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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Estudo livre

Desde que defendi meu mestrado, em março de 2010, que não me inscrevi em nenhum curso que demandasse uma dedicação e um estudo mais sistemático e atrelado a alguma ementa e linha de pesquisa. Minhas leituras, desde então, obedeceram a um critério totalmente anárquico e que se mostrou perfeitamente viável - o meu desejo. Não precisava mais ler seguindo uma metodologia de pesquisa, tampouco passar horas diante de leituras que, bem ou mal, me foram indicadas por terceiros. Depois do mestrado, pude encadear leituras que, à primeira vista, não tinham nenhuma correlação uma com a outra; iniciei e terminei livros que sequer eram sobre o mesmo tema; pude ler poesia, prosa, crítica, sem a preocupação de aproximá-los em um texto meu minimamente inteligível e coerente. Foi com esse viés de leitura que em junho de 2011 olhei para a estante e resolvi encarar História social da arte e da literatura, de Arnold Hauser. Lembro que comprei este livro na minha primeira bienal do livro como estudante de Letras, se não me engano, em 1995.
Falando em graduação, sempre acreditei - e fui incentivado a isso - que uma obra de arte, literária ou não, é fruto de seu tempo. Cada quadro, cada livro, cada música, cada escultura etc. só o são como são porque foram produzidos em um tempo dado. Homero não teria escrito A Ilíada e A Odisseia longe da Grécia clássica; Camões só escreveu Os Lusíadas porque vivia à luz da cultura quinhentista; Machado de Assis só é o nosso maior nome literário porque viveu na segunda metade do século XIX; e a escrita cronística dos blogs poderia atingir o seu ápice antes do ano 2000? Pensando na ligação intrínseca da obra a seu tempo e incentivado pela minha anarquia literária, iniciei a leitura do Hauser.
O livro é excelente e cobre a história da arte desde os tempos pré-históricos até a era do cinema. A cultura e a erudição do autor são impressionantes. Nem que eu passasse todos os meus minutos de vida que me restam lendo ininterruptamente, não conseguiria atingir nem um por cento do conhecimento de Hauser. Mas como sou metido, me atrevo a fazer alguns senões. O primeiro é que o livro, naturalmente, ignora quase que solenemente a arte produzida fora da Europa. Antes de entrar na cultura clássica de Grécia e Roma, o segundo capítulo trata das culturas urbanas do oriente antigo, cerca de trinta páginas - e isso é tudo. Naturalmente, o autor aborda - e muito bem - a produção russa, seja literária, pictórica, musical, cinematográfica, mas a Rússia, apesar de ter boa parte de seu território no continente asiático, é tratada mais como um país europeu do que como um país asiático. Os próprios Estados Unidos só são mencionados no último capítulo, quando o cinema está em voga. Para ser justo, é preciso reconhecer que todos os ismos importantes em arte tiveram sua gênese na Europa, mas há muita coisa interessante e de valor, mesmo que importadas da Europa com alguns anos de defasagem, que merecem destaque nas Américas, por exemplo. E acredito valer a pena estudar as "corruptelas" que esses ismos sofreram para além do continente europeu. Também para ser justo, é óbvio que o autor precisou selecionar um corpus e delimitar sua pesquisa, mas isso confere ao livro um quê demasiado elitista, canônico, conservador e tradicional.
Meu segundo senão diz respeito ao objetivo mesmo do livro, isto é, situar, explicar e compreender a arte e a literatura num contexto estritamente social. Arnoldo Hauser se dedicou a escrever a história social da arte e da literatura, portanto seria estranho se não houvesse tal abordagem. Porém, quando iniciei o capítulo referente ao Rococó, Classicismo e Romantismo, comecei a me inquietar com a excessiva explicação social que o autor dá à arte. Sim, ainda acredito que uma obra de arte é fruto de seu tempo. Mas também acredito que uma obra de arte transcende seu tempo e que ela pode ser entendida e apreciada sem seu contexto social. A primeira vez que li O cortiço, de Aluízio Azevedo, por exemplo, ainda não tinha nenhum conhecimento sobre o naturalismo, nem sobre o Brasil de então, mas mesmo com minha ignorância pude gostar do que li. O próprio Hauser parece concordar com isso quando diz que "o ativismo de Dante não exclui uma interpretação puramente estética da Divina comédia, do mesmo modo que o formalismo de Flaubert não impede uma explicação sociológica de Madame Bovary e de Educação sentimental". Como Marx dizia, o mais importante não é localizar a obra temporalmente, mas sim o prazer estético que ela nos proporciona - e isso independe de qualquer coisa, está intrínseco à obra. Meu segundo senão não diz respeito ao livro propriamente, mas a uma compreensão "apenas" social da arte.
Apesar do conservadorismo que o livro pode deixar transparecer e do excessivo viés social para se analisar a arte, História social da arte e da litertura é uma leitura rica, complexa, ampla e muito bem escrita, que vale muito a pena ser lida para quem tiver interesse num estudo livre.

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