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terça-feira, 19 de março de 2013

O livro dos mortos do rock

Acho que todo jovem fã de rock and roll já cantou que seus heróis morreram de overdose (eu mesmo engrossei esse coro). E acho também que isso vinha acompanhado de um sentimento, ou de uma certeza, que a tríade sexo, drogas e rock and roll era um ideal a ser perseguido. Mitificando os grandes astros do rock, o imaginário adolescente encontrava no modus vivendi tresloucado de seus ídolos a rebeldia própria de um estilo mais do que musical, um estilo de vida, flertando com a autodestruição. Como diria Pete Townshend, "não dá pra dizer que é rock se não for de algum modo extremo". Só que o inconsciente coletivo de que os anos 60 e 70 foram uma grande festa e que os astros da rebeldia viveram intensa, radical e felizmente este período é desconstruído por David Comfort em seu O livro dos mortos do rock: revelações sobre a vida e a morte de sete lendas do rock'n'roll. É claro que, se quisermos contabilizar os grandes nomes do rock que já se foram, precisaríamos de uma enciclopédia. O recorte de Comfort abrange Hendrix, Joplin, Morrison, Elvis Presley, Lennon, Kurt Kobain e Jerry Garcia, em ordem cronológica de falecimento.
Esta biografia tem como particularidade humanizar os mitos do rock, explicitando todas as suas fraquezas e imperfeições, explorando um lado não muito conhecido dos rockstars e apontando hipóteses polêmicas para suas mortes, como, por exemplo, o assassinato de Hendrix pelo seu empresário, e o de Kobain por sua esposa, Courtney Love. 
A escolha destes sete nomes não é casual. Há muito em comum entre a vida dos sete, antes e depois da fama. Todos tiveram infâncias difíceis e infelizes; todos cansaram-se da fama e queriam se ver livres do show business; todos mergulharam fundo no universo das drogas. A humanização dos mitos é interessante, dentre outras coisas, porque mostra que a relação com seus fãs não era muito amistosa. As declarações e a conduta de Lennon, para citar apenas um caso, contradizem suas canções e a ideologia de paz e amor. Seu primeiro filho, Julien, perguntava-se por que seu pai, que cantava sobre dar uma chance à paz e sobre o amor, não o procurava nunca - e o odiava por isso, sem falar na impaciência que Lennon nutria por seus fãs, tratando-os arrogantemente. Num estilo de vida antitético à pregação do amor livre e da paz, Hendrix, Morrison, Elvis e Lennon tinham histórico de violência - que incluía surras em suas mulheres.
David Comfort não anula a ideologia hippie, refere-se apenas à vida de seus biografados, mostrando um lado mais sombrio e menos glamouroso de suas vidas. De maneira a entrelaçar e a estreitar suas trajetórias, após cada capítulo, o autor escreve um interlúdio biográfico com a intenção de pontuar e aproximar características afins entre as lendas do rock, num entrelaçamento que os aproxima, seja em suas infâncias, seja na vida amorosa, seja na relação com a música e a fama, seja, ainda, na drogadicção. A respeito da fama, é interessante notar como os empresários atuavam de maneira a não perderem suas minas de ouro, incentivando, inclusive, o uso abusivo de drogas, maneira pela qual a persona era construída e idolatrada. A tentativa de Kobain de sair desse círculo vicioso e abandonar a carreira artística, a fama e o estrelato teria motivado a ambiciosa Courtney Love a planejar seu assassinato, pois ela, de acordo com o biógrafo, sabia que ele valia mais morto do que vivo. Anota o autor que "muitas lendas do rock acabaram se exaurindo fisicamente ou chegaram perto de fazê-lo por serem incapazes ou por não quererem separar a persona explosiva que encarnavam nos palcos da sua vida fora deles". E as inúmeras tentativas que fizeram de quebrar essa corrente encontravam adversários fortes e poderosos ávidos pelo retorno financeiro advindo de suas carreiras - imageticamente ligadas a astros junkies. 
Toda biografia nada mais é do que uma escolha por episódios a serem narrados. A escolha feita por Comfort privilegia uma realidade mais dura e menos brilhante, muitas vezes ofuscada pela genialidade dos sete biografados. Mas, por ser escolha, fica de fora do livro uma (s) outra (s) vida (s) dos mesmos sete artistas que não mereceu destaque - ou talvez por já ter sido suficientemente publicada. Em todo caso, por mais interessante que possa vir a ser conhecer mais amiúde as biografias dessas sete lendas do rock, suas obras valem muito mais do que isso - e são elas que ficaram e ficarão para a posteridade. 
Para finalizar, não saberia dizer se hoje o rock tem o mesmo impacto e o mesmo paradigma autodestrutivo, ainda mais em um mundo cada vez mais politicamente correto. Também parece-me que a vida hoje, de certa maneira, inviabiliza a rebeldia própria do rock and roll, por um lado, mas, por outro, não seria seu leitmotiv, com tantos descasos, desigualdades etc.? Que melhor gênero musical para externar a indignação de nossos jovens do que o rock and roll? Ou será que atingimos um grau de conformidade e resignação suficiente para permanecermos calados? Ou, ainda, a juventude encontrou outras maneiras de manifestação? 
Em todo caso, há sobreviventes dos anos de ouro do rock, muitos dos quais definitivamente afastados das drogas, como Eric Clapton, por exemplo, alcunhado de Deus. Será que, como cantou Lobão, o rock errou? Sei que ainda vale muito a pena ouvir não apenas os sete lendários astros biografados, mas ouvir rock'n'roll visceralmente, como também vale a pena a leitura desse excelente livro.

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