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terça-feira, 7 de setembro de 2010

O circo*

Seria uma manhã como todas as outras. O sol quente nos asfalto, a bibicleta transportando caboclos na estradinha de barro, o capim seco esperando a vaca ter fome, o vento brincanco com os chapéus de palha... Mais um dia sossegado não fosse a estranha lona.
Uma única família. Chega desapercebida e instala-se num terreno qualquer que mereça sonho e alegria. Sim, alegria! Dois traillers, um caminhão e um carrinho transportam a aparelhagem. São meninos, velhos, mulheres, que, em meio aos latidos intrigados dos cachorros vadios, ajudam a erguer o castelo. Martelos, pregos, tábuas vão se agrupando em bilheteria, arquibancada, trapézio.
É noite. As melhores roupas do vilarejo desfilam para o magnânimo evento. Os homens trocam a enxada e a camisa aberta ao vento pela vestimenta dominical. As mulheres, vaidosas, se perfumam e se maravilham como Glórias Menezes, enquanto as crianças agradecem a oportunidade de usar um par de sapatos.
Respeitável público!!
Enfim é dado o tão esperado cumprimento. A adjetivação dada ao público ecoa até seus corações; já não são mais simples camponeses que se contentam apenas com uma garrafa de cachaça ou com as fantasias das novelas. São respeitáveis!
Vem a trapezista. Aquela mesma moça que estava na bilheteria com um sorriso humilde, conveniente a esta gente artista. Com desembaraço ela vai às nuvens naquele trapézio simples, pobre, tão rico... E é com sentimento de dever cumprido que recebe a ovação do público encantado. Bravo! Bravo! E como num passe de mágica vêm os palhaços, o vira-lata amestrado, a dançarina, a mulher que cospe fogo, o apresentador-palhaço-trapezista-dono-do-circo, e até uma cabrita equilibrista. Tudo tirado de sua cartola de fantasias. O público, ah! o público!, são semideuses a gozar as maravilhas do fantástico... Gritos, aplausos, assovios, lágrimas, brilho. El grand finale! Uma comédia da qual participam todos os saltimbancos. Bravo! Bravo!!
O espetáculo finda. Os semideuses voltam às suas casas não antes de brindarem à vida noite adentro.
Dormem. Sonham. Acordam. No dia seguinte, o sol quente no asfalto, as bicicletas transportando caboclos na estradinha de barro, o capim seco esperando a vaca ter fome, o vento brincando com os chapéus de palha.
* Escrito em 7 de abril de 1995 e publicado em 2004.

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