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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Quatro cantos

Quatro cantos, de Wanderlino Teixeira Leite Netto, é um livro formalmente irretocável, desde a capa, programação visual e ilustrações, assinadas por Raquel Ponte, até o texto, muito bem escrito. Nele, o autor apresenta um Visitante que faz uma viagem espaço-temporal por quatro cantos: Primavera em Zênite, Verão em Viramusgo, Outono em Amanhecer e Inverno em Solaris. Cada uma dessas visitas corresponde a um conto do livro.
No primeiro, o Visitante conhece Zênite, que, como as outras, é uma cidade fictícia. No entanto, pode-se depreender inúmeras semelhanças com qualquer cidade de nosso tempo, afinal, "os jovens não ignoram: o jogo do poder praticado em Zênite envolve truques, cartas por baixo do pano, blefes, altos cacifes". Assim, podemos compreender em Quatro cantos uma metáfora ao mesmo tempo sutil e crítica a uma sociedade demasiadamente competitiva, consumista e alheia às coisas realmente importantes da vida. O Visitante, elemento extrínseco dessa realidade, flana por Zênite conhecendo e nos dando a conhecer seus personagens e seu modus operandi.
Quando, no verão, o Visitante chega a Viramusgo, depara-se como uma cidade que fora inundada e virara um açude. Com o tempo, a represa secou e a cidade ressurgiu, coberta por um musgo que rebatizou a cidade. O ressurgimento da cidade após a inundação é uma maneira de refletirmos sobre a memória, pois, quando a população precisou retirar-se e encontrar outro local para se estabelecer, foi "para um lugar de quadras simétricas, construções padronizadas. Sem alma, sem fantasmas nas esquinas", isto é, sem reminiscências, sem história. Ao pôr os pés em contato direto com o musgo, o Visitante entra em contato direto com a tradição, conhecendo os locais cheios de vida porque cheios de história, apesar de estarem sem pessoa alguma por perto. Parece que o autor encontrou uma maneira de chamar a atenção para a importância de se manter a tradição, de não permitir que ela seja substituída por uma padronização em várias frentes, como acontece hoje em dia, seja nas artes, nas vestimentas, nos comportamentos.
Amanhecer é a cidade visitada quando chegamos ao outono. Composta por uma única rua, que possui alguns atalhos, a maioria ilegais, notabiliza-se por ser uma cidade onde é impossível sonhar, pois lá não existe o sonho. A única rua da cidade oferece sempre o mesmo caminho, sem alternativas, sem criatividade, inviabilizando, por exemplo, o trabalho da atriz, a primeira das personagens conhecidas pelo Visitante. Em dado momento, ele afirma: "Desde que cheguei aqui, tropeço em contradições". Uma cidade com uma única rua propicia isso mesmo, pois ela é ao mesmo tempo caminho de ida e de volta, chegada e partida, norte e sul. Uma possibilidade de interpretação para este conto e para a cidade com uma única rua, vigiada para que atalhos não sejam criados, é justamente a nossa colonização, pois, submetidos a Portugal, não tínhamos alternativas, liberdade, autonomia.
O inverno em Solaris é a última parada do Visitante. Ele deparou-se com um local com um burocratismo exagerado, onde "nada se resolve sem carimbos e vistos, memorandos e ofícios, favores e propinas". Somado a esta burocracia, há um crescimento vertiginoso de arranha-céus e diminuição de espaços verdes. Alguma semelhança com alguma cidade que conhecemos? O Visitante, nesse cenário, nutria o desejo de conhecer o Pintor, mesmo antes de visitar Solaris, talvez por ser ele capaz de oferecer, via telas e cores, uma realidade já deveras distante.
Dos três livros que já li de Wanderlino Teixeira Leite Netto, Quatro cantos, apesar de ser formalmente muito bem escrito, é o que menos me cativou como leitor. Na minha opinião, falta a este livro a inspiração e a vitalidade encontradas em Retrato sem moldura, por exemplo. Mas, mesmo aquém de suas demais publicações, é um livro que suscita questões importantes e pertinentes.

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