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terça-feira, 30 de agosto de 2011

No princípio era o verbo

Em 1990, passei o verão em Natal, como sempre fazia. Praia, farra, garotas, curtição. Nada mal. Mas como tudo que é bom dura pouco, retornei ao Rio, lar doce lar. Eis que um belo dia chega em casa uma carta endereçada a mim, mas cujo remetente me era desconhecido. Sem dúvidas, abri o envelope e li a primeira, de muitas futuras, carta de minha mais nova amiga: Janaína. Ela dizia que era amiga da Marcia (acho que era esse seu nome), uma namoradinha de verão da casa vizinha da praia de Búzios, onde estava hospedado. Contava que a Marcia não parava de falar em mim e, curiosa, quis saber quem era o carioca que provocara tanto entusiasmo em sua amiga. Acho que não preciso dizer onde foi parar minha vaidade adolescente. Quer dizer que eu era capaz de causar tamanho entusiasmo numa garota?! E mais: uma outra garota se interessou pelo relato a meu respeito?! Sem pensar duas vezes, respondi a carta e dei início à minha primeira amizade virtual, muito antes da febre internáutica dos chats e das redes sociais.
Janaína e eu nunca nos vimos, mas mantivemos, ininterruptamente, contato estreito de 1990 a 2007, momento em que as cartas se interromperam, sem motivo. Nunca houve nenhum interesse velado por trás das correspondências, apenas o desejo sincero e a preocupação genuína por um amigo. Acho que essa é a minha amizade mais autêntica, menos interesseira.
E aí penso no poder do discurso. A começar pelo discurso da Marcia, que, sabe-se lá o que disse, foi o suficiente para despertar o interesse da Janaína em me conhecer. Depois o da Janaína e finalmente o meu, que se baralharam em dialogismo.
A Janaína foi, durante um tempo, uma das pessoas mais íntimas que eu tinha. A começar porque ela não tinha rosto. Na carta, fazia-me personagem sem máscaras, sem receios, sem pudores. Na carta, fazia-me eu mesmo. Assim, sem intermediações. E sou eu em estado mais bruto, menos lapidado, construído textualmente (?!) O Bruno que a Janaína conhece. O eu.
Nesse tempo epistolar, mudei de endereço e fiquei me perguntando se foi essa a razão de nosso desencontro. Mas no meu antigo apartamento não chegou nada. Eventualmente, quando chega alguma correspondência perdida por lá, os novos moradores me avisam prontamente. E nada da Janaína. São quatro anos sem cartas. São quatro anos sem discurso. São quatro anos sem eu em meu estado mais bruto.
A única tentativa que fizemos de passar das cartas aos e-mails não deu certo. Devo ter anotado o e-mail errado, sempre voltava. Mas eis que, como da primeira vez que chegou uma carta inesperada com um remetente desconhecido, chegou ontem um e-mail de um remetente bastante conhecido. Era ela! Quis saber como eu estava, por onde andei, o que fiz, se ainda estava vivo. Respondi apressadamente, atrasado para um compromisso, para variar. E hoje, finalmente, retomamos o nosso diálogo interrompido. Das cartas aos e-mails. Primeiro fiquei um tanto reticente quanto a esse novo modo de comunicação, mas abri mão da tradição e me rendi às facilidades da tecnologia.
Quatro anos de ausências a serem supridos pelo discurso. Construção de realidades, de significados, de significantes, de identidades. Construção de um eu. Mais eu do que nunca. Ainda temos muito o que conversar, Janaína, mas que bom que nos reencontramos. Sem nunca termos nos encontrado antes. Voltei a Natal outras vezes, outros verões, mas ela não é de lá. Como eu, também estava de férias. Era de outra cidade, outro estado. E tudo começou com o discurso da Marcia. No princípio era o verbo.

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