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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Teve início ontem, na ABL, o ciclo de conferências Contar a vida alheia. O primeiro encontro foi com a historiadora Mary del Priore, que falou sobre "Caçadores de almas: biógrafos, biografias e história". Bom, contar a vida alheia é, desde sempre, o que a literatura e a história fazem. E ontem Mary del Priore justamente aproximou essas duas disciplinas, uma vez que seria impossível, como queria a história, narrar a vida de alguém com premissas científicas, simplesmente porque a história também se vale da narrativa para construir a sua verdade. O máximo que um historiador conseguiria, mesmo respaldado por documentos que lhe assegurariam fidedignidade sobre os fatos narrados, seria a construção de uma verdade discursiva, não da verdade inquestionável. As biografias, que repousam entre o trabalho jornalístico, histórico e literário, ao mesmo tempo que seriam um documento asseverando a verdade contida no relato - principalmente se pensarmos no pacto autobiográfico de Lejeune -, também suscita dúvidas sobre o mesmo relato, já que o biógrafo utiliza também sua memória, sua imaginação, suas escolhas, enfim. Nesse sentido, na construção de um texto, seja ele biográfico ou não, poderíamos dizer que se trata, no final das contas, de ficção. É essa uma questão bastante ampla e complexa, com várias direções a serem tomadas, mas não me ocuparei delas no momento. Basta, por ora, situarmos a biografia num entrelugar entre história, literatura e jornalismo, agregando para si características dessas três construções discursivas.
Uma questão que vale a pena sublinhar é o interesse que a vida alheia desperta em nós, principalmente na atualidade. Programas televisivos e revistas de fofocas promovem uma maciça exposição da intimidade alheia, que encontra no público pronta receptividade, como se não soubéssemos mais viver sem as notícias dos famosos, ou melhor, como se elas nos fossem imprescindíveis para a constituição de nosso próprio eu. Pautamos nossas condutas de acordo com as fotos das revistas e com o comportamento real encenado em Big Brothers da vida. Talvez essa seja uma ferramenta eficaz para a produção de corpos dóceis, para a produção de subjetividades, para o agenciamento de desejo da nossa sociedade de controle, como pensou Deleuze. Uma última questão para finalizar. O que despertaria interesse, afinal de contas, no modo de vida de um anônimo, de um BBB, que, muitas vezes, para não dizer todas as vezes, é ridícula, nada edificante. O Sr. José, por exemplo, personagem de Todos os nomes, do Saramago, ocupava-se colecionando informações biográficas de pessoas famosas na construção de suas biografias. Era um hobby seu - a ocupação com a vida alheia. Mas a ocupação com a vida alheia de pessoas já famosas - não vou entrar no mérito da seleção - poderia se explicar justamente por serem pessoas famosas. Até o dia que o acaso lhe colocou nas mãos a vida de uma mulher de 36 anos totalmente desconhecida. E o seu interesse adveio justamente do seu desconhecimento - era preciso conhecê-la, afinal agora somos todos indivíduos, todos temos um nome, saímos da massa anônima da sociedade de soberania para atingirmos alguma importância na sociedade disciplinar e na sociedade de controle. Segundo Sr. José, "para a Conservatória Geral do Registro Civil não existem assuntos íntimos". Vamos continuar vigiando e sendo vigiados... Assim que eu finalizar o romance venho escrever as minhas considerações. Até.

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