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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Perspectivas da crítica literária

"Quem não sabe fazer critica". Esta é, infelizmente, uma afirmativa muito comum, que confere à crítica não uma obra em si mesma, mas tão-semente o fruto da incapacidade artístico-estilística de quem a produziu. Há algumas considerações em torno desse embate entre obra de arte e crítica especializada que merecem ser debatidas. Em primeiro lugar, quando se critica o crítico por apresentar seus pontos de vista sobre determinada obra, parece-me que o que se está querendo dizer é: "a obra está aí, quem você pensa que é para querer falar alguma coisa a respeito? Ao invés de apontar qualidades e defeitos, por que você não faz melhor?" Este pensamento, além de minimalista e reducionista, não compreende o alcance que uma crítica tem, ou pelo menos deveria ter.
Penso que quando alguém se propõe a escrever uma crítica, o que se está em jogo não é simplesmente dizer se a obra é boa ou ruim, tampouco atacar pessoalmente o autor - que, se é meu amigo, será ovacionado. Um exemplo desta prática encontramos em Silvio Romero, que, simplesmente por ter se indisposto pessoalmente com Machado, passou a criticar negativamente sua obra e a enaltecer a de Tobias Barreto, de quem era amigo. Ora, o crítico não deve partir para a análise de uma obra com a intenção prévia de elogiá-la dependendo do seu círculo de amizades sob o risco de uma, nas palavras de T.S. Eliot, superestimação ridícula.
Mais do que dizer se uma obra é boa ou ruim - e, naturalmente, os porquês -, o que a crítica séria deve propor são ideias. O que determinada obra oferece para a construção de significados, para o conhecimento de mundo que se forma a partir dela, para saberes que se solidificam, para rupturas estéticas que a obra sugere, para a formação de um ethos de determinado espaço/tempo são apenas algumas questões que podem estar contempladas em uma crítica séria. E, aí sim, esta não é "apenas" uma crítica, mas uma outra obra, autônoma e plural.
E quais são os espaços para a crítica hoje? Segundo José Luís Jobim, que iniciou o ciclo de conferências Perspectivas da crítica literária, nesta terça-feira última, na ABL, com a conferência Crítica literária: questões e perspectivas, a mídia impressa, a universidade e a internet são espaços que ainda abrigam a prática da crítica especializada. Mas o tipo de texto que se veicula nesses espaços difere bastante.
Nos jornais e revistas especializadas, como também nos blogs, de um modo geral, o tipo de texto é mais sintético, menos analítico, simplesmente por estarem num formato que não comporta extensos estudos sobre os horizontes que podem se abrir a partir de determinada obra. Normalmente, a crítica restringe-se a resenhas e a apresentações, sem maiores aprofundamentos. Por outro lado, os textos escritos por e para universidades têm a capacidade de esmiuçar a obra, apontando caminhos a serem seguidos. Não se trata de dizer que estes últimos são melhores porque mais analíticos, mas simplesmente evidenciar que há leitores com interesses diversos e que encontram formatos textuais que se coadunam aos seus interesses. Outra importância da universidade, de acordo com Jobim, é a formação de um cânone, que será perpetuado pelos professores que saem dos cursos de Letras e que, agora docentes dos ensinos fundamental e médio, irão multiplicar o número de leitores deste cânone formado.
Durante a fala de Jobim, naturalmente, muitas outras considerações acerca da crítica literária foram abordadas, desde a problematização da construção do cânone, que obedece a critérios como número de horas/aula, até o "poder" que um crítico tem de vetar ou de referendar determinado autor e determinada obra, sem que esqueçamos que o crítico também pode se equivocar sobre o seu veredito. Mas, para mim, este ciclo de conferências sobre a crítica literária oferece grande oportunidade para que se entenda, definitivamente, a crítica como um tipo de texto capaz de descortinar novas possibilidades de leituras, capaz de mostrar novos caminhos a seguir - muitos deles, inclusive, impensados antes da própria crítica - e, finalmente, a crítica como um texto outro, livre, autônomo, irrestrito, transcendente.

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