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domingo, 25 de fevereiro de 2018

Memórias de um segundo eterno


Eu morri.
Não padecia de mal algum. Tampouco foi morte violenta. Simplesmente morri. Findei. De uma hora para outra. Num segundo vivia, no outro, não mais. Ainda não houve sequer tempo para o primeiro verme vir roer as frias carnes do meu cadáver porque ainda estou quente.
E lúcido.
Como jamais em toda a eternidade estive.
Para onde quer que eu olhe, vejo apenas a imensidão, o infinito, a glória. Detenho sabedoria. Jamais a obtive em vida. Durante os anos em que perambulei pela miséria humana, busquei (re)conhecimento, aplauso, status. Sandice.  
Na vastidão de um segundo, sou e estou, pois o tempo agora é outro. Não há antes nem depois. O agora é. Pisco os olhos e nada muda. Esfrego-os incrédulo e o tempo é estático. Extático vivo a morte terrena. Recomeço. Na realidade, inicio a vida. Difícil falar em reinício porque não há cronologia. Mas eu, apenas eu compreendo. Nesse segundo infinito no qual me sinto preso e pleno, percebo que tudo o que sempre almejei é meu.
Miro e vejo meu corpo inerte e sinto compaixão por uma vida vazia, a inspirar oxigênio e espirar gás carbônico. Só. Demasiadamente desumano. Como todos o são. A Vida somente é vivida no segundo após a expiração. Eterna.
O que fazer, poderia me perguntar ainda encarnado num corpo sem sentido e limitador. Não é isso o que a humanidade está sempre a se perguntar? De onde viemos e para onde vamos? Simplesmente vivo e tenho clara a certeza de Ser. Não deliro. Delirei quando possuía um corpo. Sempre. Não leguei a nenhum herdeiro a condição miserável na qual me encontrava. Em um segundo, porém, sou pai de toda a humanidade. Possuo todas as respostas. Dúvidas não há. Muito menos razão.
A eternidade de um segundo distancia-me do tempo mundano. Afasto-me de toda a matéria e deixo aos homens a encenação de lastimarem o fim. Nada sabem e choram como atores canastrões. Peça mambembe, a vida. Fugaz. Vazia. Inútil. Distante.
A consciência que adquiri obriga-me a encerrar aqui. Aguardarei a visita dos tantos herdeiros que estão por chegar, afinal, a morte é implacável e a Vida, um segundo. A campa, para mim, autor-defunto, é outro berço.