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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Desde que me entendo por gente que sempre presenciei minha mãe escrevendo diários, religiosamente. Naturalmente, minha curiosidade gritava-me para lê-los, mas ela dizia - e continua dizendo - que seus escritos eram por demais íntimos e que ninguém poderia lê-los. Diante da minha insistência, limitava-se a dizer que, após a sua morte, eu e quem mais quisesse teríamos caminho livre até seus segredos inconfessáveis. Desde então que aguardo pacientemente a leitura...
Apesar das nossas incontáveis divergências, de nosso relacionamento difícil e de nossos modos de ver o mundo discrepantes, sempre reconheci que minha mãe é uma pessoa talentosíssima, uma verdadeira artista. A única vez, há anos atrás, que me atrevi a dar uma olhada furtiva num diário que ela havia deixado displicentemente sobre sua mesinha de cabeceira, li um dos poemas mais belos que até então já lera. Isso só aumentou minha ansiedade e minha curiosidade, não apenas para ler coisas lindas, mas, principalmente, para buscar algumas respostas que me ajudem a entender minha mãe e, consequentemente, a nossa relação.
Eis que chego hoje a sua casa para buscar a Maria Eugênia e recebo a seguinte informação: como minha mãe começou a escrever diários aos sete anos de idade, ela comprou um também para a minha filha, incentivando-a a tal prática. Achei ótimo, mas não sabia que datava de tão longa data seus diários. São aproximadamente sessenta anos de diários para ler (aproximadamente porque a idade de minha mãe é um mistério). Mas o choque veio a seguir. Ela, na maior calma do mundo, me disse que rasgou os primeiros anos de sua prática diarista porque não tinha mais onde guardá-los. Como assim?! Como alguém pode rasgar seus diários, o registro único de uma vida, de um pensamento, de um ponto de vista único e intransponível? E eu que estou aguardando todos esses anos para o momento de poder lê-los! O que uma criança de sete anos poderia ter registrado para o futuro? O que a motivara? Quais seus sentimentos, seus anseios e suas perspectivas? Jamais saberei...
Resta-me agora torcer para que ela, antes de morrer, não resolva por fim aos anos que restaram que, segundo ela, são do ano em que ela veio para o Rio de Janeiro e que eu calculo serem uns quarenta, mais ou menos.

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