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terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Crítica pós-colonial: panorama de leituras contemporâneas

A questão da nacionalidade permeia os estudos literários brasileiros. Todo manual de história da literatura brasileira inicia com a Carta de Pero Vaz de Caminha e prossegue com os sermões jesuítas, o Barroco e assim por diante, mesmo que ainda não fôssemos um Estado-nação independente. Apesar de o Arcadismo apresentar as epopeias de Santa Rita Durão e Basílio da Gama, que tematizam o indígena, ainda é pouco para se falar em literatura nacional. Lembremos que Antonio Candido, na Formação da literatura brasileira, não considera o arcadismo como literatura genuinamente brasileira. 
Com os românticos indianistas, escrevendo pós independência, procura-se uma literatura desvencilhada da de Portugal e os índios figuram como os genuínos brasileiros em sua gênese. É demasiada conhecida a controvérsia dessa designação, portanto não me ocuparei em problematizá-la. 
Posteriormente, foram os modernistas de primeira hora, capitaneados por Mário de Andrade, que se autoproclamaram os fundadores de uma consciência nacional, criticando os românticos pelo academicismo que imperava em nossas letras. Nem mesmo "Instinto de Nacionalidade", antológico ensaio de Machado de Assis, defendendo o sentimento íntimo como premissa para uma literatura nacional, foi capaz de apaziguar a iconoclastia de Mário e Oswald de Andrade. A língua portuguesa necessitava dar lugar ao idioma brasileiro, conjugando as três raças responsáveis por nossa miscigenação, inclusive idiomaticamente, como necessárias para uma literatura de fato brasileira. Macunaíma, nesse sentido, é exemplar da tentativa marioandradina dessa constituição nacional. Igualmente são várias as problematizações a serem feitas nesse sentido e aqui não pretendo encetar essa discussão.
Seja no romantismo, seja no modernismo, por mais válidas que possam ter sido a inclusão de índios, no primeiro caso, e de negros, índios e brancos, no segundo, a pena era de homens brancos, europeizados (a descendência indígena de Gonçalves Dias é de pouca relevância no sentido de se pensar seus poemas como integrantes de uma poesia indígena; Oswald de Andrade, como é sabido, descobriu o Brasil em visita ao velho continente e Mário "copiou" seu romance-rapsódia de um germânico).
Que Brasil somos afinal? Para se pensar essa questão com mais profundidade, é necessário, finalmente, ler/ouvir a história de negros e índios sob a luz dos estudos pós-coloniais. É cada vez mais crescente textos literários escritos por índios e negros, assim como autores periféricos que conferem maior legitimidade ao que se convencionou chamar de lugar de fala. Crítica pós-colonial: panorama de leituras contemporâneas, organizado por Júlia Almeida, Adelia Miglievich-Ribeiro e Heloisa Toller Gomes, reúne excelentes ensaios sobre essa questão, escritos por pesquisadores de campos epistemológicos diversos, como sociologia, antropologia, história, literatura, ciências econômicas, ciências sociais.
O livro é dividido em quatro partes, de maneira a tornar o tema o mais diversificado possível. Assim, ao leitor pouco familiarizado com os estudos pós-coloniais, há uma rica e plural informação, de maneira a torná-lo mais íntimo sobre o assunto, muito em voga na contemporaneidade. O Brasil que de fato somos distancia-se daquela visão eurocêntrica e problematiza a forma como fomos catequisados, para utilizar expressão de Oswald, e oferece possibilidades críticas contra a colonização. 
Pensar o índio pré-colonização, como pretendeu Alencar em Ubirajara, por exemplo, talvez pouca serventia tenha, pois no momento em que os portugueses aqui aportaram houve uma inter-relação e aculturação impossíveis de serem negadas. Obviamente isso ocorre também com os negros. Por mais importantes que tenham sido, ainda no século XIX, os escritores antiescravagistas, como Castro Alves, para citar apenas um, ninguém melhor do que um negro para pensar e refletir sobre a negritude. Mas não basta ser negro. É preciso escrever sob essa ótica. Machado de Assis, por exemplo, dificilmente poderia ser incluído no rol de uma literatura escrita por negros, pois ele sofreu, mesmo em sua época, processo de embranquecimento além de pouco escrever sob essa condição. Naturalmente, o mesmo ocorre com toda a América. Pensar literatura, hoje, sem levar em conta o intercâmbio entre colonizadores e colonizados é primordial para se ter uma compreensão mais abrangente de como se fazem ouvir vozes sempre silenciadas. E, inclusive, repensar a estética cuja orientação é europeia.

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