Pesquisar neste blog

sábado, 2 de outubro de 2010

Carta para o meu amigo Walter

Querido Walter, depois de tantos anos de amizade, essa é a primeira vez que lhe escrevo, motivado, é verdade, por conversa com nosso amigo Silviano. Você sabe que sou bastante reservado, homem de poucas palavras, caseiro, indesejoso de incomodar, vivo sempre quieto no meu canto. Mas a figura serelepe do esforçado Silviano, todo feliz com o retorno e as benesses de sua correspondência, não me sai da cabeça e me motivou a também escrever-lhe, querido amigo. Não, não pretendo acusar-lhe, como fez o ingênuo Silviano, de qualquer participação e responsabilidade pela perda da minha aura; sabemos que esse assunto, nos dias de hoje, já é ultrapassado, deixemos a pós-modernidade sossegada com seu desassossego. Esta carta pretende apenas justificar-me por uma decisão que, se mal interpretada, pode arranhar nossa amizade.
Você bem sabe que, mesmo à distância, sempre mantivemos contato, nunca nos apartamos por completo. Mas você também sabe que meu espírito reclamava um convívio mais próximo, mais estreito, talvez por carência ou ciúme. Não bastava saber que você sempre esteve pronto para me ouvir e me responder, era necessário diminuir a distância. Foi com esse desejo e essa necessidade, Walter, que me inscrevi no curso Visões da literatura a partir de Walter Benjamin: memória, trauma, testemunho. Dessa maneira, pensei, finalmente estaríamos mais próximos, e nossas conversas receberiam novas e valiosas colaborações. Lucraríamos todos, assim, com o intercâmbio de experiências. Você e eu.
Infelizmente, meu amigo, não pude dar cabo à iniciativa e precisei cancelar o curso, após algumas poucas aulas, e gostaria de eu mesmo comunicar-lhe as razões, para que não falte lisura no nosso relacionamento. Deixe de tolices, imagino que seria isso o que você me diria, do seu jeito ao mesmo tempo rabujento e brincalhão, mas já que comecei, deixe-me terminar. Você bem sabe que minha vida é bastante corrida, que tenho muita dificuldade em me adaptar à correria dos novos tempos, que muitas vezes me perco no meio de tanta tecnologia que, no meu caso, mais atrapalha do que ajuda. Sou um espírito velho, Walter. Mas tento, faço um esforço danado para conseguir cumprir todas as minhas atividades de modo louvável. Muitas vezes sinto-me como um equilibrista chinês, tentando dar conta da minha vida acadêmica, das tarefas domésticas, das minhas duas filhas, trabalho, lazer, matrimônio. Modéstia à parte, de um modo geral sou bem sucedido nas minhas atividades, mas fracassei com o curso, querido amigo. Não estava sendo mais possível ir e voltar da PUC em tempo hábil. Para eu conseguir vencer o trânsito, a distância e a impaciência para atravessar a cidade, eu precisaria abrir mão de outros compromissos igualmente importantes para uma vida pós-moderna. Não ria, a pós-modernidade é sim uma realidade hoje, quem diria, não é verdade? É certo que muitos ainda sentem dificuldades em saber o que é realmente a pós-modernidade, mas deixemos isso de lado por ora.
Querido amigo, terei que me contentar com nossa velha forma de diálogo, que, diga-se de passagem, sempre foi muito proveitosa. Divirta-se com os demais benjaminianos que prosseguem no curso e, vez por outra, mande saudações minhas. Você sabe onde me encontrar, estarei sempre à sua disposição. Walter, vou ficando por aqui, pois ainda preciso tratar de assuntos pendentes e que carecem de uma solução imediata. Gostaria de ter mais tempo para lhe escrever, mas a falta de tempo parece ser uma tônica na correria do século XXI. Você, que sempre refletiu sobre a literatura, se espantaria de saber das novas formas de prática literária deste início de século. Depois, com mais vagar, escrevo a respeito para pensarmos juntos essa questão. Com afeto, um abraço de seu amigo Bruno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário