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sábado, 26 de novembro de 2011

domingo, 20 de novembro de 2011

Presente

No dia 9 de novembro postei minha opinião sobre o livro Retrato sem moldura, de Wanderlino Teixeira Leite Netto. Não é que ele leu e gostou do que escrevi! E, de quebra, ainda me presenteou com outros quatro livros seus. Obrigado pelo presente, Wanderlino, assim que eu puder os lerei com prazer e virei aqui dar a minha humilde opinião.

O palhaço

Ser artista é uma profissão? É admissível exigir profissionalismo de um artista? Duas questões, por um lado, difíceis de responder, mas, por outro, mais que simples. É comum o público, diante de uma apresentação de um artista "controverso", "polêmico", cobrar profissionalismo e vaiar a falta do que deveria ser seu profissionalismo. Por exemplo, o papa da nossa bossa-nova, João Gilberto, depois de reclamar e se recusar a tocar por causa de ausência, a seu ver, de condições acústicas para isso, foi cobrado por seu fãs, que se sentiram ultrajados e desrespeitados pelo compositor. "Faltou profissionalismo a ele", disseram muitos na ocasião.
Na minha opinião, por mais que o artista, para desempenhar bem a sua arte, tome aulas de algum instrumento, participe de laboratórios de redação criativa, desenvolva suas máscaras em alguma escola de teatro etc., ele não será um profissional como o é um engenheiro, um médico, um contador, um motorista, um gari, um professor. O artista, antes de tudo, simplesmente é. E continuará sendo mesmo que desempenhe outras funções, mesmo que não viva (financeiramente falando) de sua arte. A arte não é uma profissão, não deve ser cobrada com os mesmos requisitos exigidos de um profissional liberal, por exemplo.
Mas é compreensível, em nosso mundo, a cobrança que João Gilberto sofreu. Em tempos de Indústria Cultural, de massificação do fazer artístico, do amoldamento do que é oferecido ao público, qualquer atitude, da parte do artista, que fuja ao entretenimento não é vista com bons olhos. O público quer se divertir, quer esquecer as agruras de seu dia a dia para retomar seu cotidiano no dia seguinte devidamente descansado e com a sensação de recompensa.
Uma vez, conversando com meu amigo Leonardo Davino, ele sabiamente afirmou que a arte é muito chata, isto é, ela não tem essa função massificadora, não compete a ela desligar o homem de seus problemas e levá-lo para o reino do ócio. Toda a arte que se preze é reflexiva e, por isso, exige do público. Mesmo que com essa exigência ofereça também encantamento, relaxamento, prazer, onirismo. Mas é antes reflexiva; e a reflexão cansa.
Ser artista não é, portanto, uma escolha. O verdadeiro artista não é aquele cidadão que, por amor à arte, resolveu "seguir carreira", fazer dela sua profissão. Não, o artista é. Ele não tem escolha, pode se esforçar para desempenhar outras atividades, pode até estar infeliz com as dificuldades que, muitas vezes, a dureza da vida lhe impõe, mas ele é. "O gato toma leite, o rato come queijo" e o artista faz sua arte. O artista faz o que sabe fazer, independentemente de qualquer coisa.
Com essas reflexões saí do cinema hoje ao assistir O palhaço, de Selton Mello. O filme é muito bonito, além de tecnicamente irretocável. Os atores estão ótimos - e aqui destaco, especialmente, as atuações de Selton e de Paulo José. O universo circense é muito bem trabalhado no filme, mas não se trata de um circo internacional, com recursos, fama, holofotes. O circo Esperança é a reunião de poucos e pobres saltimbancos que seguem fazendo a sua arte porque a sua arte é o que eles sabem fazer. Mesmo sem dinheiro, mesmo sem público, mesmo sem.
E é por causa dessa necessidade que muitos artistas, onde quer que estejam, continuam compondo, atuando, tocando, dançando, escrevendo. O artista faz arte porque precisa fazer; o artista é.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Retrato sem Moldura

Lindo! Simplesmente lindo!! Sem medo de parecer exagerado, diria que Retrato sem moldura, de Wanderlino Teixeira Leite Netto, é um dos livros mais lindos que já li na minha vida. As várias narrativas curtas que compõem o livro não são contos, nem crônicas, são, sem sombra de dúvida, poesia de um lirismo comovente, encantador. Em tempos atuais, parecia-me não haver mais espaço para a poesia que eu encontrei nas páginas de Retrato sem moldura.
Após a leitura, ainda inebriado com o texto de Wanderlino, fiquei a me perguntar porque havia deixado o volume durante tanto tempo na estante, à espera da boa vontade do leitor desatento. Uma resposta que eu me dei, envergonho-me de confessar, foi o fascínio que os livros grossos e pesados me causam, como se a quantidade de páginas fosse indicativo de qualidade. Acho que como tenho dificuldade em alongar-me textualmente, invejo os autores que compõem verdadeiros "tijolões". Dessa maneira, esqueci-me de que os melhores perfumes estão nos menores frascos, naturalmente. A narrativa poética de Wanderlino é prova indelével dessa máxima.
Uma obra-prima da literatura contemporânea, Retrato sem moldura merece figurar entre as grandes obras de nossa literatura, pois seu autor "ainda esculpe palavras, arredonda imagens imperceptíveis, dá polimento em sons que ninguém escuta". Esteticamente, uma obra de arte irretocável.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Catarse

Sempre ouvi muita música. Desde sempre. Quando criança, na minha casa, meus pais estavam sempre ouvindo música, e cresci ao som de Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Noel Rosa, Gonzaguinha, Baden Powell, Ney Matogrosso, Milton Nacimento, Tom, Vinícius etc. etc. etc. E fui ouvindo MPB até mais ou menos meus nove ou dez anos de idade, quando finalmente descobri o Rock Brasil. Aí, de uma hora para outra, meu repertório mudou. Mudou tanto que, aos dez anos de idade, fui ao primeiro Rock in Rio, logo no primeiro dia, assistir a Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Pepeu e Baby, Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Hoje, olhando para trás, se fosse possível eu escolheria outro dia para assistir, mas a semente estava plantada. Passei a ser ouvinte de rock, ou melhor, passei a viver perseguindo o ideal de ser um roqueiro, de viver de música.
Aos doze anos ganhei meu primeiro violão, presente de aniversário. Era um Giannini série estudo. Logo as aulas particulares começaram e segui meu sonho infantil de, um dia, ser músico profissional. Mas o violão, na minha cabeça pré-adolescente desmiolada, me aproximava mais da MPB que meus pais ouviam do que do rock que eu agora ouvia. Mas o violão continuou a me acompanhar até meus quinze anos, quando ganhei minha primeira guitarra, uma golden stratocaster vinho e preta, simplesmente linda! Agora ninguém mais me impediria de ser o maior guitarrista de todos os tempos. Quando fui ao Conservatório de Música para ter aulas de guitarra, o professor me sugeriu, para ser um bom guitarrista, tomar aulas de violão clássico, pois assim desenvolveria uma boa técnica que muito auxiliaria na prática da guitarra. E foi assim que fui apresentado a Tárrega, o primeiro dos mestres clássicos que eu vim a conhecer e a tocar.
Paralelamente às aulas de violão clássico, no colégio, junto com meu amigo Leonardo Mello, formamos nossa primeira bandinha, chamada Lavagem Cerebral. Era uma banda de rock pesado, mais por influência do Léo, que só ouvia heavy e trash metal. Não era muito a minha praia, mas o que eu queria era tocar. Acontece que a Lavagem Cerebral não durou muito tempo e logo, junto com Cacau (teclado), Sérgio (bateria) e Sávio Santoro (baixo elétrico), formamos a Utopia, que tocava um som menos barulhento e que se limitava a tocar músicas das bandas que ouvíamos: Titãs, Legião Urbana, Plebe Rude, Os Paralamas do Sucesso, Ira!, Barão Vermelho, Lobão, Engenheiros do Hawai, etc, etc. O Sávio, aliás, seguiu a tradição familiar e hoje é músico profissional. Ele é filho do maestro Cláudio Santoro e irmão dos gêmeos violoncelistas que formam o Duo Santoro.
Mas aí um fato ocorreu e mudou mais uma vez o curso da história. Como Cazuza cantava, meus heróis tinham morrido de over-dose, e, para ser músico de verdade, veja você, eu achava que também precisaria assumir o modus vivendi de meus ídolos. Adolescência... Então eu ouvia Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Doors, Siouxsie & The Banshees, Echo & The Bunnymen, The Clash, Sex Pistols, The Cult, Velvet Underground, Ten Years After, Joe Cocker, Beatles, Rolling Stones, Pixies, Joy Division, The Animals, Eric Clapton etc. etc. etc. As bandas nacionais agora eram Hojerizah, Picassos Falsos, Violeta de Outono, Uns e Outros, Patife Band, Arrigo Barnabé, De Falla etc. Agora não tocava mais na Utopia. Nem em lugar nenhum. Permanecia com o desejo de ser músico, continuava estudando violão clássico, mas, ao invés de eu mesmo formar uma banda, passei a acompanhar novos amigos, bem mais velhos do que eu, que estavam musicalmente bem mais adiantados, e me contentava em ver o ensaio alheio. Vivia enfiado em estúdios em Copacabana, onde o Último Reduto ensaiava, ou então na casa do Marcos Felipe, grande amigo meu e grande baterista, para aprender com músicos que, a meu ver, já haviam conseguido atingir um patamar mais elevado. Meu primeiro grande erro.
O segundo - e maior de todos - foi, na hora de me inscrever para o vestibular, por medo de encarar uma banca na UNIRIO na hora da prova prática, decidi fazer vestibular para Letras. Assim, eu poderia continuar estudando música, que era o que eu fazia e mais gostava, e ainda estudaria literatura, minha segunda paixão, sem precisar ser avaliado por nenhuma banca. Não houve ninguém que me dissesse, na época, que se eu queria fazer música, que encarasse a banca, e que eu tinha habilidade suficiente para seguir adiante. Resultado: me formei em Letras na UFF. Durante a graduação, junto com Jorge Fernando e Júlio França, formamos O Silêncio de Mônica, um trio que contava com violão, guitarra, teclado, flauta, trompete e alguns instrumentos de percussão. Nos revezávamos nos instrumentos e fazíamos um som bem legal, alternativo. Anos depois, Júlio e Jorge me convidaram para integrar o Silêncio Bó, que seria uma continuidade de O Silêncio de Mônica, mas acrescido de bateria. Durei uns poucos ensaios e saí da banda.
Em 2006 ou 2007, cansado das minhas cabeçadas musicais - e muito mal de grana -, vendi guitarra, violão, pedais e acessórios e pus um ponto final no sonho infantil de viver de música. Até ontem, quando fui assistir a Rock Brasília - era de ouro, documentário de Vladimir Carvalho. O filme é muito bom e reacendeu minha veia musical. O desejo de voltar a tocar violão ressurgiu, agora apenas como entretenimento, lazer, não mais tenho ilusões sobre ser o maior guitarrista do mundo. O filme, restrito às bandas Capital Inicial, Plebe Rude, Legião Urbana e Os Paralamas do Sucesso, todas de Brasília, fornece um histórico muito bom do surgimento dessas bandas e de seu percurso até atingirem, com sucesso, todo o cenário nacional. Depoimentos de familiares dos músicos, além dos dos próprios integrantes das bandas, testemunham as dificuldades vencidas até atingirem o estrelato. Vale muito a pena assistir ao filme, mesmo quem não gosta de rock, pois o filme é um documento muito fiel aos anos de ouro do Rock Brasília, nascendo em um ambiente de ditadura militar e tendo muito o que dizer. O único senão que faço ao documentário é a ausência quase completa de depoimentos de Herbert Viana, Bi Ribeiro e João Barone, integrantes dos Paralamas. Suas únicas participações são com uma entrevista resgatada da época de garotos ainda. Desconheço a razão de sua ausência, mas ela não desmerece o filme, excelente registro da efervescência roqueira no início dos anos 80.