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sábado, 24 de setembro de 2011

Amador

Não conheço o fim. Como poderia conhecê-lo? Ainda não cheguei lá, mal comecei. O fim é distante. O problema é que acho que deveria saber qual é o fim, para, só então, chegar nele. Muitos escritores profissionais dizem que só iniciam suas narrativas quando sabem como elas finalizarão. Talvez por isso eu não passe de um amador. Nunca sei para onde o texto me leva. Coloco-me, quando escrevo um texto, na posição de passageiro, conduzido pelo texto-condutor - senhor de si, soberano. Para onde ele me levará, não sei. Sou apenas um amador que rabisca algumas linhas, geralmente tortas. Mas para aliviar meu complexo amadorístico, ouço outros escritores, profissionais, que dizem que seus personagens têm vida própria; que, uma vez criados, fazem o que querem de suas sagas, dando pouca ou nenhuma importância à opinião do autor. Ora, mas se os personagens têm vida própria, como pode saber o fim o autor? Seria ele Deus? Mas, dizem, Deus ofereceu o livre-arbítrio às suas criaturas, nem Ele sabe, portanto, qual seria o fim. E eu continuo desconhecendo o fim, impossibilitando minha narrativa, que vai se construindo assim, a deus dará. De qualquer jeito.
Não que eu seja um grande escritor, que tenha uma produção - para os padrões amadores - bastante profícua. Não, longe disso. Às vezes, quando dá, quando tenho tempo, e inspiração - sobretudo inspiração -, ponho-me a escrever. Qualquer coisa, afinal, nunca sei para onde o texto me leva. Apenas escrevo. Como a obedecer uma necessidade. Então, para minha angústia e meu deleite, aproximo-me e distancio-me dos escritores profissionais. Aproximo-me porque, já ouvi dizer, muitos escritores escrevem porque necessitam escrever. Para eles, esta seria a resposta mais exata para explicar sua atividade literária. Como se ela fosse uma espécie de mediunidade, como se o escritor não tivesse escolha e, ao receber a "inspiração", pusesse-se a escrever. Por outro lado, há escritores também - e dos bons - que dizem não acreditar em inspiração. O texto seria resultado de transpiração, trabalho, labuta, disciplina - e eu aqui me distancio dos escritores. Volto a ser um reles amador. Não tenho tempo para me dedicar com afinco à literatura, não posso praticar horas a fio minha redação leviana. Isso poderia servir de álibi para minha falta de talento, mas, confesso, mesmo que tivesse todo o tempo do mundo, que me pusesse todo santo dia a escrever e escrever e escrever, não chegaria nunca a concluir um romance. Por quê? Sou muito preguiçoso. E desconfio que dê muito trabalho escrever um romance. Por isso tenho apreço pelas crônicas. Com os textos curtos me dou bem - o fim é menos longínquo.
E assim vou indo, para onde nunca sei, mas sempre em frente. Muitas vezes circularmente, é certo. Antes, porém, que isso soe como uma autocrítica, me regozijo com Borges. Sim, muitas vezes circularmente - amadoramente, claro -, mas eu também posso. Pelo menos eu posso me dar o direito de apreciar o (pouco) que escrevo. Não é sempre. Normalmente não gosto do resultado de meus textos - quando finalmente ponho o ponto final. Às vezes o fim encerra uma peregrinação sem sentido; outras vezes o fim me envergonha, engrossando a fileira de arquivos impublicáveis contidos no meu computador. Mas em algumas raras vezes aprecio o fim. Gosto do que leio, e até releio. Como amador que sou, tenho que ser meu leitor, num exercício esquizofrênico. Para agradar o eu autor, o eu leitor se apresenta, deixando na sombra o eu crítico. E assim os eus vão se harmonizando, se sobrepondo.
O horizonte está próximo, antevejo o ponto final. Mas antes que ele, autoritariamente, dê fim a este textículo, relembro a quantidade de rabiscos - em prosa e em verso - que já escrevi sobre a prática literária. Inúmeros textos meus giram em torno de uma metaprodução. Parece ser hora de dar um desfeixo psicanalítico para esse problema. Quem sabe deitando-me - novamente - no divã, eu não supere isso. Afinal, não sou um escritor profissional, não tenho editores, revisores, leitores. Mas Kafka também não, em vida. Amadoristicamente, ponho o ponto final.

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