sua trajetória de vida, de bons e maus momentos, e fico bastante envaidecida de ver você superando obstáculos e produzindo. E produzindo o quê? Poesia, versos, os mais sensíveis, belos e cativantes.
Observei que você datou as poesias e não pude deixar de notar a diferenciação de emoções dos anos assinalados ali.
Em 1993, você avisa que o barco está afundando, que com ou sem o marcapasso a vida está terminando. Em 1995, há um desejo de matar todas as pessoas e a agonia de esperar a morte  que será decidida por doutores, até se propondo a fazer "Guia Prático para se Chegar ao Fim". Você, em  2001, fala de berrar um grito visceral, algo em desarmonia, enquanto relata fazer força para ficar firme e, na mesma linha de angústia, em  2006 deseja a morte como libertação, querendo o nada.
Porém, em 2008, em contrapartida, enfoca a ternura de ter uma princesinha, assim como em 2011, com o segundo bebê ainda no berço.
Não sou poeta, e qualquer comentário que possa fazer seguirá também o meu sentido de "gostar mais ou menos", até porque, como você diz, "palavras não têm significado”. Discordo, pois para mim as palavras, quando ditas, podem ser enganosas e encobrir o que se oculta, entretanto, depende de como você é escutado e compreendido. Você fala com seus versos, o que é um falar muito potente. Você não usa o silêncio para se expressar.
Gostei do seu "Guia prático para se chegar ao fim". Também do "Pensando em João Cabral", e é pensando nele que me lembro que, quando um rio corta, corta-se de vez o curso do rio de água que este rio fazia, e a palavra, em situação dicionária, estanque nela mesma, com nenhuma outra se comunica.
Você se comunica e se comunica na sua dor e alegria, enfim, se comunica com sua essência, com o seu principal. Gosto mais do Bruno poeta do contundente, que pulsa, que se diz sem nexo, mas que consegue respirar fundo e se impulsionar para Pasárgada.
Enfim, um pretérito que você pode julgar imperfeito, contudo, foi e é produtor de um futuro, quem sabe perfeito.

Parabéns, Bruno, e não posso deixar de dizer o óbvio: Oci ficaria feliz.

Beijos,

Christina