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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Em Terceira Pessoa e outros poemas, de Giovani Miguez

De certa forma, é lugar comum dizer que vivemos em um mundo individualista e, contraditoriamente, voyeurista. Cada vez mais nos interessamos pela vida alheia, seja em reality shows, autobiografias e autoficções, e sobretudo em redes sociais, do mesmo modo que exibimos nossa intimidade de forma massiva. Em um primeiro momento, é factível afirmar que esse interesse pela alteridade é apenas superficial, na medida que pouco se conhece, porque pouco se expõe, o eu mais recôndito. Foi justamente em uma rede social, o Instagram, que conheci Giovani Miguez, em live com meu querido amigo e poeta Cesar Garcia Lima. Meu interesse em poesia é público e então entrei em contato com Giovani, lhe enviei dois livros meus e recebi Em terceira pessoa

Na orelha, descobrimos que o livro foi escrito durante a pandemia ainda em 2020. Foi muito comum ouvirmos que durante o isolamento social a arte era a saída, seja como entretenimento, seja como companhia, seja ainda como forma de reflexão crítica. E em um momento que se isolar era (e ainda é, infelizmente) vital, não deixa de ser bem-vinda essa publicação, a começar pelo próprio título: sem contato social, convivendo conosco e apenas conosco, não é a primeira pessoa que surge no título, mas o ele, o outro, o externo, porque "É preciso / acertar no pronome / um conjugar preciso! / para que não / haja fome, / guerra, / autocracia", escreve o poeta no poema homônimo e que abre o livro. Somente assim, prossegue, pode haver um nós, "o pronome certo!".

Talvez seja em busca desse pronome certo que os primeiros poemas foram escritos, no sentido de que são versos de denúncia, como se o confinamento tornasse mais perceptível a necessidade do olhar para a alteridade. Claro que esse tipo de poesia corre o "risco" de se tornar panfletária, mas o poeta dá um passo além. E se panfletária fosse, compreendido o momento da escritura, com inúmeras pessoas morrendo sob o desgoverno genocida do Brasil, não seria nenhum despropósito. O poema "Cura", no entanto, rebate quaisquer possíveis críticas nessa direção, pois é de um lirismo certeiro.

Particularmente, tenho me interessado cada vez mais em poemas curtos. Meus dois mais recentes livros de poesia são prova disso e possuo dois outros prontos, ainda inéditos, com poucos versos. Acredito ser mais laborioso, interessante e poético dizer muito com poucas palavras. E isso observa-se também no livro de Giovani Miguez. Nem todos os poemas são curtos, mas vale registrar que muitos o são, o que, para mim, interessa bastante. "Verso Vazio" é exemplar nesse sentido.

A própria composição do livro é interessante ao observarmos os poemas "Bovid" e "Grato" justapostos. A revolta que o primeiro suscita é imediatamente após amenizada pela gratidão de não ser obediente às "ordens do fascista" e, sobretudo, pela valorização das pequenas coisas. 

É digna de nota a metapoesia presente Em terceira pessoa, algo que muito me interessa e que eu procuro praticar na minha própria poesia. "Imortalidade" é excelente exemplo, inclusive sugerindo uma boa compreensão teórica sobre o ofício poético e literário. Quincas Borba já ensinara a Rubião que se seu exemplar de Dom Quixote fosse destruído, a obra permaneceria eterna. Fica o convite para a leitura desse poema e de todo o livro.

Fechou-se o círculo. O confinamento fez com que Giovani Miguez escrevesse Em terceira pessoa. Em isolamento assisti à live dele com Cesar Garcia Lima. Em distanciamento me aproximei da primeira pessoa do poeta.