Pesquisar neste blog

sábado, 15 de janeiro de 2022

A propósito de poesia

No início de minha trajetória acadêmica, ainda graduando no curso de Letras da UFF, o professor Paulo Bezerra certa vez disse que é possível escrever um livro inteiro a respeito de um único poema. Noamtei, desde então, que a riqueza e a complexidade presentes na poesia de fato suscitam discussões várias capazes de preencher toda uma argumentação crítica em livro. Apesar de leitor de poesia e de ter publicado três livros de poemas (e ter mais dois prontos, ainda inéditos), jamais me dediquei a pesquisar poetas e suas respectivas poesias. Recordo-me que, na graduação, em curso oferecido por Célia Pedrosa, escrevi uma monografia sobre Manuel Bandeira. E só, se a memória não me trai. Desde sempre me concentrei na prosa, desde a graduação e em todo o meu percurso de pós-graduação. Nem mesmo os apelos de Elisa de Castro a que eu me dispusesse a trabalhar criticamente os versos surtiram efeito.

Talvez a razão para essa negação se deva em função de minha própria produção de poesia. Acredito que a poesia, ao menos para mim, é objeto a ser lido, escrito e internalizado, para dessa forma se externar como visão de mundo e de vivência. Teorizar acerca dela é demasiado difícil justamente por causa da sua infinitude. Ao contrário da prosa, ponto final não há na poesia.

É muito comum hoje afirmações tidas como certeiras sobre o fato de que ninguém lê poesia (se em comparação com os leitores da prosa), que publicar poemas é cada vez mais difícil etc. Adorno chegou mesmo a se questionar se ainda é possível escrever poesia depois de Auschwitz, como se após tamanha barbárie não restasse mais espaço para ela. 

A respeito das problematizações acerca da poesia, e aqui me refiro à contemporânea, parece unanimidade, entre críticos, afirmar que após o fim da ditadura militar vivemos um momento pós-utópico, termo cunhado por Haroldo de Campos e retomado por Flávio Carneiro. De modo bastante sintético, a poesia e a literatura a partir de então não teriam mais um denominador comum, um projeto estético definido, como até então havia. São várias as estéticas que se harmonizam e convivem pacificamente, dificultando a designação de um mesmo e comum ismo que aglutinasse todas sob o mesmo diapasão. 

Marcos Siscar, em Poesia e crise, propõe-se a refletir sobre essas "verdades" professadas à exaustão sobre o fazer poético. De forma bastante instigante, ele escreve sobre a crise da poesia em vários artigos anteriormente publicados autonomamente e enfim reunidos em livro. A leitura de Siscar descortina e desfaz certos chavões considerados inabaláveis pela crítica especializada e oferece uma rica teorização sobre o que seria a crise da poesia. Segundo o autor, a partir de Baudelaire a literatura "já não expressa seu amor pela 'verdade' (...) mas pela 'mentira', pela 'maquiagem'". Seria essa uma razão contrária à poesia? Ou não seria justamente algo a seu favor? Pensar a crise da poesia é um exercício retórico improfícuo, pois "'a poesia' não é exatamente aquilo que está em crise, mas é o nome da própria crise, daquilo que se impõe e explicita a experiência do impasse e dá forma ao escrito, a qualquer forma de escrito, inclusive o da crítica literária". A crise da poesia, surgida desde Mallarmé segundo Siscar, é fundamental para tudo o que se escreve portanto.

Não é factual, pois, que a poesia atual seja de menor importância estética, muito ao contrário. Qual a finalidade da poesia? Há finalidade? Que os críticos (em crise) se apressem em responder.

Nenhum comentário:

Postar um comentário