Eu morri.
Não padecia de mal algum. Tampouco foi morte violenta.
Simplesmente morri. Findei. De uma hora para outra. Num segundo vivia, no
outro, não mais. Ainda não houve sequer tempo para o primeiro verme vir roer as
frias carnes do meu cadáver porque ainda estou quente.
E lúcido.
Como jamais em toda a eternidade estive.
Para onde quer que eu olhe, vejo apenas a imensidão, o
infinito, a glória. Detenho sabedoria. Jamais a obtive em vida. Durante os anos
em que perambulei pela miséria humana, busquei (re)conhecimento, aplauso,
status. Sandice.
Na vastidão de um segundo, sou e estou, pois o tempo
agora é outro. Não há antes nem depois. O agora é. Pisco os olhos e nada muda.
Esfrego-os incrédulo e o tempo é estático. Extático vivo a morte terrena.
Recomeço. Na realidade, inicio a vida. Difícil falar em reinício porque não há
cronologia. Mas eu, apenas eu compreendo. Nesse segundo infinito no qual me
sinto preso e pleno, percebo que tudo o que sempre almejei é meu.
Miro e vejo meu corpo inerte e sinto compaixão por uma
vida vazia, a inspirar oxigênio e espirar gás carbônico. Só. Demasiadamente
desumano. Como todos o são. A Vida somente é vivida no segundo após a
expiração. Eterna.
O que fazer, poderia me perguntar ainda encarnado num
corpo sem sentido e limitador. Não é isso o que a humanidade está sempre a se
perguntar? De onde viemos e para onde vamos? Simplesmente vivo e tenho clara a
certeza de Ser. Não deliro. Delirei quando possuía um corpo. Sempre. Não leguei
a nenhum herdeiro a condição miserável na qual me encontrava. Em um segundo,
porém, sou pai de toda a humanidade. Possuo todas as respostas. Dúvidas não há.
Muito menos razão.
A eternidade de um segundo distancia-me do tempo mundano.
Afasto-me de toda a matéria e deixo aos homens a encenação de lastimarem o fim.
Nada sabem e choram como atores canastrões. Peça mambembe, a vida. Fugaz.
Vazia. Inútil. Distante.
A consciência que adquiri obriga-me a encerrar aqui.
Aguardarei a visita dos tantos herdeiros que estão por chegar, afinal, a morte
é implacável e a Vida, um segundo. A campa, para mim, autor-defunto, é outro
berço.