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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

As canções

Viva os seres humanos! Viva as canções! Cada ser humano tem em si uma infinidade de histórias, complexas, simples, ricas, pobres, engraçadas, tristes, mas todas elas possuem uma trilha sonora. Sabendo disso, Eduardo Coutinho, para realizar seu novo documentário, As canções, afixou no Largo da Carioca um cartaz recrutando pessoas para cantarem e contarem as canções que marcaram suas vidas. O resultado é um filme excelente, cujos protagonistas são pessoas simples, anônimas, mas que possuem muito o que dizer e o que cantar.
A cada novo relato dos motivos que fizeram de determinada canção a canção de sua vida, o personagem descortina seus sentimentos e dá a conhecer a singularidade de suas existências. O filme de Coutinho clarifica o poder que a canção tem na vida de cada um de nós, seja em momentos felizes, seja em situações desagradáveis, seja para superar um amor que se foi, seja, enfim, para cristalizar e eternizar um período qualquer. A canção, como arte genuinamente popular, marca o povo e lhe dá força para superar a dor e seguir adiante, cantando.
Mas o que mais me encantou no filme não foi o poder da canção, nem a beleza de muitas das canções cantadas; o que mais me emocionou foram os personagens, populares que esbarram por nós nas ruas e para quem não daríamos nenhum crédito; anônimos, a princípio desinteressantes, mas que guardam histórias magníficas porque genuínas, porque revelam como somos complexos e ao mesmo tempo simples.
Para dar um maior destaque a cada um dos personagens, o diretor optou por uma meia-luz, uma cadeira preta e uma cortina igualmente preta ao fundo, por onde entram os "cantores". Em boa parte das cenas em close, o espectador encontra-se cara a cara com cada um dos protagonistas, o que proporciona uma maior intimidade à cada confidência que enreda a canção. E nada mais do que isso é necessário. O público chora, ri, se espanta e, naturalmente, canta.
Eduardo Coutinho conseguiu, a meu ver, em tempos de reality shows, do interesse crescente da população pela vida dos "famosos", algo muito mais instigante porque natural, verdadeiro. Cada uma das vidas que se expuseram na telona não era nem um pouco teatral, não estava ali almejando se tornar uma celebridade, virar capa de revista ou ingressar no BBB. Os personagens de As canções são pessoas comuns e isso foi respeitado pela direção, que, para mim, foi o grande mérito do filme: mostrar a riqueza que é ser humano, com seus sentimentos e, por que não, com uma trilha sonora.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Gato de Botas

De coadjuvante na série Shrek, o Gato de Botas passa a protagonista da nova animação de Chris Miller. E o espectador pode ficar certo de que foi muito bem feita a transposição do personagem para uma aventura própria, sem que fique a dever nada à série do ogro que conquistou o público infantil e adulto. O público, aliás, dará ótimas gargalhadas com as peripécias do Gato de Botas para roubar os feijões mágicos e assim conseguir os ovos de ouro, numa aventura com muita ação. Esta é, sem dúvida, uma ótima pedida para as férias da criançada.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O futuro do livro: papel ou chip?

Um profícuo debate acerca do futuro do livro se realizou hoje na Academia Brasileira de Letras. Foram convidados Carlos Eduardo Ernanny e Silvio Meira. Este, com uma formação em engenharia eletrônica e atuando como pesquisador em engenharia de software, deu como prognóstico um prazo de quinze anos para que o livro impresso seja definitivamente extinto. Seus argumentos, muito bem embasados, poderiam até me convencer, isso se eu não fosse um leitor apaixonado pelo livro impresso. Silvio Meira, a fim de estabelecer uma correlação, a seu ver óbvia, entre música e literatura, afirmou que, há não muito tempo atrás, se quiséssemos ouvir uma música, deveríamos assistir à execução da mesma ao vivo devido à ausência de meios de gravação e reprodução da mesma. Traçou, a partir dessa constatação, o caminho evolutivo da tecnologia que permite que consigamos armazenar em mp3 centenas de músicas. Para ele, finalmente é a vez do livro, agora, se beneficiar da tecnologia. Deu como exemplo a leitura de um livro digital em pleno engarrafamento de São Paulo e a possibilidade de, usando o mesmo aparelho, sair da leitura e verificar o melhor trajeto a se percorrer de maneira a fugir do engarrafamento para, então, retomar a leitura - uma praticidade que não poderia ser dispensada.
Para permanecer na analogia entre música e literatura proposta por Meira, me ocorreu que a música, diferentemente da literatura, é uma arte muito mais social, por assim dizer. Ouve-se música correndo na orla, fazendo bicicleta na academia, em reunião de amigos em casa, engarrafado no trânsito, etc. O ato de ouvir música não exige do ouvinte uma concentração estrita, sem a qual ele não conseguiria absorver o conteúdo musical. Já com a literatura o mesmo não ocorre. Quem é capaz de ler em conjunto? Ou durante um bate-papo entre amigos? Ou ainda ao volante? A prática da leitura exige do leitor concentração absoluta, sob o risco de não se absorver o texto ou então de fazer uma leitura rasa. Nesse sentido, eu, como leitor, dispenso de bom grado a tal praticidade que a tecnologia e os livros virtuais me ofereceriam.
Meira também fez alusão à interatividade inerente à leitura de livros digitais. Lendo um e-book, posso me deparar com uma cena que remeta a algum evento por mim desconhecido, o que não seria nenhum problema, pois eu poderia interromper a leitura e, no mesmo aparelho conectado à rede, fazer uma pesquisa e me inteirar do assunto. E essa é uma possibilidade ad infinitum, de acordo com ele. A pesquisa poderia me levar para outra referência, que, por sua vez, me levaria para outra, e mais outra, e mais outra... Mas nesse caso eu já estaria longe da leitura do e-book, ou não? As sucessivas referências, se por um lado aumentam meu conhecimento, por outro me distanciam do livro, que ficou "parado" no tal evento desconhecido. Pergunto: estamos a ler um livro ou zapeando como a assistir à televisão com o controle remoto na mão? E onde ficou o texto nisso? "Esquecido" na tal cena?
Já Carlos Eduardo Ernanny, empresário e criador da primeira editora de livros virtuais - a Gato Sabido -, preocupou-se em apontar todas as praticidades que os livros virtuais oferecem. O espaço seria um deles. Uma biblioteca inteira pode ser levada no ipod. Os livros virtuais também não rasgam, molham e nem se deterioram de qualquer forma. A preocupação de Ernanny é adaptar o conteúdo dos livros aos tempos modernos. Ora, a meu ver, o que a literatura tem de fascinante, dentre inúmeras outras coisas, é a capacidade de, através da linguagem, se tornar bastante atual. E para isso não é necessária nenhuma tecnologia, nenhum aparelho, nenhuma máquina. Através de sua matéria-prima - a língua -, a boa literatura se faz presente apontando para o futuro; e isso vai continuar acontecendo independente do meio utilizado, seja o papel ou o chip. Agora, convenhamos, de que vale toda a praticidade tecnológica dos livros digitais se o texto - que é o que importa - não acompanhar essa evolução. Será que teremos textos medíocres publicados em tecnologia de ponta? Eu, de minha parte, alheio às modernidades e simpático aos fetiches, prefiro, ainda, o cheiro do livro.

sábado, 26 de novembro de 2011

domingo, 20 de novembro de 2011

Presente

No dia 9 de novembro postei minha opinião sobre o livro Retrato sem moldura, de Wanderlino Teixeira Leite Netto. Não é que ele leu e gostou do que escrevi! E, de quebra, ainda me presenteou com outros quatro livros seus. Obrigado pelo presente, Wanderlino, assim que eu puder os lerei com prazer e virei aqui dar a minha humilde opinião.

O palhaço

Ser artista é uma profissão? É admissível exigir profissionalismo de um artista? Duas questões, por um lado, difíceis de responder, mas, por outro, mais que simples. É comum o público, diante de uma apresentação de um artista "controverso", "polêmico", cobrar profissionalismo e vaiar a falta do que deveria ser seu profissionalismo. Por exemplo, o papa da nossa bossa-nova, João Gilberto, depois de reclamar e se recusar a tocar por causa de ausência, a seu ver, de condições acústicas para isso, foi cobrado por seu fãs, que se sentiram ultrajados e desrespeitados pelo compositor. "Faltou profissionalismo a ele", disseram muitos na ocasião.
Na minha opinião, por mais que o artista, para desempenhar bem a sua arte, tome aulas de algum instrumento, participe de laboratórios de redação criativa, desenvolva suas máscaras em alguma escola de teatro etc., ele não será um profissional como o é um engenheiro, um médico, um contador, um motorista, um gari, um professor. O artista, antes de tudo, simplesmente é. E continuará sendo mesmo que desempenhe outras funções, mesmo que não viva (financeiramente falando) de sua arte. A arte não é uma profissão, não deve ser cobrada com os mesmos requisitos exigidos de um profissional liberal, por exemplo.
Mas é compreensível, em nosso mundo, a cobrança que João Gilberto sofreu. Em tempos de Indústria Cultural, de massificação do fazer artístico, do amoldamento do que é oferecido ao público, qualquer atitude, da parte do artista, que fuja ao entretenimento não é vista com bons olhos. O público quer se divertir, quer esquecer as agruras de seu dia a dia para retomar seu cotidiano no dia seguinte devidamente descansado e com a sensação de recompensa.
Uma vez, conversando com meu amigo Leonardo Davino, ele sabiamente afirmou que a arte é muito chata, isto é, ela não tem essa função massificadora, não compete a ela desligar o homem de seus problemas e levá-lo para o reino do ócio. Toda a arte que se preze é reflexiva e, por isso, exige do público. Mesmo que com essa exigência ofereça também encantamento, relaxamento, prazer, onirismo. Mas é antes reflexiva; e a reflexão cansa.
Ser artista não é, portanto, uma escolha. O verdadeiro artista não é aquele cidadão que, por amor à arte, resolveu "seguir carreira", fazer dela sua profissão. Não, o artista é. Ele não tem escolha, pode se esforçar para desempenhar outras atividades, pode até estar infeliz com as dificuldades que, muitas vezes, a dureza da vida lhe impõe, mas ele é. "O gato toma leite, o rato come queijo" e o artista faz sua arte. O artista faz o que sabe fazer, independentemente de qualquer coisa.
Com essas reflexões saí do cinema hoje ao assistir O palhaço, de Selton Mello. O filme é muito bonito, além de tecnicamente irretocável. Os atores estão ótimos - e aqui destaco, especialmente, as atuações de Selton e de Paulo José. O universo circense é muito bem trabalhado no filme, mas não se trata de um circo internacional, com recursos, fama, holofotes. O circo Esperança é a reunião de poucos e pobres saltimbancos que seguem fazendo a sua arte porque a sua arte é o que eles sabem fazer. Mesmo sem dinheiro, mesmo sem público, mesmo sem.
E é por causa dessa necessidade que muitos artistas, onde quer que estejam, continuam compondo, atuando, tocando, dançando, escrevendo. O artista faz arte porque precisa fazer; o artista é.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Retrato sem Moldura

Lindo! Simplesmente lindo!! Sem medo de parecer exagerado, diria que Retrato sem moldura, de Wanderlino Teixeira Leite Netto, é um dos livros mais lindos que já li na minha vida. As várias narrativas curtas que compõem o livro não são contos, nem crônicas, são, sem sombra de dúvida, poesia de um lirismo comovente, encantador. Em tempos atuais, parecia-me não haver mais espaço para a poesia que eu encontrei nas páginas de Retrato sem moldura.
Após a leitura, ainda inebriado com o texto de Wanderlino, fiquei a me perguntar porque havia deixado o volume durante tanto tempo na estante, à espera da boa vontade do leitor desatento. Uma resposta que eu me dei, envergonho-me de confessar, foi o fascínio que os livros grossos e pesados me causam, como se a quantidade de páginas fosse indicativo de qualidade. Acho que como tenho dificuldade em alongar-me textualmente, invejo os autores que compõem verdadeiros "tijolões". Dessa maneira, esqueci-me de que os melhores perfumes estão nos menores frascos, naturalmente. A narrativa poética de Wanderlino é prova indelével dessa máxima.
Uma obra-prima da literatura contemporânea, Retrato sem moldura merece figurar entre as grandes obras de nossa literatura, pois seu autor "ainda esculpe palavras, arredonda imagens imperceptíveis, dá polimento em sons que ninguém escuta". Esteticamente, uma obra de arte irretocável.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Catarse

Sempre ouvi muita música. Desde sempre. Quando criança, na minha casa, meus pais estavam sempre ouvindo música, e cresci ao som de Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Noel Rosa, Gonzaguinha, Baden Powell, Ney Matogrosso, Milton Nacimento, Tom, Vinícius etc. etc. etc. E fui ouvindo MPB até mais ou menos meus nove ou dez anos de idade, quando finalmente descobri o Rock Brasil. Aí, de uma hora para outra, meu repertório mudou. Mudou tanto que, aos dez anos de idade, fui ao primeiro Rock in Rio, logo no primeiro dia, assistir a Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Pepeu e Baby, Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Hoje, olhando para trás, se fosse possível eu escolheria outro dia para assistir, mas a semente estava plantada. Passei a ser ouvinte de rock, ou melhor, passei a viver perseguindo o ideal de ser um roqueiro, de viver de música.
Aos doze anos ganhei meu primeiro violão, presente de aniversário. Era um Giannini série estudo. Logo as aulas particulares começaram e segui meu sonho infantil de, um dia, ser músico profissional. Mas o violão, na minha cabeça pré-adolescente desmiolada, me aproximava mais da MPB que meus pais ouviam do que do rock que eu agora ouvia. Mas o violão continuou a me acompanhar até meus quinze anos, quando ganhei minha primeira guitarra, uma golden stratocaster vinho e preta, simplesmente linda! Agora ninguém mais me impediria de ser o maior guitarrista de todos os tempos. Quando fui ao Conservatório de Música para ter aulas de guitarra, o professor me sugeriu, para ser um bom guitarrista, tomar aulas de violão clássico, pois assim desenvolveria uma boa técnica que muito auxiliaria na prática da guitarra. E foi assim que fui apresentado a Tárrega, o primeiro dos mestres clássicos que eu vim a conhecer e a tocar.
Paralelamente às aulas de violão clássico, no colégio, junto com meu amigo Leonardo Mello, formamos nossa primeira bandinha, chamada Lavagem Cerebral. Era uma banda de rock pesado, mais por influência do Léo, que só ouvia heavy e trash metal. Não era muito a minha praia, mas o que eu queria era tocar. Acontece que a Lavagem Cerebral não durou muito tempo e logo, junto com Cacau (teclado), Sérgio (bateria) e Sávio Santoro (baixo elétrico), formamos a Utopia, que tocava um som menos barulhento e que se limitava a tocar músicas das bandas que ouvíamos: Titãs, Legião Urbana, Plebe Rude, Os Paralamas do Sucesso, Ira!, Barão Vermelho, Lobão, Engenheiros do Hawai, etc, etc. O Sávio, aliás, seguiu a tradição familiar e hoje é músico profissional. Ele é filho do maestro Cláudio Santoro e irmão dos gêmeos violoncelistas que formam o Duo Santoro.
Mas aí um fato ocorreu e mudou mais uma vez o curso da história. Como Cazuza cantava, meus heróis tinham morrido de over-dose, e, para ser músico de verdade, veja você, eu achava que também precisaria assumir o modus vivendi de meus ídolos. Adolescência... Então eu ouvia Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Doors, Siouxsie & The Banshees, Echo & The Bunnymen, The Clash, Sex Pistols, The Cult, Velvet Underground, Ten Years After, Joe Cocker, Beatles, Rolling Stones, Pixies, Joy Division, The Animals, Eric Clapton etc. etc. etc. As bandas nacionais agora eram Hojerizah, Picassos Falsos, Violeta de Outono, Uns e Outros, Patife Band, Arrigo Barnabé, De Falla etc. Agora não tocava mais na Utopia. Nem em lugar nenhum. Permanecia com o desejo de ser músico, continuava estudando violão clássico, mas, ao invés de eu mesmo formar uma banda, passei a acompanhar novos amigos, bem mais velhos do que eu, que estavam musicalmente bem mais adiantados, e me contentava em ver o ensaio alheio. Vivia enfiado em estúdios em Copacabana, onde o Último Reduto ensaiava, ou então na casa do Marcos Felipe, grande amigo meu e grande baterista, para aprender com músicos que, a meu ver, já haviam conseguido atingir um patamar mais elevado. Meu primeiro grande erro.
O segundo - e maior de todos - foi, na hora de me inscrever para o vestibular, por medo de encarar uma banca na UNIRIO na hora da prova prática, decidi fazer vestibular para Letras. Assim, eu poderia continuar estudando música, que era o que eu fazia e mais gostava, e ainda estudaria literatura, minha segunda paixão, sem precisar ser avaliado por nenhuma banca. Não houve ninguém que me dissesse, na época, que se eu queria fazer música, que encarasse a banca, e que eu tinha habilidade suficiente para seguir adiante. Resultado: me formei em Letras na UFF. Durante a graduação, junto com Jorge Fernando e Júlio França, formamos O Silêncio de Mônica, um trio que contava com violão, guitarra, teclado, flauta, trompete e alguns instrumentos de percussão. Nos revezávamos nos instrumentos e fazíamos um som bem legal, alternativo. Anos depois, Júlio e Jorge me convidaram para integrar o Silêncio Bó, que seria uma continuidade de O Silêncio de Mônica, mas acrescido de bateria. Durei uns poucos ensaios e saí da banda.
Em 2006 ou 2007, cansado das minhas cabeçadas musicais - e muito mal de grana -, vendi guitarra, violão, pedais e acessórios e pus um ponto final no sonho infantil de viver de música. Até ontem, quando fui assistir a Rock Brasília - era de ouro, documentário de Vladimir Carvalho. O filme é muito bom e reacendeu minha veia musical. O desejo de voltar a tocar violão ressurgiu, agora apenas como entretenimento, lazer, não mais tenho ilusões sobre ser o maior guitarrista do mundo. O filme, restrito às bandas Capital Inicial, Plebe Rude, Legião Urbana e Os Paralamas do Sucesso, todas de Brasília, fornece um histórico muito bom do surgimento dessas bandas e de seu percurso até atingirem, com sucesso, todo o cenário nacional. Depoimentos de familiares dos músicos, além dos dos próprios integrantes das bandas, testemunham as dificuldades vencidas até atingirem o estrelato. Vale muito a pena assistir ao filme, mesmo quem não gosta de rock, pois o filme é um documento muito fiel aos anos de ouro do Rock Brasília, nascendo em um ambiente de ditadura militar e tendo muito o que dizer. O único senão que faço ao documentário é a ausência quase completa de depoimentos de Herbert Viana, Bi Ribeiro e João Barone, integrantes dos Paralamas. Suas únicas participações são com uma entrevista resgatada da época de garotos ainda. Desconheço a razão de sua ausência, mas ela não desmerece o filme, excelente registro da efervescência roqueira no início dos anos 80.

domingo, 30 de outubro de 2011

Um conto chinês

Qual o sentido da vida? Há sentido na vida? Acreditando que não, depois de servir na Guerra das Malvinas, Roberto, personagem de Ricardo Darin, protagonista de Um conto chinês, filme de Sebastián Borensztein, inicia uma coleção de recortes de notícias estranhas de jornal - notícias que comprovariam a falta de sentido da vida. Dentre elas, a mais do que extraordinária notícia de uma vaca que, caindo de um avião, atinge em cheio uma embarcação. E esta notícia, por incrível que pareça, é verídica.
Esta é, aliás, a cena inicial do filme, apenas o primeiro dos absurdos que começarão a interferir na rotina de Roberto, um homem bastante sistemático, neurótico e mal-humorado. Sua rotina, que nunca sofre qualquer tipo de ameaça, sempre a mesma, começa a se modificar quando Jun (Ignacio Huang) - justamente o chinês que viu uma vaca cair sobre si e sua noiva, matando-a - é assaltado na Argentina e o destino o coloca na vida de Roberto.
A convivência forçada de Jun e Roberto, que não conseguem se entender por conta da barreira linguística - Jun não fala uma única palavra de espanhol -, mostra aos espectadores como a rotina monótona de um homem cheio de manias pode ser engraçada. Pois a coprodução argentina e espanhola é uma comédia bastante divertida, capaz de entreter com inteligência o público.
Do mesmo modo que Roberto coleciona notícias absurdas por evidenciarem a falta de sentido da vida, podemos questionar quão sem sentido é sua vida, repetitiva e bastante previsível, incapaz de se abrir para o amor que lhe dedica Mari (Muriel Santa Ana). Apesar de todos os sinais que ela lhe dá, inclusive uma declaração mais do que explícita, Roberto se mostra inflexível, como se não conseguisse se desvencilhar de seus fantasmas e encarar uma possível felicidade numa vida longe de sua rotina.
Roberto precisará vivenciar e superar a barreira linguística entre si e Jun e sua forçada convivência, passando por situações engraçadas porque inusitadas, para se dar conta de que, dentre todas as notícias absurdas colecionadas, a que mais poderia lhe afligir seria a de uma vida feliz jogada fora. Uma vaca nao cai do céu todo dia, um chinês monoglota e perdido não atravessa nosso caminho todo dia, e o amor não bate à porta de Roberto todo dia. Só após perceber isso, ele conseguirá sair de sua "prisão" e se abrir para a possibilidade que Mari lhe oferecia.
Um conto chinês é um bom divertimento para o público, que conseguirá dar boas gargalhadas e sair do cinema com a certeza de que assistiu a um filme que reúne bons atores, boa direção e, sobretudo, uma ótima história.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Novidade

Este blog surgiu com o objetivo de dar continuidade ao Diário de um Eu, que, por sua vez, preocupava-se em registrar a escrita de minha dissertação de mestrado. O diário serviu, portanto, como uma espécie de making of da dissertação, anotando tudo que dizia respeito, direta ou indiretamente, à minha vida acadêmica. Mestrado defendido, nasce o blog para dar continuidade às minhas observações literário-culturais. Aqui, escrevo a respeito de qualquer participação minha em eventos culturais, sejam eles quais forem. Também, como tenho veleidades literárias, vez ou outra sapeco algum texto meu, em prosa ou verso. O diletantismo encontrou no blog um ótimo espaço para se manifestar. Em sua essência, finalmente, este blog limita-se a um eu interessado em arte e cultura.
Mas minha primeira pessoa tem outras inquietações. Meu eu reivindica um espaço outro para gritar, colocar a boca no trombone, reclamar do que julgo merecedor de reclamação. Poderia ser um diário, mas gostei, depois de muito resistir, do espaço virtual. Aqui tenho a possibilidade de construir uma identidade literariamente, de externar o que eu sou e/ou o que eu tenho a dizer. Mesmo que o dito não encontre eco. Percebo, aliás, que essa necessidade não é só minha, mas é uma necessidade comum no mundo de hoje. Quantas primeiras pessoas não saem por aí (ou por aqui) dizendo aos quatro ventos o que desejam? Esse anseio da primeira pessoa merece ser mais bem pesquisado e estudado, mas isso é uma outra história...
Enfim, deixando de enrolação, disse tudo isso para comunicar que agora crio um novo blog com o objetivo de abrir espaço para a minha primeira pessoa se comunicar, colocar para fora suas angústias, seus desejos e suas observações acerca do mundo que nos cerca. Quem tiver interesse em conhecer outro eu, clique aqui.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Parece desenho animado

"Parece desenho animado" foi a percepção certeira da Maria Eugênia quando eu lhe mostrei o vídeo da música Máquina de Escrever, de Leroy Anderson, executada pela Orquestra de Viena. Quem nunca ouviu e se divertiu com as músicas clássicas que serviam de trilha para os desenhos animados? Eu lembro que, quando era solteiro e ainda morava com meus pais e irmão, ao chegar de madrugada de uma noitada, me trancava na sala, ligava a tevê no cartoon network, deitava no sofá à meia luz e tentava relaxar e me acalmar dos excessos cometidos pelo Rio de Janeiro. Coisas da juventude, por assim dizer... Como era tarde demais para ligar o som, esse artifício me ajudava a aquietar meu espírito ainda elétrico, taquicárdico, eufórico. Fechava os olhos e me punha a ouvir a trilha sonora dos desenhos. Essa rememoração veio hoje após ouvir o cd com o qual meu amigo Ivan me presenteou. São vinte e dois temas de "clássicos divertidos", como ele mesmo disse. Dentre as músicas, além da citada Máquina de Escrever, há também Para Elisa, de Beethoven, Sinfonia dos Jogos Infantis, de Mozart, Jogo de Crianças, de Bizet, Marcha Radetzky op. 28, de Strauss, e muito mais. A música erudita não deve ser encarada apenas como privilégio de uns poucos "iniciados", restrita a salas de concerto distantes do grande público, mas, sim, livre de preconceitos e dentro de uma educação musical mais ampla e universal. Para ver o vídeo, clique aqui.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

%&#@!!

Eu, um verdadeiro idiota, excluí, sem querer, meu último post. Não possuo o texto em nenhum outro lugar e agora me sinto um asno de marca maior. E agora, José?

Sessão de leitura

Quando Maria Eugênia nasceu, há sete anos atrás, Lena me disse "Agora é literatura infantil". Ela não estava me alertando para a importância da literatura infantil para as crianças, estava, sim, me sugerindo escrever eu mesmo textos para os pequenos. Hã? Eu? Nunca pensei nisso, jamais me imaginei capaz de algo desse porte. O que escrever? Como? De que maneira? Que temas? Sou um cara demasiado enrolado para conseguir escrever um texto simples, direto, lúdico e que desperte nos pequenos leitores algum tipo de emoção. Meu pensamento é cheio de vírgulas, com um monte de orações intercaladas, nada singelo. Acho que se me metesse a escrever alguma coisa para as minhas filhas, estaria a operar um desserviço literário, pois elas provavelmente nutririam uma experiência assaz desagradável com a literatura.
Essa lembrança da sugestão da Lena veio hoje depois da última sessão de leitura com as crianças. Foram três livros que chegaram pelo correio da Coleção Itaú de livros infantis. O primeiro foi Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque e com ilustrações de Ziraldo; o segundo foi A festa no céu, de Angela Lago; e o terceiro foi Adivinha o quanto eu te amo, de Sam McBratney e ilustrações de Anita Jeram. As duas ouviram atentas os três livrinhos e o que mais me motiva a ler para elas são as reações que elas têm. É muito interessante observar a tão falada pureza infantil nas suas reações mais do que espontâneas - e nada convencionais. Pensando nisso, me ocorre agora que a minha relutância em escrever textos infantis deve-se, essencialmente, ao terror que tenho das críticas agudas, diretas e objetivas das crianças. Sem meias palavras. Como lidar com isso?
Não sei como, mas, convenhamos, que covardia! Toda leitura é, em alguma escala, crítica, sejam os leitores crianças ou não. Você mesmo, aqui no blog, certamente está a formular algum critério a respeito do que está a ler. Enfim, quem tem medo de crítica não publica nada - e eu pretendo continuar publicando algumas coisas por aqui. Disse tudo isso apenas para me convencer de que a ideia de começar a pensar em escrever textos infantis ganha corpo. Pelo menos duas leitoras eu terei, nem que seja à força, se preciso for, em nossas sessões de leitura.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Retomar futuramente

"O veneno da arte consiste em que o artista converte-se num ator que encara a vida inteira como um papel, seu palco como o modelo e o cerne do mundo, e a vida real como a casca, como uma mísera e remendada imitação" (apud Hauser, Arnold. História social da arte e da literatura, p. 678).

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Barulhinho

Já há algum tempo que venho cada vez mais me interessando e me dedicando às atividades infantis. Em parte porque tenho duas princesinhas em casa, e em parte porque tenho me sentido cada vez mais criança, cada vez mais vivendo no mundo da lua, pois tenho alma de artista, sou um gênio sonhador e romântico. Com esse espírito levei minhas filhas, neste dia das crianças, para assistir ao show Barulhinho, das Chicas, no teatro Dulcina. O show foi simplesmente sensacional, com arranjos maravilhosos para canções já conhecidas pelos pequenos e outras nem tão conhecidas assim, mas cuja novidade foi brilhante - pelo menos novidade para mim, pois Maria Eugênia e Maria Antônia, além de me dizerem que as conheciam, as cantaram do início ao fim. Aliás, um show que agrada ao público infantil não precisa mais provar nada para ninguém; não precisa que nenhum crítico procure apontar deslizes porque, se agradou às crianças, está chancelado pelos mais exigentes juízes. E assim foi com Barulhinho. As Chicas, juntamente com Carlos Bernardo e Pedro Rocha, fizeram a maior bagunça no palco, se revezando em vários instrumentos - além dos brinquedos - e empregando um quê cênico bastante lúdico e divertido. As crianças adoraram - e eu também! Um dos pontos altos do show foi a versão bastante rock and roll de A cidade ideal, do musical Os saltimbancos. Só lamento que os moradores e o prefeito e os varredores e os pintores e os vendedores, as senhoras e os senhores e os guardas e os inspetores não sejam somente crianças.
* Foto da revista Programa, do JB.

sábado, 1 de outubro de 2011

Barbie - escola de princesas

- Papai, me dá 60 reais?
- Quê???!!!
- 60 reais.
- Pra quê??
- Livro. Quero comprar três livros.
- Que livros?
- Dois da Barbie e um do Scooby Doo.
- (...)
Este diálogo se deu após minha filha retornar da feira do livro realizada em seu colégio. Para me persuadir, explicou-me a importância que os livros têm na vida de uma pessoa, principalmente de uma criança, e que eu, que tenho um monte de livros na estante, que vivo falando da importância da leitura na nossa vida, não poderia negar os livros que ela tanto queria. Bom, não é que ela tem razão? Mas não conseguiu levar os três livros, precisou contentar-se com um da Barbie. Hoje, depois de muito insistir, me convenceu a deixá-la ler o livro para mim, numa sessão de leitura em que ela seria, pela primeira vez, a ledora, eu apenas ouviria. E ela leu o livro todinho, com as pausas corretamente, sem comer uma sílaba sequer. Achei muito bonitinho a sessão de leitura que ela organizou. Antes, ela e a irmã ficavam espalhadas pelas almofadas e eram apresentadas a Ziraldo, Antoine de Saint-Exupery, Monteiro Lobato, Lygia Bojunga, La Fontaine entre outros; agora, eu era apresentado à Barbie. Fico muito feliz de ter uma filha leitora, frequentadora da biblioteca da escola, colecionadora de gibis - muitas vezes prefere a leitura aos desenhos animados. Quanto ao livro Barbie - escola de princesas, de Fabiane Ariello, não tenho o que comentar, apenas que está a entreter a minha princesinha.

sábado, 24 de setembro de 2011

Amador

Não conheço o fim. Como poderia conhecê-lo? Ainda não cheguei lá, mal comecei. O fim é distante. O problema é que acho que deveria saber qual é o fim, para, só então, chegar nele. Muitos escritores profissionais dizem que só iniciam suas narrativas quando sabem como elas finalizarão. Talvez por isso eu não passe de um amador. Nunca sei para onde o texto me leva. Coloco-me, quando escrevo um texto, na posição de passageiro, conduzido pelo texto-condutor - senhor de si, soberano. Para onde ele me levará, não sei. Sou apenas um amador que rabisca algumas linhas, geralmente tortas. Mas para aliviar meu complexo amadorístico, ouço outros escritores, profissionais, que dizem que seus personagens têm vida própria; que, uma vez criados, fazem o que querem de suas sagas, dando pouca ou nenhuma importância à opinião do autor. Ora, mas se os personagens têm vida própria, como pode saber o fim o autor? Seria ele Deus? Mas, dizem, Deus ofereceu o livre-arbítrio às suas criaturas, nem Ele sabe, portanto, qual seria o fim. E eu continuo desconhecendo o fim, impossibilitando minha narrativa, que vai se construindo assim, a deus dará. De qualquer jeito.
Não que eu seja um grande escritor, que tenha uma produção - para os padrões amadores - bastante profícua. Não, longe disso. Às vezes, quando dá, quando tenho tempo, e inspiração - sobretudo inspiração -, ponho-me a escrever. Qualquer coisa, afinal, nunca sei para onde o texto me leva. Apenas escrevo. Como a obedecer uma necessidade. Então, para minha angústia e meu deleite, aproximo-me e distancio-me dos escritores profissionais. Aproximo-me porque, já ouvi dizer, muitos escritores escrevem porque necessitam escrever. Para eles, esta seria a resposta mais exata para explicar sua atividade literária. Como se ela fosse uma espécie de mediunidade, como se o escritor não tivesse escolha e, ao receber a "inspiração", pusesse-se a escrever. Por outro lado, há escritores também - e dos bons - que dizem não acreditar em inspiração. O texto seria resultado de transpiração, trabalho, labuta, disciplina - e eu aqui me distancio dos escritores. Volto a ser um reles amador. Não tenho tempo para me dedicar com afinco à literatura, não posso praticar horas a fio minha redação leviana. Isso poderia servir de álibi para minha falta de talento, mas, confesso, mesmo que tivesse todo o tempo do mundo, que me pusesse todo santo dia a escrever e escrever e escrever, não chegaria nunca a concluir um romance. Por quê? Sou muito preguiçoso. E desconfio que dê muito trabalho escrever um romance. Por isso tenho apreço pelas crônicas. Com os textos curtos me dou bem - o fim é menos longínquo.
E assim vou indo, para onde nunca sei, mas sempre em frente. Muitas vezes circularmente, é certo. Antes, porém, que isso soe como uma autocrítica, me regozijo com Borges. Sim, muitas vezes circularmente - amadoramente, claro -, mas eu também posso. Pelo menos eu posso me dar o direito de apreciar o (pouco) que escrevo. Não é sempre. Normalmente não gosto do resultado de meus textos - quando finalmente ponho o ponto final. Às vezes o fim encerra uma peregrinação sem sentido; outras vezes o fim me envergonha, engrossando a fileira de arquivos impublicáveis contidos no meu computador. Mas em algumas raras vezes aprecio o fim. Gosto do que leio, e até releio. Como amador que sou, tenho que ser meu leitor, num exercício esquizofrênico. Para agradar o eu autor, o eu leitor se apresenta, deixando na sombra o eu crítico. E assim os eus vão se harmonizando, se sobrepondo.
O horizonte está próximo, antevejo o ponto final. Mas antes que ele, autoritariamente, dê fim a este textículo, relembro a quantidade de rabiscos - em prosa e em verso - que já escrevi sobre a prática literária. Inúmeros textos meus giram em torno de uma metaprodução. Parece ser hora de dar um desfeixo psicanalítico para esse problema. Quem sabe deitando-me - novamente - no divã, eu não supere isso. Afinal, não sou um escritor profissional, não tenho editores, revisores, leitores. Mas Kafka também não, em vida. Amadoristicamente, ponho o ponto final.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Exercício

Como ser pai? Esta era a pergunta que ele sempre se fazia. Suas boas intenções eram inequívocas, mas, como dizem, delas o inferno está cheio. Repetir os erros de seu pai ele não queria, já aprendera na própria pele quão doloridos eles foram. Não, isso não. Tudo menos isso. Mas então? Até onde ir? Até que ponto o zelo se transforma em tirania? O carinho em sufocação? A liberdade em desleixo? O afeto em grude? Ele não sabia. E se martirizava, autoinfligia-se penas horrorosas. Queria ser pai, o melhor, o mais amado. Mas não sabia como. E dia após dia continuava tentando, errando e, às vezes, acertando. Quando errava novos erros, ao invés de se sentir grato por não repetir velhas faltas, culpava-se por estar a ampliar o seu repertório de imperfeições. Mas não desistia, isso nunca. Certo ou errado, o amor que sentia pela prole era enorme. Seu filho seria um homem de bem. Haveria de ser doutor, ou arquiteto, quiçá músico. Mas músico erudito, ou violino ou flauta. Mas, depois de sonhar com o agora jovem solista no Municipal, ele afligia-se com a falta de opção que roubava de seu filho. E parava de sonhar. Seu filho seria o que bem entendesse. Mesmo que a profissão fugisse dos ideais de grandeza desejados para o rebento. Mas como fazer isso? Até onde ir? A partir de que ponto ele estaria abusando da infância do menino?
O menino, alheio às inquietações paternas, continuava crescendo. E perguntando. E pedindo. E se negando. E discordando. E malcriando. O pai desesperava-se. Sabia que precisava cuidar e educar seu filho, mas desconfiava de que precisava afrouxar um pouco a corda, deixá-lo ser criança. Às vezes, comer besteira não é o fim do mundo; às vezes, ver tevê até tarde pode ser saudável; às vezes, fugir da recomendação de impropriedade dos programas da televisão não desvirtua a honra de ninguém para toda a eternidade. Ele sabia de tudo isso. Mas o que ele não sabia era a medida, era o exato momento entre a perda de limite e a rédea muito curta. Até que ponto ele podia dizer "não"; em que momento ele podia dizer "sim".
E foi depois de mais de um dia de angústia que ele se deitou para dormir, extenuado. Pela primeira vez na vida, fitando o escuro do teto, ele chamou Deus. Sem jeito, é verdade, mas lera em algum lugar que não há jeito certo ou errado para se falar com Ele. Então pediu. Queria, mais do que ser um excelente pai, ser amigo do filho, ou melhor, queria que o filho fosse seu amigo. Precisava quebrar a barreira intransponível que havia entre a autoridade e a diversão, entre a seriedade e a leveza. Lembrou-se de seu pai. Homem sempre ocupado, metido em gravatas e em telefonemas. Não tinha lembrança do pai em nenhum evento da escola, em nenhum momento importante da sua infância. Sua expectativa era sempre companheira da frustração. Chorou. Então pediu, copiosamente, que Deus lhe ajudasse, que lhe mostrasse como fazer diferente, que acordasse um novo pai. Não mais amoroso, pois isso era impossível. Nenhum pai do mundo tinha tanto amor para dar quanto ele. Só não sabia como. Adormeceu. Não sonhou com nada. Acordou.
No quarto ao lado, parecia um anjo dormindo, seu filho. À espera dele acordar, pôs-se a refletir no tempo. Como era tudo diferente. O mundo de sua meninice era outro, completamente diverso. Agora, sentia-se anacrônico. O mundo tecnológico no qual se via vivendo era uma incógnita. Tudo muito diferente. A televisão e o rádio agora são aparelhos obsoletos. Ouvia seu filho falar de notebook e de um monte de sigla para a qual ele desconhecia a serventia. Outros tempos, outro mundo. Foi ao espelho. Viu as rugas, testemunhas de sua aflição. Lavou o rosto e, neste momento, parece que Deus, de alguma maneira inexplicável, resolveu conceder-lhe a graça. O mundo já não era mais pesado. A vida agora era bela, vívida. Ele, finalmente, sem saber nem como nem por quê, como num passe de mágica, abandonara toda a rigidez com a qual sempre vivera e com a qual tentava criar seu filho. Ele desceu de seu posto de severidade, de "senhor eu sei o que é melhor pra você", e, simplesmente, igualou-se ao filho. Percebeu que, já que não teve seu pai por perto quando criança, seria criança de novo, mas agora ao lado do filho. Substituiu a diacronia pela sincronia. Viveria feliz.
Toda essa transformação se deu assim, de uma hora pra outra. Não havia nada a temer. Havia tudo a viver. Toda uma infância. Mas o mais legal de tudo isso é que ele não seria um "amiguinho" de seu filho, necessitando de um adulto que supervisionasse tudo, oferecendo a responsabilidade ausente da vida infantil. Não. A responsabilidade havia, estava consigo. Agora, ele continuava a ser responsável, mas não chato. Era como se fosse uma criança mais experiente, que já conhecia as brincadeiras e já aprendera onde havia espinhos, a maneira mais fácil de subir e descer das árvores, por exemplo. E ele, brincando junto, ensinava seu filho, divertindo-se também. Aprendendo também. Se deu conta, depois de muito tempo, que ser adulto é muito chato, que os adultos não entendem nada, não conseguem ver o elefante dentro da jiboia, como desenhou o pequeno príncipe. O grande barato da vida é ser sempre criança, alheio ao mundo insosso e descolorido dos adultos. É dar importância ao que realmente tem importância - e isso os adultos não sabem fazer. Somente as crianças.
E, de mão dada com seu filho, de volta a sua meninice, seguiu sua vida, agora mais divertida, engraçada, fantástica, onírica, real, artística. E foi feliz.

domingo, 18 de setembro de 2011

Cabeça-de-vento

Cabeça-de-vento, para Bia Bedran, é qualquer um capaz "de deixar a marca da arte inventiva impressa na vida das pessoas". Com um espetáculo lindo, em cartaz no Teatro Dulcina, Bia, em conjunto com seu irmão Guilherme Bedran (violino, bandolim e voz), Tadeu Santiago (teclado e acordeão) e Paulão Menezes (percussão), oferece às crianças - e aos adultos também! - um show repleto de suas já clássicas canções e de contação de história. Além da inegável qualidade musical, o grande diferencial de Bia Bedran é justamente apresentar, nesses tempos de cultura de massa, um universo lúdico sem o apelo da Indústria Cultural, da massificação que se busca dar às obras infantis. Não se trata, no trabalho de Bia, de idiotizar a criança, tampouco infantilizar temas impróprios para os pequenos, mas, ao contrário, tratar a criança como criança, respeitando seu tempo e estimulando sua imaginação.
Bia Bedran consegue, há gerações, manter o seu compromisso com a ludicidade, com o folclore e com as raízes populares de maneira singular. Haja vista a quantidade de pais e mães presentes no show que se renderam ao talento da artista e se portaram como verdadeiras crianças - a começar por mim, que certamente estava com o Joãozinho por perto. Maria Eugênia chegou a me perguntar por que eu não parava de chorar... Cantei, dancei, brinquei. Desconfio de que os pais acabaram gostando mais do show do que as crianças, pois trazem consigo uma memória afetiva de sua infância embalada ao som de Bia.
Uma mãe, ao final do show, na sala de autógrafos, disse à Bia que ela havia marcado a sua infância, dando-lhe um beijo e um abraço. Outra, a Roberta, com quem fiz amizade no metrô, de volta para casa, compartilhou comigo, com carinho e saudade, os tempos idos. O show, por pouco mais de uma hora, permitiu que adultos abandonassem a sisudez das máscaras sociais e dessem passagem para a criança que há em cada um de nós.
Bia Bedran consegue, há gerações, o sucesso com seu público, sempre conquistando novos e pequenos admiradores, porque trata a criança como criança, respeitando-a, incentivando-a e estimulando-a. É importante e necessário que os pais desobriguem as crianças a ficar diante da televisão, assistindo a desenhos cada vez mais violentos e a séries enlatadas idiotizantes. A arte voltada ao público infantil é muito rica e séria, afinal, para se alcançar com êxito os pequenos, só sendo mesmo um cabeça-de-vento.

Rio: a arte da animação

Levei minhas princesinhas para assistir à exposição Rio: a arte da animação, no Museu Nacional de Belas Artes. Na verdade, fomos apenas para passar o tempo, pois tínhamos uma hora livre antes do show da Bia Bedran começar. Minhas filhas não se entusiasmaram nem um pouco com os esboços dos desenhos nem com o processo de montagem do filme; estavam interessadas em assistir ao filme, que era reproduzido na televisão. Enquanto elas assistiam ao desenho, lembrei de que, quando eu era criança, eu detestava metadesenhos - aqueles que mesclavam a animação com personagens de carne e osso, ou então aqueles que satirizavam o desenho enquanto desenho. Era como se, nestes casos, o meu universo do faz de conta fosse maculado com a realidade. Não queria que a vida "real" aparecesse no meio do meu desenho animado, do meu mundo de faz de conta, de imaginação, de ficção enfim. É claro que na época eu não tinha esse discernimento, apenas não gostava e pronto. E hoje, na exposição, notei a mesma coisa nas crianças: queremos ver o desenho, não importa qual foi o seu processo de criação; mostre-nos a obra acabada - o onírico -, não o trabalho que ela deu para ser realizada, parecia que era o que elas queriam dizer. Em todo caso, para quem se interessar, a exposição estará no MNBA até o dia 25 de setembro.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Autores e leitores: crítica e redes sociais

Decepcionado. Foi assim que saí da conferência do Miguel Sanches Netto, que encerrou o ciclo. Percebi um quê bastante conservador, diria até reacionário. Explico: a meu ver, os blogs são um espaço, para ficar no lugar comum, bastante democrático. Qualquer pessoa com acesso à internet e minimamente alfabetizada pode criar o seu e postar nele o que bem entender, de pornografia a literatura. Para restringir o alcance ao que me interessa, os blogs que abordam temas literários e culturais são inúmeros. Destes, os que são muito mal escritos e/ou conteudisticamente fracos, arrisco dizer, são maioria - e neste grupo incluo o meu. Por outro lado, há muita coisa postada em blogs que vale a pena ser lida - de crítica a poemas, de artigos a contos, de crônicas a pensamentos. Não acompanho muitos blogs, mas há alguns que eu leio rotineiramente e para os quais eu tiro o chapéu. E é nesse ponto que a fala do Miguel me incomodou. Para ele, me pareceu, a profusão de blogs só apresenta um lado: o negativo. Aquela velha história de que qualquer iletrado pode criar um blog e sair publicando qualquer asneira, maculando a "alta literatura", é demasiadamente conservadora. E mais: imputar aos blogs a responsabilidade pela perda de espaço que a crítica sofre em suplementos literários é anacronismo, na minha opinião - a de um simples amador.
Creio que é perda de tempo buscar compreender o fenômeno dos blogs ancorado em alguma tradição. Talvez seja acertado dizer, como disse Miguel, que o crítico está morto - e aqui ele se referia a nomes como Antonio Candido, Alceu Amoroso Lima, Wilson Martins e outros, mas esse tipo de crítica encontraria leitores no espaço virtual? Para ficar com Candido, quem leria a Formação da literatura brasileira diante de um computador? Mesmo que fosse em um laptop em algum local agradabilíssimo? O crítico, no meu entender, não está morto, ele apenas se adaptou, ou vem se adaptando, ao novo (já nem tão novo assim, convenhamos) meio de publicação.
A respeito da publicação de qualquer mediocridade que o espaço virtual possibilita, Miguel afirmou que a figura do crítico não faz mais sentido. E eu não consegui entender o porquê. Talvez essa seja mais uma razão para o crítico se fazer presente, apontando que direções seguir nessa nova realidade e construindo, junto com seus leitores, uma rede de pensamento reflexivo acerca do que se publica na internet. Seria função do crítico separar o joio do trigo?
Agora uma observação. É certo que qualquer um publica o que lhe convém em blogs - até eu escrevo essas bobagens aqui -, mas a publicação impressa é garantia de qualidade editorial? Todos os títulos lançados por pequenas, médias e grandes editoras são dignos de figurar entre os textos mais imprescindíveis de uma biblioteca? Se pensarmos ainda nas facilidades de edição que se tem hoje em dia, nas tiragens pagas pelo próprio autor, nas antologias custeadas por vários amadores (não uso o termo pejorativamente aqui) que querem ter o prazer de se verem publicados, então a garantia de qualidade é nenhuma. Nesse caso, penso eu, devemos parar de apontar apenas para o "grande mal" que os blogs causam à literatura pelo simples fato de publicar alguma coisa sem qualidade - repito, as editoras sempre fizeram isso. Não é verdade que o blog seja "uma espécie de terreno baldio em que se aceita entulho", Miguel.
Quando a obra de arte passou a ser reproduzida tecnicamente, Walter Benjamin não se ocupou em atacar esse novo tipo de fazer artístico, mas debruçou-se sobre o tema para melhor compreender a arte em sua nova figuração social. Com os blogs penso que devemos fazer a mesma coisa. Mais do que dizer que as grandes obras impressas, sejam de crítica, sejam de ficção, comparativamente aos blogs, são muito melhores, mais bem acabadas esteticamente etc., vale a pena refletir nas características inerentes ao blog e por que ele encontra tanta aceitação na literatura brasileira hoje. Lembremos que não são apenas amadores que mantêm blogs, mas nomes como Ana Paula Maia, Clarah Averbuck, Cecília Giannetti, Ivana Arruda Leite, Marcelino Freire e tantos outros nomes publicados em livro também se fazem presentes no espaço virtual. Por quê? Por que é tão comum, tanto em blogs quanto na prosa de ficção impressa, narradores em primeira pessoa? Teoricamente, como responder ao grande número de "eus" que narram suas vidas na contemporaneidade? Se o narrador não intercambia mais experiências, como pensou W. Benjamin, quais são as experiências narradas aqui, nos blogs, e em autores como Bernardo Carvalho, Silviano Santiago, Marcelo Mirisola, Miltom Hatoum, João Gilberto Noll? São experiências comuns?
Para finalizar, acredito que essa nova prática de labor literário tenha ainda muito que ser estudada e teorizada, não devemos, portanto, perder tempo discutindo que "tem muita porcaria sendo publicada na internet". Há quem goste de ler Paulo Coelho, há quem goste de ler autoajuda, há quem goste de ler Thalita Rebouças (todas obras impressas), do mesmo modo que há quem ouça funk, pagode, axé. O mercado apresenta obras de qualidade e obras de não tanta qualidade, cabe ao leitor, no caso da literatura, optar.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A poesia e a crítica

Se não estou enganado, foi Baumgarten quem disse que gosto não se discute. Se assim é, inútil seriam as discussões sobre a qualidade estética ou não de um poema, por exemplo. Mesmo porque não se pode provar por A + B a beleza de um objeto, seja ele qual for. Aí entra toda a nossa subjetividade, que irá, no meu caso, preferir Bandeira a Drummond. Mas não posso dizer que Bandeira seja melhor sem que, prontamente, vários leitores de Drummond partam em sua defesa. E, empregados todos os argumentos em prol de um e de outro, quem é que vai dizer qual dos dois realmente é o melhor poeta? É possível tal comparação? Antonio Cícero caminhou nessa direção quando disse, em sua conferência A poesia e a crítica, na ABL, que quem ama um poema o ama porque, simplesmente, o poema lhe pertence. O leitor de poesia elege um poeta de sua predileção e pronto - gosto não se discute. Eu, por exemplo, apesar de reconhecer a importância de Mário de Andrade para a literatura brasileira, não consigo gostar de sua poesia. Tenho uma edição de suas poesias completas, mas, por mais que eu me esforce, não sinto nenhum prazer estético lendo o papa do nosso modernismo.
Para Antonio Cícero, a poesia e a crítica são inseparáveis porque, justamente, o leitor de poesia, ao preferir um poeta a outro, está exercendo uma atividade crítica. Pensando bem, a simples leitura de uma poesia já é uma leitura crítica no sentido de que o leitor irá ou não gostar do que leu, isto é, a leitura de poesia é crítica porque ela mexe com nossa subjetividade, com nossa reflexão e com nosso senso estético; ela é crítica porque, ao gostarmos ou não de um poema, estamos, naturalmente, sob influência de nossa avaliação, de nossa análise, de nosso discernimento.
Agora, se cada leitor é responsável por eleger seus poetas preferidos, afinal gosto não se discute, como é formado o cânone? Mário de Andrade faz parte do cânone, porém não me agrada; Lena Jesus Ponte não faz, mas é, a meu ver, uma excelente poeta. Como isso se dá? Quem é responsável por eleger os poetas que comporão o cânone? Para Antonio Cícero, são os próprios poetas que se canonizam devido a sua excelência. Essa resposta, se por um lado é boa, pois o pertencimento ao cânone se daria única e exclusivamente pela qualidade estética da poesia, sem critérios extrínsecos a ela, por outro, no entanto, para mim é insatisfatória, pois exclui a subjetividade desse processo de eleição dos escolhidos.
Falando sobre a atividade crítica inerente à leitura de poesia, Antonio Cícero, diferentemente do que apontou semana passada Jorge Fortuna, ao mencionar os blogs, não os tratou como um desserviço à crítica literária, mas, ao invés disso, chamou de crítico todos aqueles que, de uma forma ou de outra, explicitam suas opiniões sobre poesia, sejam eles amadores ou não, através de qualquer veículo de comunicação.
Para finalizar, um comentário que exalta a poesia: ela não serve para nada. Ora, mas se ela não serve para nada, por que lhe damos então importância? A resposta é simples: por causa de sua singularidade. Singularidade, aliás, que lhe será atribuída pelos leitores-críticos que a tomam como sua, comentou Cícero.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A crítica literária no jornal e no livro

Felipe Fortuna deu prosseguimento ao ciclo de conferências Perspectivas da crítica literária, hoje, na ABL, com a conferência A crítica literária no jornal e no livro. Para fugir da obviedade entre a diferença do tipo de texto que se publica em jornais e do tipo de texto escrito para ser publicado em livro, Felipe lembrou que muitas resenhas publicadas originariamente em suplementos literários de jornais são, posteriormente, reunidas em livro, como é o caso de Mário de Andrade e seu O empalhador de passarinhos, e Luiz Costa Lima e seu Intervenções. Neste, Costa Lima diz que entende a atividade da crítica literária como "uma tarefa não normativa, mas reflexiva, nada apodítica e sim argumentativa". Boa parte dos textos de Intervenções foi publicada inicialmente no Jornal do Brasil e na Folha de São Paulo. Isso nos faz pensar na contramão do que normalmente se afirma a respeito das resenhas publicadas em jornais, que seriam textos pouco ou nada reflexivos, limitando-se a fazer uma sinopse ou a levantar alguma polêmica ou fofoca literária. É possível, pois, que, mesmo no pouco espaço destinado à crítica nos jornais, se consiga construir um texto inteligente e argumentativo, merecedor de futura coletânea em livro.
Houve, no entanto, um descuido na fala de Felipe Fortuna, a meu ver. Segundo ele, a proliferação de blogs que se dedicam à atividade crítica é responsável pelo esvaziamento e pelo desinteresse dos jornais em manter esse tipo de publicação. Mais, os blogueiros não seriam "críticos de verdade", mas qualquer coisa entre pitaqueiros que, por mais que se interessem por literatura, são incapazes de escrever alguma coisa consistente. Tenho a dizer duas coisas a esse respeito. A primeira, que é ótimo que apareçam cada vez mais blogs que lancem luz sobre a crítica, oferecendo novas leituras e perspectivas aos leitores. E, se os blogueiros são realmente amadores, não devem oferecer concorrência aos jornais, não é verdade, Felipe? A segunda, é que não podemos subestimar os leitores dos blogs, que saberão, certamente, reconhecer um blog que não tenha muito a dizer. Acho ótima a efervescência de blogs, sejam de escritores profissionais, sejam de amadores interessados, a menos que, parodiando Sartre, a maioria dos críticos blogueiros seja de gente que teve poucas oportunidades...

No princípio era o verbo

Em 1990, passei o verão em Natal, como sempre fazia. Praia, farra, garotas, curtição. Nada mal. Mas como tudo que é bom dura pouco, retornei ao Rio, lar doce lar. Eis que um belo dia chega em casa uma carta endereçada a mim, mas cujo remetente me era desconhecido. Sem dúvidas, abri o envelope e li a primeira, de muitas futuras, carta de minha mais nova amiga: Janaína. Ela dizia que era amiga da Marcia (acho que era esse seu nome), uma namoradinha de verão da casa vizinha da praia de Búzios, onde estava hospedado. Contava que a Marcia não parava de falar em mim e, curiosa, quis saber quem era o carioca que provocara tanto entusiasmo em sua amiga. Acho que não preciso dizer onde foi parar minha vaidade adolescente. Quer dizer que eu era capaz de causar tamanho entusiasmo numa garota?! E mais: uma outra garota se interessou pelo relato a meu respeito?! Sem pensar duas vezes, respondi a carta e dei início à minha primeira amizade virtual, muito antes da febre internáutica dos chats e das redes sociais.
Janaína e eu nunca nos vimos, mas mantivemos, ininterruptamente, contato estreito de 1990 a 2007, momento em que as cartas se interromperam, sem motivo. Nunca houve nenhum interesse velado por trás das correspondências, apenas o desejo sincero e a preocupação genuína por um amigo. Acho que essa é a minha amizade mais autêntica, menos interesseira.
E aí penso no poder do discurso. A começar pelo discurso da Marcia, que, sabe-se lá o que disse, foi o suficiente para despertar o interesse da Janaína em me conhecer. Depois o da Janaína e finalmente o meu, que se baralharam em dialogismo.
A Janaína foi, durante um tempo, uma das pessoas mais íntimas que eu tinha. A começar porque ela não tinha rosto. Na carta, fazia-me personagem sem máscaras, sem receios, sem pudores. Na carta, fazia-me eu mesmo. Assim, sem intermediações. E sou eu em estado mais bruto, menos lapidado, construído textualmente (?!) O Bruno que a Janaína conhece. O eu.
Nesse tempo epistolar, mudei de endereço e fiquei me perguntando se foi essa a razão de nosso desencontro. Mas no meu antigo apartamento não chegou nada. Eventualmente, quando chega alguma correspondência perdida por lá, os novos moradores me avisam prontamente. E nada da Janaína. São quatro anos sem cartas. São quatro anos sem discurso. São quatro anos sem eu em meu estado mais bruto.
A única tentativa que fizemos de passar das cartas aos e-mails não deu certo. Devo ter anotado o e-mail errado, sempre voltava. Mas eis que, como da primeira vez que chegou uma carta inesperada com um remetente desconhecido, chegou ontem um e-mail de um remetente bastante conhecido. Era ela! Quis saber como eu estava, por onde andei, o que fiz, se ainda estava vivo. Respondi apressadamente, atrasado para um compromisso, para variar. E hoje, finalmente, retomamos o nosso diálogo interrompido. Das cartas aos e-mails. Primeiro fiquei um tanto reticente quanto a esse novo modo de comunicação, mas abri mão da tradição e me rendi às facilidades da tecnologia.
Quatro anos de ausências a serem supridos pelo discurso. Construção de realidades, de significados, de significantes, de identidades. Construção de um eu. Mais eu do que nunca. Ainda temos muito o que conversar, Janaína, mas que bom que nos reencontramos. Sem nunca termos nos encontrado antes. Voltei a Natal outras vezes, outros verões, mas ela não é de lá. Como eu, também estava de férias. Era de outra cidade, outro estado. E tudo começou com o discurso da Marcia. No princípio era o verbo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Perspectivas da crítica literária

"Quem não sabe fazer critica". Esta é, infelizmente, uma afirmativa muito comum, que confere à crítica não uma obra em si mesma, mas tão-semente o fruto da incapacidade artístico-estilística de quem a produziu. Há algumas considerações em torno desse embate entre obra de arte e crítica especializada que merecem ser debatidas. Em primeiro lugar, quando se critica o crítico por apresentar seus pontos de vista sobre determinada obra, parece-me que o que se está querendo dizer é: "a obra está aí, quem você pensa que é para querer falar alguma coisa a respeito? Ao invés de apontar qualidades e defeitos, por que você não faz melhor?" Este pensamento, além de minimalista e reducionista, não compreende o alcance que uma crítica tem, ou pelo menos deveria ter.
Penso que quando alguém se propõe a escrever uma crítica, o que se está em jogo não é simplesmente dizer se a obra é boa ou ruim, tampouco atacar pessoalmente o autor - que, se é meu amigo, será ovacionado. Um exemplo desta prática encontramos em Silvio Romero, que, simplesmente por ter se indisposto pessoalmente com Machado, passou a criticar negativamente sua obra e a enaltecer a de Tobias Barreto, de quem era amigo. Ora, o crítico não deve partir para a análise de uma obra com a intenção prévia de elogiá-la dependendo do seu círculo de amizades sob o risco de uma, nas palavras de T.S. Eliot, superestimação ridícula.
Mais do que dizer se uma obra é boa ou ruim - e, naturalmente, os porquês -, o que a crítica séria deve propor são ideias. O que determinada obra oferece para a construção de significados, para o conhecimento de mundo que se forma a partir dela, para saberes que se solidificam, para rupturas estéticas que a obra sugere, para a formação de um ethos de determinado espaço/tempo são apenas algumas questões que podem estar contempladas em uma crítica séria. E, aí sim, esta não é "apenas" uma crítica, mas uma outra obra, autônoma e plural.
E quais são os espaços para a crítica hoje? Segundo José Luís Jobim, que iniciou o ciclo de conferências Perspectivas da crítica literária, nesta terça-feira última, na ABL, com a conferência Crítica literária: questões e perspectivas, a mídia impressa, a universidade e a internet são espaços que ainda abrigam a prática da crítica especializada. Mas o tipo de texto que se veicula nesses espaços difere bastante.
Nos jornais e revistas especializadas, como também nos blogs, de um modo geral, o tipo de texto é mais sintético, menos analítico, simplesmente por estarem num formato que não comporta extensos estudos sobre os horizontes que podem se abrir a partir de determinada obra. Normalmente, a crítica restringe-se a resenhas e a apresentações, sem maiores aprofundamentos. Por outro lado, os textos escritos por e para universidades têm a capacidade de esmiuçar a obra, apontando caminhos a serem seguidos. Não se trata de dizer que estes últimos são melhores porque mais analíticos, mas simplesmente evidenciar que há leitores com interesses diversos e que encontram formatos textuais que se coadunam aos seus interesses. Outra importância da universidade, de acordo com Jobim, é a formação de um cânone, que será perpetuado pelos professores que saem dos cursos de Letras e que, agora docentes dos ensinos fundamental e médio, irão multiplicar o número de leitores deste cânone formado.
Durante a fala de Jobim, naturalmente, muitas outras considerações acerca da crítica literária foram abordadas, desde a problematização da construção do cânone, que obedece a critérios como número de horas/aula, até o "poder" que um crítico tem de vetar ou de referendar determinado autor e determinada obra, sem que esqueçamos que o crítico também pode se equivocar sobre o seu veredito. Mas, para mim, este ciclo de conferências sobre a crítica literária oferece grande oportunidade para que se entenda, definitivamente, a crítica como um tipo de texto capaz de descortinar novas possibilidades de leituras, capaz de mostrar novos caminhos a seguir - muitos deles, inclusive, impensados antes da própria crítica - e, finalmente, a crítica como um texto outro, livre, autônomo, irrestrito, transcendente.

sábado, 20 de agosto de 2011

Moral da história

Finda a seção conjunta:
- Gostou, Maria Eugênia?
- Não.
- Por quê?
- Porque não entendi nada. Eu já vi essa aqui no dvd, mas aqui tá diferente, tem um monte de palavra difícil.
- Vamos ler de novo? Papai explica o que você não entender.
- Tá.
As explicações formaram um outro texto, um paratexto, sem fluidez.
- E agora, o que que você achou?
- Vamos ler depois, agora quero brincar.

Moral da história 1: tudo tem a sua hora, não se coloca a carroça na frente dos bois.
Moral da história 2: com perseverança tudo se alcança.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Retorno a La Fontaine

Toda criança, direta ou indiretamente, já teve contato com as fábulas de Jean de La Fontaine, seja através de adaptações para desenhos animados, gibis, peças, etc. Mesmo sem acesso direto ao texto literário, quem nunca ouviu falar da história da lebre e da tartaruga, da cigarra e da formiga, do leão e do rato? Estas histórias já fazem parte do inconsciente coletivo infantil - e adulto também, por que não?
Como com qualquer criança, o meu contato inicial com as fábulas de La Fontaine também se deu via desenhos animados, ainda longe de saber que aquelas histórias haviam sido escritas séculos atrás em forma de fábulas. Assistia aos desenhos e me encantava com o universo lúdico de minha infância. Anos mais tarde, já na graduação em Letras, acho que foi em 1998, o meu contato com La Fontaine se estreitou porque trabalhei como assistente de pesquisa para a tese de doutoramento em História de meu amigo Mário Galvão, A Corte do Leão: um manual do cortesão nas fábulas de La Fontaine - França 1668-1695. Na ocasião, tive acesso aos textos em francês e pude ler as fábulas com um pouco menos de ingenuidade, interessado em alguma coisa para além da ludicidade dos desenhos animados. Lembro que fiquei entusiasmado com o trabalho do Mário, dentre outras coisas, porque percebi que muita coisa podia ser extraída de uma "simples" fábula. Paulatinamente desenhava-se em mim o desejo de perseguir uma vida acadêmica, de utilizar a literatura como meio de vida, não apenas como lazer ou entretenimento.
Mas foi pensando também em entretenimento que sugeri a minha sogra que desse de presente de aniversário de sete anos para a Maria Eugênia um livro de La Fontaine. E, entre bonecas, jogos, roupinhas, ela ganhou também o livro. Com tradução de Ferreira Gullar, apresentação de Ivan Junqueira e ilustrações de Gustave Doré, Maria Eugênia pode, muito mais cedo do que eu, perceber que as historinhas que ela já conhece têm também um outro formato. Lendo o livro, me perguntei se ela conseguirá entender e aproveitar suficientemente bem o texto, mas, deixando de lado minha tentativa de controle, o que importa é que mais uma semente foi plantada. Quanto aos frutos, é só esperar... Mais tarde proporei uma seção de leitura conjunta, mesmo porque a edição é linda e as ilustrações de Doré dão um diferencial.

domingo, 7 de agosto de 2011

Ilusões óticas

Um homem cego volta a enxergar e não consegue se habituar com o que passa a ver; um segurança de shopping center se envolve com uma mulher que havia sido flagrada roubando uma loja; um funcionário exemplar é demitido da empresa onde trabalhava há anos; e uma mulher feia e insatisfeita com seus seios pequenos quer fazer um implante para se tornar mais atraente para os homens - as histórias desses quatro personagens, que não compreendem suas realidades e que se entrelaçam de alguma forma, estão em Ilusões Óticas, de Cristián Jiménez, em cartaz. Este é um excelente filme em potencial, mas o expectador pode sair do cinema com a impressão de que acabou de assistir a um filme demasiadamente monótono. As quatro histórias dos personagens poderiam ser muito mais bem exploradas e aprofundadas, principalmente a de Juan, que ficou cego aos três anos de idade e, após uma cirurgia de córnea, volta a (pouco) enxergar. Juan não é mais pertencente ao universo dos cegos - a cena em que ele é retirado de uma excursão patrocinada com dinheiro público para os deficientes visuais é exemplar -, tampouco se sente inserido no mundo das imagens, afinal, como diz, é fácil ser cego e o mundo é feio. Não se trata de uma cegueira branca, como a de Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, mas, como bem lembrou Elisa, o mito da caverna, de Platão, poderia ser evocado. O drama de Juan, no filme, todavia, cede espaço para que o expectador entre em contato com as demais histórias, mas nenhuma delas com aprofundamento. Talvez daí o título do filme, uma vez que o expectador não tem clareza sobre os infortúnios de nenhum dos personagens. É como se uma película dificultasse uma visão nítida sobre cada um dos enredos que se cruzam, aproximando o expectador da angústia de Juan, nem mais cego, muito menos apto a enxergar. Nesse sentido, a monotonia angustiante do filme teria sua função e daria a Ilusões Óticas um novo olhar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Auto(cine)ficção

Uma vez, na UERJ, Luiz Costa Lima disse que, quando criança, seu filho lhe perguntou o que era ficção. A partir dessa inusitada pergunta, Costa Lima buscou compreender melhor o tema e partiu para suas pesquisas. Atualmente, na literatura, a autoficção é uma modalidade textual bastante em voga. Autores como Bernardo Carvalho, Silviano Santiago, Marcelo Mirisola, Clarah Averbuck e outros escrevem ou já escreveram textos que mesclam referências autobiográficas e narradores ficcionais. Se procurarmos situar a literatura contemporânea em um contexto sociológico/ antropológico, perceberemos que é natural a indecidibilidade entre o que é real e o que é ficção. Na nossa sociedade imagética e midiática, é cada vez mais fácil a apreensão do real. Desse modo, penso eu, diante da facilidade com que o real pode ser apreendido - pelo menos ilusoriamente -, o homem do século XXI sentiria vilipêndio pela ficção, pelo faz de conta, interessado que está pelo real. Não à toa realitys shows e talk shows atingem elevados índices de audiência na mídia televisiva; e autobiografias, memórias, correspondências, entrevistas, autoficções são um nicho editorial seguro; sem falar, claro, dos blogs.
Nessa direção, A falta que nos move, longa baseado em uma peça homônima, de Christiane Jatahy, encontra eco. Os atores, que também são os roteiristas do filme, atuam com seus nomes próprios, isto é, no filme, eles estariam representando a si mesmos, à espera de alguém que viria para o jantar, para só então conversar sobre um filme no qual eles trabalhariam. O filme de Jatahy seria antes uma espécie de making of de um filme que ainda estaria para ser rodado, com os atores despreocupados com um roteiro ficcional e sim vivendo suas próprias identidades. Mas mesmo que o espectador aceite as vivências dos atores como legítimas, empíricas, "reais", daria para acreditar que as filmagens não foram previamente roteirizadas e que as experiências vividas não seriam ficcionais?
Com um quê teatral bastante acentuado - talvez por ser uma filmagem inspirada numa peça de teatro -, a presença da diretora é explicitada através de recados que ela dá aos atores via celular. O roteiro também é colocado em primeiro plano no momento que ele é consultado, no decorrer do filme, já que está afixado em uma parede. Começa-se, então, mais incisivamente, a se confundirem realidade e ficção. Do mesmo modo que em Nove noites, de Bernardo Carvalho, as cartas de Manoel Perna insistem que o leitor vai entrar em um território onde "a verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates" e que "a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui", em A falta que nos move os atores desempenham esssa função, com falas que questionam a autenticidade de suas ações, lembrando que "a realidade está lá fora". Frases como esta, no filme, ajudam a baralhar realidade e ficção, que confundem-se a tal ponto que o espectador sai do cinema se perguntando até onde vão uma e outra.
Depois de escrever uma dissertação de mestrado sobre Nove noites, hoje me pergunto se não seria ingenuidade demais acreditar que pelo menos uma linha do romance tivesse a pretensão de "escrever a realidade", mesmo que referências autobiográficas indubitáveis estivessem ali contidas. No terreno da ficção, a realidade passa a ser ficcional, por mais documental que ela possa ser. Nesse sentido, A falta que nos move é um excelente exemplo de uma estética que não se contenta tão somente com a ficção, mas procura ultrapassá-la, transcendê-la, mesclar-se, (con)fundir-se para, então, afirmar-se novamente como ficção.
Gravado num único dia, durante 13 horas consecutivas, temos na tela as relações entre os atores Pedro Brício, Mariana Vianna, Cristina Amadeo, Daniela Fortes e Kiko Mascarenhas. As tensões vividas pelos atores-roteiristas indiciam uma preocupação do homem desde sempre, e revelada na pergunta infantil do filho de Costa Lima: o que é ficção?

Meu dedão grita por espaço!

Ok, posso concordar que a estética punk é pobre. Os penteados, as vestimentas, a maquiagem, os três acordes e a arte de um modo geral, esteticamente, deixam muito a desejar. "Faça você mesmo" é um lema que, se por um lado é transgressor, por outro, é bastante limitado e limitante. Mas, por mais que eu possa concordar com e assinar embaixo do que venho dizendo, não posso fugir da evidência, pelo menos para mim, de que a música punk é boa pra caralho! Como não aumentar o volume ao som de Sex Pistols, Velvet Undreground, Ramones e, principalmente, The Clash. É claro que tem muito de remanescência adolescente nessa minha veia punk, uma adolescência que queria ser rebelde, mesmo que motivos não houvesse para isso. Mas o fato é que a música punk toca alto aqui em casa. Já não uso mais brincos, cabelos compridos e jeans rasgados, hoje sou, pelo menos aparentemente, um comportado e careta chefe de família. E foi assim que Elisa e eu fomos ao CCBB assistir à exposição I am a cliché: ecos da estética punk. Fotografias, capas de vinis, vídeos e, naturalmente, música nos entretiveram na exposição. Não vimos, porém, nenhum adolescente com cabelo moicano, como aqueles que encontramos na Quinta da Boa Vista. Devo estar ficando (muito) velho, mas acredito que não há mais espaço para esse tipo de penteado nos dias de hoje. Antes que me acusem de reaça, explico: nos anos 70, havia um contexto sociopolítico que justificava a iniciativa para a transgressão, mas hoje? Anacronismo puro e simples, ou então uma ode aos jogadores de futebol, convenhamos, nada a ver. Lembrando Flávio Carneiro, falando da literatura brasileira contemporânea, hoje não temos mais um inimigo comum contra quem escrever, do mesmo modo, penso eu, que não temos mais um ambiente que favoreça um modus vivendi punk. Mesmo que a música punk ainda toque alto na minha sala...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Férias escolares

* O grito, de Edvard Munch
Já são quase 30 dias de férias das crianças. São duas crianças lindas, adoráveis, inteligentes, espertas, brincalhonas e desobedientes. Duas pestes. Nos divertimos muito durante o recesso escolar, pintamos e bordamos, mas, o que elas não sabem, e parecem nem desconfiar, apesar de todas as minhas explicações, é que eu não estou de férias (!) Da última vez que a editora me telefonou, perguntando a minha disponibilidade para mais um trabalho, respirei fundo, me sentei, fechei os olhos, pensei nos meus orixás e acabei dizendo, trêmulo, com uma gota de suor escorrendo pelas minhas têmporas, que estava disponível sim. Restava agora pedir permissão para as crianças, que, naturalmente, não a deram. Uma das desvantagens de trabalhar em casa. Amanhã começará o último fim de semana das férias escolares. Estou exausto! Um amigo meu me disse que eu estava exagerando, que criança cansa sim, mas que não é para tanto... Talvez... Mas, aqui em casa, há tempos atrás, uma fralda de cocô foi parar no teto. Sorte que o ventilador estava desligado. Acho que, depois desse exemplo, não tenho mais que explicar que em casa eu não tenho duas crianças, tenho duas (...), mas que são tudo de bom.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A revolta das vogais

O segundo livro de Solano Guedes ratifica seu talento. Sua imaginação encontra, na reforma ortográfica da língua portuguesa, terreno fértil para a revolta das vogais. Oprimidas pela maioria absoluta de consoantes, elas se rebelam, se organizam, e fundam o movimento separatista AUÊ. Recebem também apoio dos acentos agudos e circunflexos, que, sem as vogais, perdem muito de sua função. Quem também colabora com as vogais é a letra H, "uma consoante rebelde muito silenciosa que se infiltrava com facilidade entre todas as letras". Com o H, foi desenvolvida a Bomba Hiatômica - "uma bomba ortográfica de efeitos jamais vistos". As vogais, finalmente, atingiram sua intenção e o alfabeto tornou-se caótico, sem que palavra alguma pudesse ser formada. É nesse cenário que o Y, sempre envolvido em movimentos pacifistas, resolve agir. Com o auxílio do W, que trabalhava com internet, e do K, que se tornara rei, a paz entre as vogais e as consoantes é restabelecida.
A revolta das vogais, além de ser uma leitura deliciosa, apresenta ilustrações também de Solano e de Flávia Garcia de Carvalho. Com bastante criatividade, o autor conseguiu converter a reforma ortográfica em um mote para mais uma ótima história. Vale a pena conferir, também, A história dos três pontinhos, publicada pela mesma editora, a Vieira & Lent Casa Editorial.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Poesia marginal

Centro da cidade. Tarde de julho. O que eu fora fazer já estava resolvido e agora estava em pé, sem destino certo, pensando em que direção tomar. O que fazer. Eu era um ponto fixo, imóvel, indeciso, no meio da correria das pessoas agitadas e preocupadas do centro. Ternos, gravatas, saltos altos. E eu. Estranho. Nesse momento, não sei de onde, surgiu um homem simpático, comunicativo e direto que veio a mim. Oferecia sua poesia numa folha xerocada. De um lado, poemas; de outro, um desenho seu. Normalmente, reajo mal a esse tipo de abordagem. Sou severo, crítico, implacável. Também preconceituoso, confesso. Mas hoje não. Respondi com simpatia ao poeta. Seu rosto me era familiar, mas, na hora, não sabia de onde o conhecia. Agora me lembro. Mundo pequeno. Centro da cidade. Brinquei que ele revivia a geração mimeógrafo. Ele apontou divergências. De bom humor, comprei sua xerox, suas poesias, seu desenho - um real. Me distanciei pensando em sua coragem. Ou maluquice. No bom sentido, claro. Eu, por exemplo, morro de pudores a mostrar algum poema meu para alguém. Chamar de poesia seria petulância. Poesia ou poema, não ganham as ruas. Vão se acumulando em uma pasta no computador. Sem leitores. Sem coragem. Sem. À espera de que Alguém resolva publicá-los. Oferendá-los ao mercado editorial. Atingir a crítica especializada. Delírio. Quanto ao poeta do centro da cidade, não cabe a mim tecer comentário acerca de seu trabalho. Ele também tem um blog. Visitei-o. Mas, em seu blog, apenas seu trabalho como artista plástico, nada de poemas. Quem se interessar, basta clicar aqui. Seu nome, Alexandre Tinoco.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Perdi um poema

Perdi um poema A ideia veio certinha verso a verso Então eu caminhava pelo aterro Manhã de sol de inverno - agradável Pensei comigo que bastava repeti-los repeti-los repeti-los repeti-los e em casa com tempo paciência e sossego eu trabalharia e daria forma e acabamento Teria um poema Mas muito trabalho sobre a mesa - é preciso ganhar dinheiro que importância teriam alguns versos? Os dias passaram A ideia foi desbotando se perdendo sumiu. Hoje tentei salvar a ideia pelo Não deu Perdi um poema