Pesquisar neste blog

domingo, 22 de abril de 2012

O Espaço Biográfico

O espaço biográfico - dilemas da subjetividade contemporânea, da escritora argentina Leonor Arfuch, é um livro essencial para quem quer se aprofundar e compreender melhor como se dá a criação identitária neste século. Arfuch discute, com muita propriedade, como o sujeito contemporâneo se autorreferencia em discursos (auto)biográficos. Em nosso tempo midiático, a primeira pessoa que se apresenta textualmente é o resultado de um espaço biográfico, ou seja, a confluência de todos os espaços - públicos e privados - que contribuem para a formação de uma identidade autoral. (Vale lembrar que os espaços público e privado são cada vez mais híbridos). As novas escritas de si da atualidade (blogs, microblogs, redes sociais, entrevistas, além, é claro, de talk shows, reality shows e outros) não mais chancelam a "verdade" da narrativa. Para Arfuch, não se trata mais de afirmar se um relato autobiográfico é ou não "verdadeiro", "real", mas, ao contrário, seu teor ficcional será ou não revelado de acordo com os horizontes de expectativas que ele causar. Neste sentido, ela se aproxima de Philippe Lejeune, pois a refencialidade será tomada como "verdade" pelo leitor de acordo com a sua própria leitura - um texto autobiográfico não tem mais a prerrogativa de ser considerado, avant la lettre, "verdadeiro". Mesmo porque - e aí Arfuch se distancia de Lejeune e se aproxima de Bakhtin - é impossível que vida e narrativa coincidam. Uma vez que um fato se textualiza, ele já é, em última instância, ficção. Como diria Gustavo Bernardo, tudo é ficção. E é na ficção que as maiores verdades são ditas e cristalizadas, porque o são ética e esteticamente.
Lançado em 2002, este livro de Leonor Arfuch esperou longos oito anos até receber uma tradução à altura, feita pela Paloma Vidal para a EdUERJ. Os leitores interessados na reflexão deste tema bastante atual já contam com uma ótima tradução para suas pesquisas. O único senão que aponto é o excesso de notas de rodapé ao longo de todo o livro, que acabam por tornar a leitura menos fluida. Mas é este um preço muito pequeno a pagar diante da magnitude, da abrangência e da importância do estudo de Arfuch.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Crônica de um Pai de Terceira Viagem

Todos sabem que eu sou pai de duas princesinhas lindas, maravilhosas e demasiadamente arteiras - quem não se lembra do episódio da fralda de cocô no teto da minha sala? Mas o que nem todos sabem é que uma terceira princesinha em breve se juntará à gangue. A quadrilha agora está formada e é perigosa. Mas esta crônica não vai se concentrar nas proezas infantis de minhas filhas; ela nasceu da recomendação de meu psiquiatra, Dr. Isaac Nepomuceno Insanus, que, mediante minhas angustiosas narrativas a respeito da mãe das crianças - a cabeça da gangue -, achou que seria terapêutico transformar minhas inquietações matrimoniais em textos, uma forma, segundo o Dr. Insanus, de exorcizar meus demônios conjugais.
Pois bem, queridos leitores, venho por meio desta testemunhar que há um outro lado pouco conhecido numa gestação. E nem um pouco bonito. Ao vermos uma grávida caminhando nas ruas, pensamos na dádiva concedida à mulher de dar à luz uma nova vida. Normalmente a mãe é cercada de cuidados, de mimos, de paparicos, de felicitações, de presentes. E a ela são associadas somente coisas boas - o que de ruim poderia vir junto de um ser tão divinal?
Mas o que poucas pessoas sabem é que, em casa, longe dos olhares cândidos, complacentes e admiradores, elas se transformam. Permitem, no recato domiciliar, que a ebulição de seus hormônios enlouqueçam os pobres maridos, o lado mais fraco da balança. O Dr. Insanus me preveniu que este tratamento o qual me dispus seguir pode me trazer consequências sérias, com possíveis danos físicos, mas ele me garantiu que eu deveria ser o porta-voz dos pais, pois alguém deveria levantar a bandeira a favor dos oprimidos e angustiados progenitores. E ninguém melhor do que eu, que já sou pai de terceira viagem, portanto um tanto quanto calejado - e sofrido.
Dr. Isaac Nepomuceno Insanus, meu guru, garantiu-me, se necessário, aumentar a dosagem de meus medicamentos nesta nova jornada, mas a sua previsão é a de que as crônicas me libertarão. Seu formato será simples, provavelmente com diálogos fidedignos aos vivenciados entre mim e a cabeça da gangue, de maneira a evidenciar o outro lado de uma gestação. A propósito, já é hora de alguém levar adiante a ideia de uma lei similar à Maria da Penha - algo como Lei João Apanha, sei lá -, mas em favor dos maridos indefesos. Alguém precisa detê-las. A verdade não pode ficar obscura por detrás da beleza de uma barriga crescendo.
Para iniciar a série, portanto, segue o que se sucedeu hoje à tarde aqui em casa (acreditem, de todos os episódios já sofridos por mim, este, por ser o primeiro, é o menos escandaloso, o mais "light").
- Meu amor, o que aconteceu, por que você está chorando deste jeito?
- Sai daqui, não quero que você me veja deste jeito!!
- Calma, estou aqui do teu lado, pode confiar em mim...
- Você vai rir?
- Claro que não.
- É que estou com frio.
- (...) [Com cara de estupefação]
- Nós grávidas somos assim mesmo. Umas mais malucas do que outras. [E segue uma alternância de gargalhadas convulsivas e choro descontrolado].

domingo, 8 de abril de 2012

O que realmente importa

Enfim silêncio. A casa arrumada, nada fora do lugar. O som toca uma música calma, em volume baixo. Meia luz. Pode-se finalmente descansar. Mas de que adianta tudo isso se elas não estão em casa?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Aprofundar posteriormente

"Apenas há rumor, que desvencilha e marca o lugar da escritura como um esmaecimento do sentido, uma destituitção da fala, da verdade. O sentido em estado de vigília, ausente do sono, propicia, por isso, a ausência de si, na interpretação impossível de si. O que também quer dizer, desviando-se, que o sentido, fora da intepretação, é um falar de si que se diz para fora de si, frente ao outro que agencia um estado de escritura. Velar um corpo, velar à noite. O ensaio é, nesse sentido, o limite mais atual da experiência, que apaga, que desvela o sono. Portanto, sendo uma pintura de si, é antes um mascaramento em perjúrio sobre a norma - antidogma - do discurso científico, do saber constituído a partir de todo um fora. (...) Ora, o ensaio é um lugar dessa justiça que sempre se pede perdão, por se estar velando, mascaradamente, o outro a partir de si mesmo.(EYBEN, Piero. Anarquia do ensaio (entre experiência e desastre) p. 97-8; 100. In: Estudos neolatinos. Vol. 13. No prelo.)