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sábado, 27 de abril de 2013

Autorretrato

Ele é lindo. De uma beleza singular. De todo seu corpo, seus olhos verdes são seu maior orgulho narcísico. Não é qualquer um, afinal, que tem olhos verdes. Na verdade eles esverdearam à medida que crescia, pois nascera loiro e de olhos azuis. Mas ele prefere a fisionomia atual: olhos verdes acompanhados de cabelos - já escassos - castanhos. Ele se sentiria muito estereotipado se as cores oculares e capilares de seu nascimento o tivessem acompanhado em sua trajetória de vida. Seus óculos de aro preto emolduram muito bem seu verde preferido.
Outra peculiaridade sua que o singulariza e o agrada sobremaneira são suas inúmeras cicatrizes, espalhadas por todo o corpo, mas concentradas sobretudo em sua cabeça. Cada cicatriz tem uma história, um mistério, que ele faz questão de ocultar, tornando-o mais interessante. O que teria acontecido a homem tão bonito e inteligente, marcado dos pés à cabeça e distribuído por 180 centímetros? Ninguém sabe, nem ele próprio tem certeza dos porquês de inúmeras marcas tão visíveis e ao mesmo tempo secretas.
O pouco que ele sabe ao se olhar no espelho é que a imagem refletida o agrada bastante. Não é muito magro, muito menos muito gordo, possui um corpo condizente com sua idade, 38 anos vividos de maneira por vezes intensa, por outras comedida; às vezes extrema e em alguns poucos momentos sóbria. Nunca viveu uma linearidade. 
Avesso a academias e a qualquer tipo de cuidado corporal, é um homem de 38 anos com um corpo de um homem da mesma idade, mas, ainda assim, bem apresentável. Prefere exercitar sua mente, mesmo que para isso minta muitas vezes a si próprio. 
Possui uma calma impressionante, admiração inconteste de seus amigos. Por outro lado, detém dentro de si uma fúria assustadora, capaz de destruir tudo ao seu redor, temor presente em sua família. Médico e monstro.
Ele odeia barulho e ser incomodado; acalma-se na natureza. Música e literatura são suas grandes paixões, mas se sabe sem talento algum para ambas.
Seu único ressentimento é com Deus, ser zombeteiro que lhe dá muito mais obrigação, trabalho, infortúnios e atribulações do que ele é capaz e gostaria de suportar. Não lhe sobra tempo para nada. Mas ainda assim usufrui momentos - raros - de felicidade plena.
O espelho, contudo, nem sempre o reflete como ele de fato é. 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A filha do livreiro


A vida pode ser difícil; a rotina demasiada cansativa; a realidade muito chata e angustiante. O que parece ser paradoxal nisso tudo é o interesse exagerado que o "real" suscita nos sujeitos deste início de século. Câmeras de segurança, webcams, reality e talk shows etc.  dariam conta da realidade tal qual ela é. As imagens e os discursos provenientes destes reprodutores da realidade seriam inequívocos, dando ao indivíduo que a eles tem acesso a certeza de não estar sendo ludibriado, de estar a par do que realmente acontece, sem qualquer intervenção que maculasse a realidade, cada vez mais presente e perseguida. Talvez a maior crítica que as telenovelas sofram, por exemplo, é o fato de muitas vezes não serem fidedignas à realidade, causando no telespectador certo repúdio. Mas as telenovelas não são obras de ficção, sem um compromisso direto e restrito à realidade? E por que uma de suas maiores críticas é justamente o fato de serem ficção? Não se trata de um documentário, que, por sua vez, por mais que tenda a se ater aos fatos empíricos, é também construção discursiva, seleção do que será ou não filmado, enfim, em alguma instância também ficção. Haveria, no mundo de hoje, extremamente midiatizado e imagético, um certo vilipêndio pela ficção e uma adoração crescente pelo real? Ou ao menos por uma reprodução deste real, seja qual for?
Com a literatura acontece a mesma coisa. O número de (auto)biografias, de publicação de diários, entrevistas, cartas corresponderia a esta verdade alheia à ficção. As autoficções não seriam, seguindo este raciocínio, uma tentativa de sobrevida da ficção, mesclando-a com a realidade empírica do autor? Bernardo Carvalho já admitiu que escreveu Nove noites, romance autoficcional, porque percebeu, após o insucesso de vendas de seus dois primeiros livros, que o público estava interessado em histórias baseadas em fatos reais. Se de fato isso acontece, penso ser um duplo prejuízo para o público: primeiro porque estaria se privando, voluntariamente, da ficção; segundo porque, em sua busca por uma "verdade realista", continuaria sendo "enganado" por uma construção discursiva, que fugiria, de qualquer modo, da realidade estabelecida e entraria no universo ficcional.
Diante deste cenário, Marcela Tagliaferri presenteia seus leitores com um romance que problematiza a dicotomia ficção versus realidade de maneira extremamente bela, inteligente, instigante e, sobretudo, (meta)ficcional. Em A filha do livreiro, seu primeiro romance, ela cria de início uma cidade fictícia, Libertazul, "lugar de leitores", onde a história, ou histórias, se desenvolverá (ão). Por ser uma cidade das Letras, portanto, de muitos livros e leituras, há um entrecruzamento entre várias histórias, de maneira a exigir do leitor atenção e cuidado. Este não conseguirá compreender a beleza do romance se espera por uma narrativa linear, de simples compreensão. Há um embaralhamento que ocorre primeiro porque o romance vai sendo escrito à medida que a leitura avança; segundo porque há mais de uma narradora e, portanto, o romance se desenvolve sob mais de um ponto de vista.
Para complexificar mais o romance, a própria autora junta-se à narrativa: "A mulher despertou o ódio de alguém quando fechou a livraria. No entanto, Felício não faz ideia de quem seria capaz de cometer um assassinato no lugar. Liga a máquina, abre o pen drive, encontra o arquivo A filha do livreiro, clica duas vezes e assim que o Word entra, Felício começa a ler." Dentro da investigação ficcional em busca do conteúdo do livro, que poderia revelar o assassino de Ana Clara, deparamo-nos com a metaficção, pois é o próprio romance de Tagliaferri que vai sendo, página a página, sendo escrito. Talvez seja fácil decifrar a presença da autora na sua própria ficção, pois, como anota a narradora, "nada melhor do que entrar na beleza de um história e viver com os personagens, o tempo para e a vida ganha o gosto do inesperado, da dor, da alegria, das formas poéticas." Enquanto na busca incessante pelo real, somos apenas espectadores, usufruímos da "realidade" sem a mínima oportunidade de nela intervir, na ficção - e Marcela faz isso muito bem - isso não é só possível, é também poético e necessário. É a partir da ficção que conseguimos viver realidades mais prazerosas e mais lúdicas, de maneira a suportarmos, em nosso dia a dia, o caos e o tédio do cotidiano.
Há algumas hipóteses que justificariam um narrador cada vez mais preocupado - ou talvez sem saída - em misturar ficção e realidade, mas não cabe entrar em seara tão complexa e teórica aqui. O que importa é que em Libertazul "a ficção abria novas possibilidades que ela experimentara." Com o embaralhamento de ficção e realidade, na construção de um romance inteligente e instigante, estamos diante de uma realidade outra, muito mais fascinante porque lírica e (meta)ficcional. Em A filha do livreiro, "a realidade assumiu a fantasia, e só existia ela ouvindo a voz da princesa." Não à toa, o romance dialoga com Gabriel Garcia Márquez, com Guimarães de Grande sertão: veredas, e com As mil e uma noites - enfim, um romance que rende um tributo à (meta)ficção.

sábado, 20 de abril de 2013

Vésperas

Escritor. O que vem a ser isso? Luís Fernando Veríssimo já declarou ter sentido dificuldade em explicar qual era a profissão de seu pai Érico no colégio para seus colegas. Outra dificuldade comum é associar o escritor a ficcionista, como se críticos literários, ensaístas etc. também não o fossem. Ou não seriam estes também escritores, já que escrevem textos? Flávio Carneiro, com uma produção tanto ficcional quanto ensaística e teórica, chama atenção para isso, afirmando que a escritura de textos não ficcionais é uma tarefa de escritores igualmente.
Durante um bom tempo, esta segunda categoria de escritores se preocupou em afirmar que, na produção ficcional, a figura autoral pouco ou nada importava para a compreensão da obra de ficção, que teria apenas no texto toda a chave necessária para a compreensão e deleite da obra. Estava decretada a morte do autor. Qualquer alusão à vida empírica do escritor ficcionista ou possível biografismo deveriam ser descartados para uma leitura séria que se quisesse fazer de um texto literário. O texto bastava em si, deveria ser suficiente para o leitor, em uma palavra, era indelével.
De uns anos para cá, porém, o interesse pela figura autoral vem crescendo, em parte por causa do retorno do real, de acordo com Hal Foster, e em parte devido à nossa sociedade extremamente midiatizada. Como pensar a morte do autor se ele está presente em programas de televisão, em lançamentos de livros, em feiras literárias, em palestras em universidades etc.? E não é só isso. Mesmo antes do chamado retorno do autor, das autoficções cada vez mais presentes na literatura contemporânea, havia uma espécie de fascínio pela figura autoral. Roland Barthes já reconhecia o interesse dos leitores em associarem pessoa e obra; já aceitava um fetichismo em torno do autor; já o admitia, enfim, presente em biografias.
Adriana Lunardi, em Vésperas, seu segundo livro, dedica cada um de seus nove contos a nove escritoras já falecidas. São elas Virginia Woolf, Dorothy Parker, Ana Cristina César, Colette, Clarice Lispector, Katherine Mansfield, Sylvia Plath, Zelda Fitzgerald e Júlia da Costa. Mas não se trata de um livro biográfico, ao contrário. Por mais que cada uma das nove escritoras tenha realmente existido, legando-nos obras expoentes da literatura, aqui elas são "apenas" personagens de uma muito bem construída ficção. Quem nunca teve a curiosidade, ou pôs-se a imaginar, o que teria acontecido nos últimos instantes de vida de um ídolo, literário ou não? Para isso, talvez, o segredo seja controlar a imaginação, como dito no conto Kass, referente a Katherine Mansfield. Ou, quiçá, dar-lhe asas, de modo a entregar-se à criação, ao onírico, à fantasia. De um modo ou de outro, Lunardi reinventa, no universo ficcional, a vida de cada uma das "biografadas". 
A escolha dessas autoras, contudo, a meu ver, não é arbitrária. Selecionando as escritoras citadas, Adriana cria para si uma espécie de filiação, do mesmo modo que a narradora do conto Clarice assim justifica a visita ao túmulo de Lispector: "Sobretudo, tinha ido ali para me filiar." Assim, a construção, por parte do leitor curioso e fetichista, de uma identidade autoral em Adriana Lunardi passa pelas escritoras-personagens de seu livro, tornando-se também, em certo sentido, uma escritora-personagem. Isto não significa que haja em Vésperas uma referência autobiográfica, muito menos que se trate de autoficção, mas isso não impede que o leitor, tal qual a autora, crie sua própria ficção a partir do interesse natural que há por quem escreveu o texto.
Se o formalismo e o estruturalismo ainda estivessem em voga, talvez fosse correto afirmar que a vida das escritoras não tivesse muita importância, apenas suas obras, estas sim imortalizadas. Mas uma vez que agora elas são personagens de uma obra de ficção, Adriana Lunardi conferiu-lhes a imortalidade que porventura alguém pudesse duvidar ou ao menos relativizar. Um trecho exemplar encontra-se no conto Minet-Chéri: "Sinto inveja, por um segundo, de não ser mortal e experimentar o gozo das coisas condenadas. Em tudo antever um fim, e ainda assim desperdiçar; desdenhar cada segundo com uma autoridade que só nos deuses se justificaria. Em meu destino não há riscos. Fui criada para durar, viver um tempo que não finda. Esse é o mal de que padecem as criaturas inventadas pelas criaturas." Esta é a fala da narradora do conto, Claudine, personagem de Colette. Apenas a personagem de ficção seria imortal, mas, agora, Lunardi confere imortalidade também à Colette, transformando-a igualmente em uma personagem de ficção. Por outro lado, contudo, o narrador do conto Victoria, referente a Sylvia Plath, complexifica: "Eis uma razão para comemorar quando se chega aos sessenta anos e não se está inscrito na eternidade." Aqui, o narrador ficcional ressente-se de não chegar à eternidade enquanto Sylvia Plath a alcançou. Poderíamos dizer, portanto, que no campo da ficção tudo é possível, para além de teorias e academicismos muitas vezes insuficientes para dar conta do que seja a ficção?
O escritor. O que vem a ser isso? Para Mario Vargas Llosa é tão-somente uma pessoa que tem uma necessidade premente de alimentar sua solitária. Eu acrescentaria que hoje o escritor transformou-se em personagem de si mesmo, no sentido de que, enquanto personalidade multimidiática, acaba performando-se e dando a conhecer ao público uma identidade de um eu que se quer conhecer, que se quer dar a reconhecer como escritor. Adriana Lunardi, em Vésperas, denota alimentar incessantemente a sua solitária, pois, não fosse assim, ela teria sido incapaz de escrever livro tão bonito, inventivo, ficcional - dando-se a conhecer através de uma filiação.

quarta-feira, 17 de abril de 2013


Quem não pôde comparecer ao lançamento e quiser comprar Pretérito Imperfeito tem duas opções: entrar em contato comigo ou comprá-lo diretamente pelo site da editora no link que segue:http://www.editoramultifoco.com.br/literatura-loja-detalhe.php?idLivro=1128&idProduto=1160

sábado, 13 de abril de 2013

Quero muito agradecer a TODOS que compareceram e prestigiaram o lançamento de Pretérito Imperfeito ontem. Foi uma noite sensacional, com 56 livros vendidos, e muitas pessoas queridas que há muito não via, sem falar naquelas que tive o prazer de conhecer. Para um autor estreante, acho que está bom.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Poetar...


Sem ter o que fazer, escrevo
Sem ter o que escrever, rascunho
Com o rascunho pronto, bola ao cesto
Sem boa pontaria, chão.

In:


terça-feira, 9 de abril de 2013

Domingos sem Deus

Para que serve a literatura é uma pergunta feita exaustivamente e que encontra respostas diversas. Há quem diga que não serve para nada; para outros não passa de entretenimento; há quem responda que é uma maneira de retratar a realidade; alguns afirmam que ela serve para criar realidades outras; e o número de respostas   possíveis se estenderia. 
Parece impossível, no entanto, falar de literatura sem mencionar a dicotomia realidade e ficção. Há estudiosos, como Costa Lima, por exemplo, que afirmam não ser literatura uma obra calcada em aspectos meramente referenciais. Para este autor, para ser literatura tem que ser ficção. Herbert Marcuse, em outra direção, diz ser antiarte um texto que apenas reproduz a realidade estabelecida, sem a transformar. Esta questão é bastante complexa e polêmica e parece não ajudar a pensar a literatura praticada na atualidade. Sim, literatura é ficção; sim, a ficção criada neste século apresenta, no universo anteriormente estritamente ficcional, resíduos autobiográficos e referenciais sem deixar de ser, também, ficção; sim, há hoje um retorno do real, para usar uma expressão de Foster, invadindo a produção ficcional, problematizando conceitos outrora estanques. 
Um tipo de produção textual que mescla ficção e referencialidade, notadamente autobiográfica, é a chamada autoficção. Não é este o caso, porém, de Luiz Ruffato, avesso a este tipo de exposição textual, apesar de concordar que há reminiscências suas em sua obra, mas diluídas. Autor com um projeto literário definido - a criação de uma pentalogia que dê conta dos últimos cinquenta anos da vida proletária no Brasil -, tem em Domingos sem Deus o quinto e último volume da série.
Segundo o próprio Ruffato, seria improcedente utilizar-se do romance - gênero burguês por excelência - para escrever sobre o trabalhador urbano, sobre a classe média baixa. A saída encontrada foi o antirromance, composto por várias histórias autônomas mas interligadas. A ausência de um protagonista e a retomada de personagens em outros momentos representam a contento a realidade a que se predispôs denunciar, pois como ele mesmo escreveu, em "Até aqui tudo bem! (como e porque sou romancista - versão século 21)", "para levar à frente um projeto de aproximação da realidade do Brasil de hoje, torna-se necessária a invenção de novas formas, em que a literatura dialoga com as outras artes (...) e tecnologias (...), problematizando o espaço de construção do romance, que absorve onivoramente a estrutura do conto, da poesia, do ensaio, da crônica, da oralidade..."
A série Inferno provisório seria então um conjunto de cinco antirromances realistas, a dar conta de uma realidade pouco explorada em nossa literatura - a do trabalhador urbano, do proletariado. Para Ana Cláudia Viegas e Franciele Queiroz, "a constituição de tal projeto apresenta peculiaridades, pois, apesar da noção de 'unidade' que a ideia de projeto traz em si, sua composição é estilhaçada, formada por restos de histórias, aglomeração de narradores, ausência de uma perspectiva definida, decomposição de memórias, desdobramento de personagens e muitas simultaneidades na representação de uma 'realidade'". Haveria melhor maneira de tornar verossímil e trazer à luz personagens cotidianamente anônimos, sem qualquer espécie de holofote? A insignificância dessa classe no nosso dia a dia iria de encontro à ausência de um personagem principal - este simplesmente não há e o que há é a incidência da atenção não sobre um personagem, mas sim sobre toda a coletividade, até então calada e ignorada. 
Uma excelente estratégia de Ruffato para legitimar um novo realismo, pautado na performance, é a utilização de uma linguagem bastante oral, muito próxima do que se costuma ouvir na "realidade". Este procedimento não empobreceu seu texto, ao contrário, estetizou a linguagem literária de maneira a dar verossimilhança ao seu projeto, libertando-se do vínculo burguês próprio do romance. Para Vilém Flusser, em seu livro Língua e realidade, "para ser, a realidade precisa parecer". E é o que ocorre em Domingos sem Deus. O leitor não se sente alheio à realidade ali ficcionalizada, como um espectador com acesso às informações via um narrador ideologicamente descompromissado com a causa proletária, ou, na melhor das hipóteses, através de um narrador, mesmo que simpatizante à causa, estranho àquela realidade; o leitor se percebe "dentro" da história e, assim, o realismo performático se mostra mais eficiente.
Ao nutrir o desejo de ser escritor, Ruffato se questionava sobre o que escrever e sobre como escrever. Para ele, seria mais do que natural utilizar como leitmotiv a vida operária, pois esta era já sua conhecida. Haveria aqui, pois, uma aproximação biográfica entre autor e obra, apesar de sua obra não ser nem autobiográfica nem autoficcional strictu sensu. Surge como recurso a utilização de um narrador que narra, de certa maneira, as experiências empíricas autorais, o que não deixa de ser uma afirmativa um tanto quanto tautológica em certo sentido. 
Tema (vida operária) e forma (o antirromance) definidos, restava-lhe uma última pergunta: para que escrever? Para Ruffato, "escrever é compromisso". E é compromissado que ele se arvora a um novo tipo de realismo, com a finalidade de mudar o mundo, ou ao menos lançar um olhar crítico para a realidade que se quer transformar. Em suas palavras, "a Arte serve para iluminar caminhos: e se ela modifica o indivíduo, ele é capaz de modificar o mundo. Para isso, portanto, escrevo". À pergunta inicial para que serve a literatura, este escritor mineiro, oriundo de uma classe social silenciada em nossas letras, responderia simplesmente que a literatura serve para conscientizar seus leitores a tal ponto que estes se capacitariam a mudar o mundo. Para finalizar, deixo em suspenso outra pergunta: haveria arma melhor do que a arte e a literatura para tal ambição?

segunda-feira, 8 de abril de 2013

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Palavras Operárias


Conto o conto com palavras operárias
Tralhas exatas para cada momento
Que é todo, que é aura, que é sempre
Biblioteca ou panfleto
Poeira ou vento

Leio o texto tecido tem tempo
Pêndulo em compasso com a tradição
Que é traça, que é gasta, que é menos
Imprensa ou pergaminho
Máquina ou mão

Escrevo e me atrevo com rascunhos garranchos
Hieróglifos conflitos de um instante
Que é curto, que é muito, que é tanto
Limpo ou rasura
Borracha ou estante

In:


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Espiral


Marcar palavras.
Traçar uma linha dentro
de um caderno espiral
e abrir caminho para possibilidades
tantas, inexatas.
Na folha, frente e verso,
Converso imerso com leitores incertos.
A tinta pinta uma cicatriz
no branco raso que a caneta rasga
e deflagra alter-egos adormecidos
pois o fluxo segue com uma direção,
duas, todas, quantas.
Segue sem sentido
perdido, iludido a cada leitura
por olhos míopes, vesgos, olhos.
A prateleira e a poeira
velam por ti
enquanto as traças dão a certeza.

In: