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segunda-feira, 30 de julho de 2012

A bagunça nossa do meu dia a dia

Quando eu era solteiro, era a pessoa mais desorganizada que eu conhecia. Nada tinha lugar e tudo era uma enorme bagunça. Eu justificava-me dizendo que se arrumassem minha zona eu jamais voltaria a encontrar alguma coisa, que eu me entendia na minha bagunça. Como se eu realmente encontrasse o que quer que seja... Minhas coisas simplesmente desapareciam. Como eu sempre vivia meio que no mundo da lua, dava pouca ou nenhuma importância para o caos do meu quarto. Mas um dia eu arrumei uma namorada, mulher bonita, gostosa, inteligente e... extremamente organizada. Dessas que têm toc. Um horror. A primeira vez que ela foi ao meu antigo quarto de solteiro, por muito pouco não entrou em colapso. Quando abriu meu guarda-roupa, sentou-se na cadeira da escrivaninha - que servia também como cabide -, contraiu todos os músculos do rosto, e, enquanto uma lágrima escorria pela face, exclamou, entre os dentes, "Meus Deus, o que é isso!".
Nesse exato momento, depois que ela não saiu correndo e ainda se dispôs a arrumar "aquilo", percebi que ela ou muito me amava ou que era muito doida. Hoje, transcorridos alguns bons anos, percebo claramente que sou muito amado, mas que ela é extremamente louca. A minha desorganização está para mim como a loucura está para ela. Mas, voltando ao que interessa, ela conseguiu arrumar meu guarda-roupa. Descobri que vários livros que eu achava que estavam perdidos se encontravam, na verdade, naquela espécie de terceira dimensão. Havia, claro, roupas também, muitas das quais não eram vestidas há anos, do mesmo modo que saíram de dentro do meu guarda-roupa bolsas, cadernos, walkman, discos ainda em vinil, fitas cassetes e algumas pornôs, uma televisão, um velotrol e outras coisinhas...
Enquanto ela arrumava, dobrava, reagrupava, organizava e me lançava olhares recriminatórios, eu fumava sentado no chão da parede oposta, de cabeça baixa, pensando no que eu tinha me metido. Mas aí lembrava do sexo, respirava fundo e acendia outro cigarro. O próximo passo foi a escrivaninha, que já não era mais utilizada por pura falta de serventia. Havia de tudo nela, inclusive absorventes íntimos, que eu não soube explicar o que faziam ali. Depois de um dia inteiro na "operação organização", descobri que eu tinha um quarto espaçoso, arejado, limpo e... organizado. Se eu não fosse testemunha ocular da obstinada arrumação de minha namorada, sairia pela porta com a certeza de ter entrado em um outro apartamento.
O tempo passou e a gente acabou casando - era a ratificação de sua loucura. Mas, ao invés de jurar para um padre toda aquela baboseira de "até que a morte nos separe", precisei jurar de pé junto, sobre a Bíblia, que passaria a viver mais organizadamente. E jurei. E ela acreditou.
Nos primeiros meses consegui, com ajuda de Deus - foi quando soube que Ele existia - manter as coisas em seu devido lugar. Mas só eu sei o sofrimento que era retirar alguma coisa da gaveta e depois recolocá-la na mesma gaveta. Isso ainda era melhor do que ouvir o sermão que viria depois. Lembro de uma vez que deixei, depois de beber um copo de coca-cola, o dito cujo no chão ao lado do sofá. Só faltei apanhar, após ouvir um discurso inflamado e veemente de que "todas as coisas tinham o seu devido lugar". E novamente pensava no sexo, me calava e seguia adiante.
Mas se havia descoberto a existência de Deus, descobri, após o primeiro ano, que o diabo também existia. Foi ele quem me devolveu a minha desorganização caótica. Ela ressurgiu aos poucos, com meias e tênis abandonados no meio da sala. Em seguida veio a toalha molhada sobre a cama. Os copos eram deixados onde quer que eu estivesse após o último gole. E os cinzeiros viviam embaixo de qualquer coisa. O golpe de misericórdia veio, porém, no dia em que ela ia guardar minhas roupas passadas no nosso guarda-roupa e caiu de lá um violão em cima da cabeça dela. E eu ainda reclamei da desafinação proveniente de sua desatenção. Aí ela sentou, abaixou a cabeça, respirou fundo e... pensou no sexo. Acabou desistindo de sua mania de arrumação, graças a medicamentos prescritos por nosso psiquiatra. Pois é, casal unido frequenta o mesmo psiquiatra.
Como ela, agora mais calminha por causa das tarjas pretas, parou de se preocupar com minha bagunça, a coisa ficou crônica. E cronificou-se com a melhor de minhas boas intenções. A gente conseguiu comprar um apartamento maior e aí um dos cômodos passou a ser o meu escritório. Só meu. Território que deveria ser respeitado e que concetraria a minha bagunça. Prometi, cheio de amor e de compaixão, que manteria o restante da casa em ordem. O problema é que ela respeitou o acordo e não entrava lá nem para arrumar eventualmente a desordem instalada. Em pouco tempo, a realidade do meu quarto de solteiro reapareceu. Não conseguia mais trabalhar, tampouco entrar, em meu escritório. Minha mesa de trabalho tinha de tudo e eu não me achava mais. Como sou dado a ideias brilhantes, transferi meu escritório para o nosso quarto. Nos primeiros dias, diante das reclamações exasperadas de minha mulher, eu jurava que manteria as coisas "arrumadinhas". Em pouquíssimo tempo, entretanto, ela não tinha mais espaço para deitar na cama.
Hoje, depois de vencer o toc dela com o meu caos, saio todo fim de semana para visitá-la numa clínica de repouso. E, quando penso naquele primeiro dia no meu quarto de solteiro, me convenço de que eu tinha razão: ela é realmente louca. Não fosse, estaria em casa comigo, pessoa normal e ajustada. Apenas lamento quando penso no sexo...

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