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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Conceitos de literatura e cultura, de Eurídice Figueiredo

Recordo que na graduação em Letras na UFF meu amigo Júlio França certa vez disse que conhecimento não se nega a ninguém, há a necessidade de compartilhá-lo. Achei bastante madura a posição de Júlio, mas não lembro a propósito de que surgiu esse assunto à época. O fato é que ambos iniciávamos nossas vidas no caminho da literatura e lá se vão mais de 25 anos. É curiosa a forma como a memória surge. Eurídice Figueiredo, de quem fui aluno na UFF, mas lamento muito não ter sido em literatura, disse algo semelhante por mensagem quando da publicação da segunda edição de Conceitos de literatura e cultura, organizado por ela, que finalmente saiu em versão digital após anos do livro físico esgotado. Segundo a pesquisadora, todo livro deveria ter uma versão digital com acesso gratuito. E graças a isso o li com prazer. (Abro um parêntese para dizer que o mesmo se deu com Representações de etnicidade: perspectivas interamericanas de literatura e cultura, lançado originalmente pela 7 Letras em 2010, e que será lido em breve).

É interessante observar que há quem procure dissociar literatura e cultura, isto é, se considerarmos a obra literária como uma forma de arte, ela não é necessariamente uma obra cultural, apesar de inserida na cultura. A teoria estética de Adorno caminha nessa direção, de situar a arte como uma forma de conhecimento único e intransponível, sem quaisquer vínculos com a cultura na qual ela esteja inserida. Eu mesmo, em recente livro publicado, defendi essa premissa, embora reconheça não ser a única, apenas procurei empregá-la na análise de Machado de Assis. De fato, é bastante difícil compreender uma obra literária completamente desvinculada, por exemplo, de referenciais historiográficos, culturais e outros. Arnold Hauser, em seu excelente História social da arte e da literatura, demonstra erudição e fôlego impressionantes para a composição social a que se propôs, em diálogo profícuo entre arte e suas dimensões sociais que a embasam. Se é possível fazer um senão ao livro de Hauser deve-se ao eurocentrismo, pois todo o universo abordado refere-se à arte europeia.

Por mais que a teoria estética de Adorno seja fascinante, havemos de concordar que é bastante delicado trabalhar a literatura do novo mundo sem considerar a cultura, haja vista vários aspectos serem possíveis de ser teorizados devido à colonização e à miscigenação dela decorrentes. Assim, é muito instigante a leitura do livro organizado por Eurídice Figueiredo, que assina também três artigos.

O livro de Eurídice é exemplar nesse sentido. Os artigos, assinados por nomes importantes dos estudos literários, tratam de questões inerentes às literaturas do novo mundo e suas especificidades ausentes naquelas estudadas por Hauser, por exemplo. A produção literária hispano-americana, a francófona e anglófona, e a brasileira são trabalhadas sob um viés que nos permite compreendê-las a contento sob a luz das perspectivas culturais que ao mesmo tempo as singularizam e as pluralizam. Escrever uma resenha apropriada requer um texto mais longo capaz de desenvolver as ideias centrais dos vinte capítulos distribuídos em quase 500 páginas, que vão desde americanidade e americanização, antropofagia, crioulização e crioulidade, identidade nacional e identidade cultural, indigenismo, pós-colonialismo e pós-colonialidade etc. etc. Todos temas possíveis em função do amálgama americano. 

Se fico a dever a resenha, deixo enfaticamente a sugestão de leitura. Quem quiser fazer o download gratuito basta clicar em http://www.eduff.uff.br/index.php/catalogo/livros/87-conceitos-de-literatura-e-cultura