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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A praça*

Todo menino da praça quinze voam ligeiro contra o sol que trafega no asfalto da transversal que corre até a praça quinze meninos voam na baía menina de saia curta olha perdida a rua sem fim da praça quinze ratos fogem para quinze buracos cavados no asfalto cinza do rato visto do alto pelos quinze meninos que sonham com uma única saia curta da menina de olhar perdido no céu da praça quinze voam para os buracos dos ratos perdidos na baía latrina da prata praga praça quinze meninos são quinze ratos cavando quinze buracos na única saia curta das quinze meninas perdidas na praça. ____________ * Escrito em 1995 e publicado em 2002.

domingo, 17 de outubro de 2010

O menino*

O menino tem de perto sua vida seguindo-o paralelamente, qual sombra vivendo à luz do sol. Levado pelo cansaço, vencido pelo entusiasmo. Seu corpo vermelho destaca-se na cor cinzenta do mundo que salpica brandas gotas d'água. O passo adiante entre a vida e o menino, intervalo de tempo, intertexto de espaço. O menino esbarra em sua vida no meio do caleidoscópio.
O sonho do menino - desafasagem espaço-temporal - é sempre aliada às mais velhas tradições, todas elas, juntas, numa crise epilética. O desespero surdo não percebe seus próprios gemidos. A vida permance espreitando o menino.
O menino acordou. Traz em si sangue quente, adrenalina e fadiga dando suporte ao caos. Caos de todos os dias, todos os momentos, diversas variações. E a vida do menino? Permanece desconectada da realidade, atira inconsciente em realidades... Qual seguir? Qual dançar?
Traveste-se a cada esquina encontrada na grande avenida, o menino. Seu rosto, ao mesmo tempo, sorri da janela do ônibus, de cima dos viadutos, de dentro das casas, em todos os espelhos para todas as direções. Cruzam-se corpo e mente, vermelho e cinza, o rapaz. Chega a bifurcação. Menino e vida. Rapaz e retorno. A avenida.
Segue no espaço, dança no tempo, o fim da linha. Anoitece. A vida desaparece, esquece do menino, dá lugar ao homem. Sem seu espião o menino brinca. Agora é ele que segue a vida. A avenida. A toda esquina uma face, um sorriso, sorrindo para a vida alheia do menino, que brinca despreocupado na longa avenida. Sua vida? Foi despistada na septuagésima-segunda esquina. Segue perdida, a vida.
O menino, agora, dá corpo à sua trajetória vermelha. Todo o espaço percorrido, do sempre para adiante, transforma-se num rito psicodélico. É vermelha a aveniida que distende seu comprimento, converge sua largura e recebe uma altura inconstante. Tórridas gotas d'água agridem o menino. O tempo é um ponto fixo. O espaço é uma frase sem sentido. Com uma das mãos ele pega o relógio. Com uma careta ele devolve-o ao tempo. Estático.
Despe-se a cada esquina encontrada na alucinógena avenida, o menino. Seu corpo é um só bloco compacto, material de pura racionalidade. E sua vida, ainda perdida? O rubro de sua matéria torna-o demoníaco, deformado. Percebe então o mundo de ponta-cabeça, a face avessa às mais velhas tradições.
Escorre por entre seus dedos toda a sua irracionalidade; a lógica de sua razão leva-te à mais tórrida obsessão. Efemeridade. Faculdade ineficaz da memória. O menino vive anacronicamente no mesmo espaço abstrato: a avenida, suas esquinas, seus desvios, sua morfina.
A charada da bifurcação: o momento da divisão/criação da possibilidade de germinação, o paradoxo, enfim, desvendado. Contato com feiticeiros, herdeiros de conservadoras diferenciações. As esquinas sucedem. O tempo multiplica-se num espaço imutável. O caminho vai ao encontro da verdade oracular. Fim.
E por entre sombras e desvios, atalhos e ataques, tempos e espaço, razão ou não, tradição e variação, a vida do menino observa-o com um sorriso sarcástico de quem ainda tem o que dizer (mal-dizer).
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* Escrito em 1995 e publicado em 2004.

domingo, 10 de outubro de 2010

Metablog

Quando criei este blog, a ideia era a de dar continuidade ao Diário de um eu, onde eu registrava o making-off da minha dissertação de mestrado, anotando minhas leituras, tecendo comentários diversos sobre os textos lidos e a minha participação acadêmica, enfim, eternizando, de alguma maneira, aquele momento, por vezes preocupado em ser fiel aos fatos vividos, por vezes me distanciando deliberadamente deles, exercitando minha imaginação. Essencialmente seria isso o que eu faria aqui também. Mas aí aparece um probleminha. Meu blog, ao contrário do diário, tem leitores, mesmo que poucos, e isso faz uma enorme diferença. A consciência de que serei lido serve como um baita censor para mim. Aqui tenho pudores que não existiam lá. É curiosa essa pudicícia uma vez que a ideia inicial do diário era a de publicá-lo quando da defesa da dissertação - o que ainda não foi feito, diga-se de passagem. Mas mesmo não sendo um diário clássico, secreto, sua publicação se daria após ele concluído, o que não acontece aqui, nessa escrita seriada que conta com possíveis intervenções de leitores. A resposta imediata e plural que o blog oferece é por um lado estimulante, pois dialógica, mas, por outro, é cerceadora, pois me aponta as críticas ainda por virem e evidencia minha insegurança. Se o diário for publicado, e lido, eu não terei nenhuma resposta dos leitores - salvo alguma possível resenha que alguém resolva escrever sobre ele. Mas o blog é como ter incontáveis olhos me espionando - e me julgando -, o que me faz parecer um prisioneiro do panótico.
Pensei nessas coisas todas porque acabei de ler Ficção impura, da Therezinha Barbieri, e não tenho simplesmente nada a dizer sobre o livro. Nem uma linha. Mas gostaria de dizer que o li, de maneira a mapear minhas leituras de algum modo. Estou pronto a concordar com a Mariah que isso não é de interesse de ninguém e que, se eu quiser angariar leitores, deveria escrever sobre minha vida sexual. Acontece que tenho toc e agora preciso dar um jeito de registrar isso de alguma maneira, se não enlouqueço, fazer o quê? Então, pensei, não posso simplesmente colocar no blog, para os possíveis olhos que vigiam, que li o livro sem um texto minimamente interessante que o resenhe ou invente alguma história em torno dessa leitura. O que fazer? E eis que me ocorreu que preciso me virtualizar mais, o blog não é mais resposta para minhas necessidades, ele precisa de um padrão de qualidade (!), precisa cativar os leitores, precisa ser literatura (?).
Enfim, a solução encontrada foi a de me embrenhar no mundo virtual e aderir ao Twitter. Em poucas linhas poderia alcançar o mapeamento desejado e dizer "li Ficção impura, da Therezinha Barbieri". Não que isso tenha alguma relevância, acreditem, não tem. Dizer que li este livro serve apenas para acalmar meu espírito obsessivo e compulsivo. Agora posso mais facilmente exibir-me academicamente, respeitando o espaço deste blog para o que realmente interessa, eu acho...
Ainda sou um iniciante internáutico, o que faz de mim quase uma aberração, e só o fato de eu postar esses rascunhos aqui já é uma vitória, pois sempre escondi meus escritos. Pouco a pouco vou conseguindo achar o tom do blog, como agora terei que achar também o do meu twitter. Correndo o risco de ser repetitivo, é estranha essa coisa de escrever e postar imediatamente, sem que o texto amadureça e adquira consistência. Postar sem reescrever, sem trabalhar, cortar, copydeskar tem sido uma tarefa corajosa. Mas isso me dá também, por outro lado, uma espécie de credencial, no sentido de que poderia argumentar que se o texto não é bom é porque foi escrito "de qualquer jeito". Não conheço ninguém que tenha entrado em crise existencial por conta de um blog, e aí forçosamente me lembro novamente da Mariah (por onde anda sumida?), sempre a rir-de de minhas crises. Bom, vou ficando por aqui, tentando não me preocupar muito, tentando não me levar muito a sério, afinal um post tende a ser esquecido no minuto seguinte da leitura nesse mundo de muitas informações que nos fazem ficar cegos de uma cegueira branca, como em Ensaio sobre a cegueira.

sábado, 9 de outubro de 2010

Exercício insone

Parecia hipnotizado pelo belo par de seios. Encarava-os ostensivamente, sem receio de parecer indiscreto ou grosseiro. Não conseguia, desde cedo, pensar em qualquer outra coisa que não fosse sexo. E agora, no meio da noite, estava diante do objeto de seu desejo. A morena tirava-lhe do sério. E ela sabia disso. Ela tinha plena consciência do poder que exercia sobre ele, sabia que, bastava um gesto seu, para a noite terminar na cama. Vidrado no decote, ele não percebia os sorrisos e os trejeitos dela. Talvez se os visse, criasse coragem e fosse lá falar com ela. Já fizera isso outras vezes, já conseguira comer muitas mulheres em situações similares, com seu jeito peculiar de rapaz ao mesmo tempo respeitador e atrevido. Mas hoje era diferente. Hoje ele se deixou hipnotizar, perdeu sua visão periférica e só mirava o decote. A morena, por sua vez, divertia-se com a falta de jeito dele. E provocava. Erguia lentamente a tulipa de chope, deixava uma gota pingar sobre seu peito, contraía a musculatura e bebia com prazer a bebida gelada. Seu corpo sempre quente, quentíssimo a essa altura. Durante muito tempo ela se privou desse tipo de jogo erótico. Sentia-se reprimida, não queria ter fama de fácil. Ele ainda sem coragem de agir. Não conseguia sair do pensamento e partir para a ação. Não se lembrava de ficar paralisado dessa maneira antes. Para ela, a sexualidade há muito silenciada agora ganhava ousadia. Por que deveria permancer reprimindo-se, questionava-se, se todos, em todos os cantos, só falavam de sexo? A proliferação discursiva certamente trazia benefícios para os locutores, mas e ela? Não era muito de falar sobre o assunto, só com uma ou duas amigas mais chegadas, com todo o recato próprio de mulheres educadas para se assujeitarem, mas também deveria permanecer alheia aos seus desejos? Até quando? Por que não levantar-se, caminhar decidida até o rapaz atônito e incrédulo, inclinar-se sobre ele e efetivar todo o seu poder? Poder de gerar a vida. E de gerir também. Levantou-se, mas ato contínuo acovardou-se e foi ao toalete. Quando finalmente voltou, ele não estava mais lá.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Luiz Costa Lima: uma obra em questão

Não tenho a menor pretensão de escrever, quase meia-noite, depois de um dia cansativo, um texto capaz de contemplar o pensamento de Costa Lima - aliás, esse é um ponto negativo dos blogs, tipo de escrita rápida que não permite um tratamento mais depurado do texto, cujo resultado assemelha-se muito a uma crônica, escrita no calor da hora para ser também lida no calor da hora. Mas aproveito a ocasião para, seguindo o exemplo do teórico, instigar-me a pensar, espécie de exercício de atividade erótica.
Para Costa Lima, foi a pergunta infantil de seu filho - o que é ficção? - que o motivou a encontrar respostas e a pensar a questão do ficcional. No meu caso, a motivação é outra, mas talvez a obstinação seja a mesma. Desde 2007 que busco compreender a literatura contemporânea e já consegui responder algumas questões, mas percebo que o trabalho ainda está no início e muito há o que investigar. Por que a primeira pessoa é tão comum na prosa de ficção da atualidade? Que subjetividade é expressa através desse eu que narra suas vivências? Por que os diários secretos ganharam nova configuração e hoje são exibidos virtualmente? De onde vem a necessidade em se mostrar? E a de espionar? Quais são as consequências estéticas dessa nova forma de escrita? Etc. etc. etc. Agora já é mais de meia-noite e finalizo dizendo que este post não vai responder a nenhuma dessas questões, mas apenas servir-me para registrar, diaristicamente, minha presença no debate de hoje à noite na UERJ, afinal os diários agora são virtuais e a nossa intimidade está aberta a visitações.

sábado, 2 de outubro de 2010

Carta para o meu amigo Walter

Querido Walter, depois de tantos anos de amizade, essa é a primeira vez que lhe escrevo, motivado, é verdade, por conversa com nosso amigo Silviano. Você sabe que sou bastante reservado, homem de poucas palavras, caseiro, indesejoso de incomodar, vivo sempre quieto no meu canto. Mas a figura serelepe do esforçado Silviano, todo feliz com o retorno e as benesses de sua correspondência, não me sai da cabeça e me motivou a também escrever-lhe, querido amigo. Não, não pretendo acusar-lhe, como fez o ingênuo Silviano, de qualquer participação e responsabilidade pela perda da minha aura; sabemos que esse assunto, nos dias de hoje, já é ultrapassado, deixemos a pós-modernidade sossegada com seu desassossego. Esta carta pretende apenas justificar-me por uma decisão que, se mal interpretada, pode arranhar nossa amizade.
Você bem sabe que, mesmo à distância, sempre mantivemos contato, nunca nos apartamos por completo. Mas você também sabe que meu espírito reclamava um convívio mais próximo, mais estreito, talvez por carência ou ciúme. Não bastava saber que você sempre esteve pronto para me ouvir e me responder, era necessário diminuir a distância. Foi com esse desejo e essa necessidade, Walter, que me inscrevi no curso Visões da literatura a partir de Walter Benjamin: memória, trauma, testemunho. Dessa maneira, pensei, finalmente estaríamos mais próximos, e nossas conversas receberiam novas e valiosas colaborações. Lucraríamos todos, assim, com o intercâmbio de experiências. Você e eu.
Infelizmente, meu amigo, não pude dar cabo à iniciativa e precisei cancelar o curso, após algumas poucas aulas, e gostaria de eu mesmo comunicar-lhe as razões, para que não falte lisura no nosso relacionamento. Deixe de tolices, imagino que seria isso o que você me diria, do seu jeito ao mesmo tempo rabujento e brincalhão, mas já que comecei, deixe-me terminar. Você bem sabe que minha vida é bastante corrida, que tenho muita dificuldade em me adaptar à correria dos novos tempos, que muitas vezes me perco no meio de tanta tecnologia que, no meu caso, mais atrapalha do que ajuda. Sou um espírito velho, Walter. Mas tento, faço um esforço danado para conseguir cumprir todas as minhas atividades de modo louvável. Muitas vezes sinto-me como um equilibrista chinês, tentando dar conta da minha vida acadêmica, das tarefas domésticas, das minhas duas filhas, trabalho, lazer, matrimônio. Modéstia à parte, de um modo geral sou bem sucedido nas minhas atividades, mas fracassei com o curso, querido amigo. Não estava sendo mais possível ir e voltar da PUC em tempo hábil. Para eu conseguir vencer o trânsito, a distância e a impaciência para atravessar a cidade, eu precisaria abrir mão de outros compromissos igualmente importantes para uma vida pós-moderna. Não ria, a pós-modernidade é sim uma realidade hoje, quem diria, não é verdade? É certo que muitos ainda sentem dificuldades em saber o que é realmente a pós-modernidade, mas deixemos isso de lado por ora.
Querido amigo, terei que me contentar com nossa velha forma de diálogo, que, diga-se de passagem, sempre foi muito proveitosa. Divirta-se com os demais benjaminianos que prosseguem no curso e, vez por outra, mande saudações minhas. Você sabe onde me encontrar, estarei sempre à sua disposição. Walter, vou ficando por aqui, pois ainda preciso tratar de assuntos pendentes e que carecem de uma solução imediata. Gostaria de ter mais tempo para lhe escrever, mas a falta de tempo parece ser uma tônica na correria do século XXI. Você, que sempre refletiu sobre a literatura, se espantaria de saber das novas formas de prática literária deste início de século. Depois, com mais vagar, escrevo a respeito para pensarmos juntos essa questão. Com afeto, um abraço de seu amigo Bruno.
"Pois esta identidade, bastante fraca contudo, que nós tentamos assegurar e reunir sob uma máscara, é apenas uma paródia: o plural a habita, almas inumeráveis nela disputam; os sistemas se entrecruzam e se dominam uns aos outros". Foucault

Acontecimento

Me surpreendeu o excelente público que o seminário Espirais de poder e prazer, do Mário Bruno, recebeu nesta sexta-feira, primeiro dos três encontros na UERJ. O surpreendente não é uma auditório lotado para ouvir o professor, mas sim essa lotação ser numa sexta-feira chuvosa à noite. (Soube que o seminário foi uma iniciativa do diretório acadêmico, mais uma surpresa, pois sempre achei que a última coisa que o pessoal que se mete em DA's quer é estudar - a baixo mais um preconceito).
A partir do pensamento de Foucault e Deleuze, Mário Bruno trabalhou convergências e divergências entre os filósofos, mas não é sobre isso que falarei aqui. Quero apenas registrar o ecletismo do público, que tinha desde alunos de graduação até profissionais de variadas áreas, como medicina e direito. Talvez isso tenha sido fruto da tentativa do Mário em "popularizar" a filosofia, pois, como disse Deleuze, a filosofia é importante demais para ficar restrita a especialistas.
Depois do seminário foi oferecido um comes e bebes, mas não fiquei para a confraternização, a noite chuvosa de sexta-feira guardava outro destino para mim, mas isso já não interessa aqui.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cinco poemas meus foram publicados na revista A cadeira, da Academia Niteroiense de Letras, sessão Saia da Gaveta. São poemas escritos entre 1993 e 2006. Confira!