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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O futuro do livro: papel ou chip?

Um profícuo debate acerca do futuro do livro se realizou hoje na Academia Brasileira de Letras. Foram convidados Carlos Eduardo Ernanny e Silvio Meira. Este, com uma formação em engenharia eletrônica e atuando como pesquisador em engenharia de software, deu como prognóstico um prazo de quinze anos para que o livro impresso seja definitivamente extinto. Seus argumentos, muito bem embasados, poderiam até me convencer, isso se eu não fosse um leitor apaixonado pelo livro impresso. Silvio Meira, a fim de estabelecer uma correlação, a seu ver óbvia, entre música e literatura, afirmou que, há não muito tempo atrás, se quiséssemos ouvir uma música, deveríamos assistir à execução da mesma ao vivo devido à ausência de meios de gravação e reprodução da mesma. Traçou, a partir dessa constatação, o caminho evolutivo da tecnologia que permite que consigamos armazenar em mp3 centenas de músicas. Para ele, finalmente é a vez do livro, agora, se beneficiar da tecnologia. Deu como exemplo a leitura de um livro digital em pleno engarrafamento de São Paulo e a possibilidade de, usando o mesmo aparelho, sair da leitura e verificar o melhor trajeto a se percorrer de maneira a fugir do engarrafamento para, então, retomar a leitura - uma praticidade que não poderia ser dispensada.
Para permanecer na analogia entre música e literatura proposta por Meira, me ocorreu que a música, diferentemente da literatura, é uma arte muito mais social, por assim dizer. Ouve-se música correndo na orla, fazendo bicicleta na academia, em reunião de amigos em casa, engarrafado no trânsito, etc. O ato de ouvir música não exige do ouvinte uma concentração estrita, sem a qual ele não conseguiria absorver o conteúdo musical. Já com a literatura o mesmo não ocorre. Quem é capaz de ler em conjunto? Ou durante um bate-papo entre amigos? Ou ainda ao volante? A prática da leitura exige do leitor concentração absoluta, sob o risco de não se absorver o texto ou então de fazer uma leitura rasa. Nesse sentido, eu, como leitor, dispenso de bom grado a tal praticidade que a tecnologia e os livros virtuais me ofereceriam.
Meira também fez alusão à interatividade inerente à leitura de livros digitais. Lendo um e-book, posso me deparar com uma cena que remeta a algum evento por mim desconhecido, o que não seria nenhum problema, pois eu poderia interromper a leitura e, no mesmo aparelho conectado à rede, fazer uma pesquisa e me inteirar do assunto. E essa é uma possibilidade ad infinitum, de acordo com ele. A pesquisa poderia me levar para outra referência, que, por sua vez, me levaria para outra, e mais outra, e mais outra... Mas nesse caso eu já estaria longe da leitura do e-book, ou não? As sucessivas referências, se por um lado aumentam meu conhecimento, por outro me distanciam do livro, que ficou "parado" no tal evento desconhecido. Pergunto: estamos a ler um livro ou zapeando como a assistir à televisão com o controle remoto na mão? E onde ficou o texto nisso? "Esquecido" na tal cena?
Já Carlos Eduardo Ernanny, empresário e criador da primeira editora de livros virtuais - a Gato Sabido -, preocupou-se em apontar todas as praticidades que os livros virtuais oferecem. O espaço seria um deles. Uma biblioteca inteira pode ser levada no ipod. Os livros virtuais também não rasgam, molham e nem se deterioram de qualquer forma. A preocupação de Ernanny é adaptar o conteúdo dos livros aos tempos modernos. Ora, a meu ver, o que a literatura tem de fascinante, dentre inúmeras outras coisas, é a capacidade de, através da linguagem, se tornar bastante atual. E para isso não é necessária nenhuma tecnologia, nenhum aparelho, nenhuma máquina. Através de sua matéria-prima - a língua -, a boa literatura se faz presente apontando para o futuro; e isso vai continuar acontecendo independente do meio utilizado, seja o papel ou o chip. Agora, convenhamos, de que vale toda a praticidade tecnológica dos livros digitais se o texto - que é o que importa - não acompanhar essa evolução. Será que teremos textos medíocres publicados em tecnologia de ponta? Eu, de minha parte, alheio às modernidades e simpático aos fetiches, prefiro, ainda, o cheiro do livro.

Um comentário:

  1. Em entrevista publicada no jornal O Globo por esses dias, Umberto Eco, dono de uma biblioteca de 30 mil volumes, alguns com mais de 500 anos, disse acreditar na convivência pacífica entre os livros impressos e os e-books. Amante confesso do livro de papel, com o qual "se estabelece uma relação física, carnal, afetiva", como diz, Eco parece crer que os livros digitais não irão substituir nossos velhos conhecidos. Tomara...
    Abraços.

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