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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

As canções

Viva os seres humanos! Viva as canções! Cada ser humano tem em si uma infinidade de histórias, complexas, simples, ricas, pobres, engraçadas, tristes, mas todas elas possuem uma trilha sonora. Sabendo disso, Eduardo Coutinho, para realizar seu novo documentário, As canções, afixou no Largo da Carioca um cartaz recrutando pessoas para cantarem e contarem as canções que marcaram suas vidas. O resultado é um filme excelente, cujos protagonistas são pessoas simples, anônimas, mas que possuem muito o que dizer e o que cantar.
A cada novo relato dos motivos que fizeram de determinada canção a canção de sua vida, o personagem descortina seus sentimentos e dá a conhecer a singularidade de suas existências. O filme de Coutinho clarifica o poder que a canção tem na vida de cada um de nós, seja em momentos felizes, seja em situações desagradáveis, seja para superar um amor que se foi, seja, enfim, para cristalizar e eternizar um período qualquer. A canção, como arte genuinamente popular, marca o povo e lhe dá força para superar a dor e seguir adiante, cantando.
Mas o que mais me encantou no filme não foi o poder da canção, nem a beleza de muitas das canções cantadas; o que mais me emocionou foram os personagens, populares que esbarram por nós nas ruas e para quem não daríamos nenhum crédito; anônimos, a princípio desinteressantes, mas que guardam histórias magníficas porque genuínas, porque revelam como somos complexos e ao mesmo tempo simples.
Para dar um maior destaque a cada um dos personagens, o diretor optou por uma meia-luz, uma cadeira preta e uma cortina igualmente preta ao fundo, por onde entram os "cantores". Em boa parte das cenas em close, o espectador encontra-se cara a cara com cada um dos protagonistas, o que proporciona uma maior intimidade à cada confidência que enreda a canção. E nada mais do que isso é necessário. O público chora, ri, se espanta e, naturalmente, canta.
Eduardo Coutinho conseguiu, a meu ver, em tempos de reality shows, do interesse crescente da população pela vida dos "famosos", algo muito mais instigante porque natural, verdadeiro. Cada uma das vidas que se expuseram na telona não era nem um pouco teatral, não estava ali almejando se tornar uma celebridade, virar capa de revista ou ingressar no BBB. Os personagens de As canções são pessoas comuns e isso foi respeitado pela direção, que, para mim, foi o grande mérito do filme: mostrar a riqueza que é ser humano, com seus sentimentos e, por que não, com uma trilha sonora.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Gato de Botas

De coadjuvante na série Shrek, o Gato de Botas passa a protagonista da nova animação de Chris Miller. E o espectador pode ficar certo de que foi muito bem feita a transposição do personagem para uma aventura própria, sem que fique a dever nada à série do ogro que conquistou o público infantil e adulto. O público, aliás, dará ótimas gargalhadas com as peripécias do Gato de Botas para roubar os feijões mágicos e assim conseguir os ovos de ouro, numa aventura com muita ação. Esta é, sem dúvida, uma ótima pedida para as férias da criançada.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O futuro do livro: papel ou chip?

Um profícuo debate acerca do futuro do livro se realizou hoje na Academia Brasileira de Letras. Foram convidados Carlos Eduardo Ernanny e Silvio Meira. Este, com uma formação em engenharia eletrônica e atuando como pesquisador em engenharia de software, deu como prognóstico um prazo de quinze anos para que o livro impresso seja definitivamente extinto. Seus argumentos, muito bem embasados, poderiam até me convencer, isso se eu não fosse um leitor apaixonado pelo livro impresso. Silvio Meira, a fim de estabelecer uma correlação, a seu ver óbvia, entre música e literatura, afirmou que, há não muito tempo atrás, se quiséssemos ouvir uma música, deveríamos assistir à execução da mesma ao vivo devido à ausência de meios de gravação e reprodução da mesma. Traçou, a partir dessa constatação, o caminho evolutivo da tecnologia que permite que consigamos armazenar em mp3 centenas de músicas. Para ele, finalmente é a vez do livro, agora, se beneficiar da tecnologia. Deu como exemplo a leitura de um livro digital em pleno engarrafamento de São Paulo e a possibilidade de, usando o mesmo aparelho, sair da leitura e verificar o melhor trajeto a se percorrer de maneira a fugir do engarrafamento para, então, retomar a leitura - uma praticidade que não poderia ser dispensada.
Para permanecer na analogia entre música e literatura proposta por Meira, me ocorreu que a música, diferentemente da literatura, é uma arte muito mais social, por assim dizer. Ouve-se música correndo na orla, fazendo bicicleta na academia, em reunião de amigos em casa, engarrafado no trânsito, etc. O ato de ouvir música não exige do ouvinte uma concentração estrita, sem a qual ele não conseguiria absorver o conteúdo musical. Já com a literatura o mesmo não ocorre. Quem é capaz de ler em conjunto? Ou durante um bate-papo entre amigos? Ou ainda ao volante? A prática da leitura exige do leitor concentração absoluta, sob o risco de não se absorver o texto ou então de fazer uma leitura rasa. Nesse sentido, eu, como leitor, dispenso de bom grado a tal praticidade que a tecnologia e os livros virtuais me ofereceriam.
Meira também fez alusão à interatividade inerente à leitura de livros digitais. Lendo um e-book, posso me deparar com uma cena que remeta a algum evento por mim desconhecido, o que não seria nenhum problema, pois eu poderia interromper a leitura e, no mesmo aparelho conectado à rede, fazer uma pesquisa e me inteirar do assunto. E essa é uma possibilidade ad infinitum, de acordo com ele. A pesquisa poderia me levar para outra referência, que, por sua vez, me levaria para outra, e mais outra, e mais outra... Mas nesse caso eu já estaria longe da leitura do e-book, ou não? As sucessivas referências, se por um lado aumentam meu conhecimento, por outro me distanciam do livro, que ficou "parado" no tal evento desconhecido. Pergunto: estamos a ler um livro ou zapeando como a assistir à televisão com o controle remoto na mão? E onde ficou o texto nisso? "Esquecido" na tal cena?
Já Carlos Eduardo Ernanny, empresário e criador da primeira editora de livros virtuais - a Gato Sabido -, preocupou-se em apontar todas as praticidades que os livros virtuais oferecem. O espaço seria um deles. Uma biblioteca inteira pode ser levada no ipod. Os livros virtuais também não rasgam, molham e nem se deterioram de qualquer forma. A preocupação de Ernanny é adaptar o conteúdo dos livros aos tempos modernos. Ora, a meu ver, o que a literatura tem de fascinante, dentre inúmeras outras coisas, é a capacidade de, através da linguagem, se tornar bastante atual. E para isso não é necessária nenhuma tecnologia, nenhum aparelho, nenhuma máquina. Através de sua matéria-prima - a língua -, a boa literatura se faz presente apontando para o futuro; e isso vai continuar acontecendo independente do meio utilizado, seja o papel ou o chip. Agora, convenhamos, de que vale toda a praticidade tecnológica dos livros digitais se o texto - que é o que importa - não acompanhar essa evolução. Será que teremos textos medíocres publicados em tecnologia de ponta? Eu, de minha parte, alheio às modernidades e simpático aos fetiches, prefiro, ainda, o cheiro do livro.