Pesquisar neste blog

quarta-feira, 14 de março de 2012

Pensar as artes

Extraordinária a conferência proferida pelo extraordinário Ferreira Gullar ontem na ABL. Para Pensar as artes, seu tema de ontem, Gullar valeu-se de sua experiência e atividade como crítico de arte para se concentrar nas artes plásticas. Cheio de humor, de irreverência e de informalismo, em pouco mais de sessenta minutos ele fez um breve histórico da Renascença até a arte moderna e conceitual.
Segundo ele, há dois tipos diferentes de pensamento sobre arte: o pensamento dos teóricos, que se constrói a posteriori da conclusão da obra, e o pensamento dos artistas, que se dá durante o processo de construção criativa. E foi com extrema argúcia que ele arrancou gargalhadas e aplausos do público ao, na posição de quem pensa a arte já pronta, comentar e ironizar as reflexões dos artistas que idealizaram e praticam a arte conceitual.
Crítico maldito, como se autodefine, pois é avesso à arte conceitual, enumerou algumas razões para sua aversão. Citando Duchamp como um dos exemplos, questionou até que ponto é válida a categorização de arte a um urinol. A retirada de um objeto de seu contexto e a sua exposição em um museu conferem a este objeto um outro paradigma, mas a simples recontextualização de um urinol não deve ser suficiente para outorgar-lhe o conceito de arte. Até porque, para que, neste caso, o urinol seja considerado arte, é necessário que ele seja exposto em um museu. E que vanguarda seria essa que necessita de uma instituição para referendar a sua qualidade artística? Segundo Gullar, o sentido da vanguarda é ruptura, portanto a dependência de um espaço institucional para que a arte seja arte contradiz o que deveria ser o vanguardismo de se considerar arte um urinol. A arte é, por definição, não institucional, e a arte conceitual seria contraditória porque arte não é conceito.
No único momento em que ele deixou de falar de pintura e citou a poesia, disse, mostrando uma folha em branco, que, ao escrever um poema, tudo é possível, pois, justamente, a folha está em branco. Ao escrever a primeira palavra, há acaso, gratuidade, que diminui substancialmente na segunda palavra, que já é fruto da necessidade. Para Gullar, a arte é a vitória sobre o acaso, é transformar a gratuidade em necessidade, e, para isso acontecer, ela não precisa estar vinculada a nenhuma instituição.
Quando a Monalisa foi roubada e ficou desaparecida por cerca de dois anos, ela foi encontrada dentro de uma mala cheia de roupa suja. E, mesmo dentro desta mala, ela continuava a ser a obra-prima de Leonardo da Vinci, não precisava de um museu, tampouco de uma instituição, para ter assegurada sua essência artística. Independente de qualquer coisa, a despeito de onde está exposta, a arte é. Mesmo porque nenhuma arte que se quer moderna pode estar exposta em museu, afinal, se museu é local de "coisa velha", haveria algo mais contraditório do que Museu de Arte Moderna?

Nenhum comentário:

Postar um comentário