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quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Bruxo e a Princesa

Era uma vez, numa Floresta Encantada, um Bruxo muito bonzinho que adorava viver longe de todas as pessoas. Sua única companhia era a de seu fiel amigo, o Pássaro Mágico, sempre a postos para ajudar o Bruxo em tudo o que ele precisasse. Nem mesmo os animais da floresta conseguiam se aproximar do Bruxo, cada vez mais isolado, sem dar papo para ninguém. Todos os dias ele fazia a mesma coisa: acordava, dava um passeio até o lago, cuidava das flores, exercitava seus poderes e admirava a natureza ao seu redor. Nem mesmo com o Pássaro Mágico ele conversava muito. Assim, os dias se sucediam sem que nada de novo acontecesse.
A Floresta Encantada era muito grande e bonita, cheia de animaizinhos silvestres e felizes, mas, no extremo sombrio da Floresta, havia um morador muito malvado e infeliz, que não podia ver ninguém sorrindo que logo se zangava. Era o Monstro de Sete Cabeças, um monstro muito feio e solitário, incapaz de ver beleza em lugar nenhum. Ele passava os dias pensando numa maldade para fazer, mas nunca conseguia atingir seus objetivos. Até que um dia ele conseguiu realizar seu plano mais sinistro: sequestrar a Princesa e obrigá-la a ser sua esposa.
O Bruxo, no dia do sequestro, pressentiu que havia alguma coisa de errado, pois o céu ficou cinza como nunca acontecia, não se via nenhum animalzinho passeando pela Floresta, e um vento frio soprava sem parar. Mas como o Bruxo não tinha companhia nunca, achou que a melhor coisa a fazer era continuar com a sua rotina e tomar conta de seus afazeres. Nem mesmo o Pássaro Mágico foi capaz de convencê-lo a investigar o que havia acontecido.
Os dias passaram e o clima sombrio permanecia na Floresta Encantada. Perto dali, no Reino da Felicidade, o Rei não sabia mais o que fazer. Passava todos os dias chorando a ausência de sua filha e já estava quase sem esperanças quando um mensageiro do Conselho dos Anciãos trouxe-lhe uma resposta para o seu conflito. O único ser capaz de derrotar o Monstro de Sete Cabeças e devolver-lhe a Princesa era o Bruxo. O Rei, quando ouviu o parecer do Conselho, achou que se tratasse de alguma brincadeira, pois o tal Bruxo nunca fora visto e todos acreditavam não passar de uma lenda. Mas quando o Ancião mais idoso e experiente foi chamado para dar explicações, o Rei se convenceu e ordenou que seus soldados se encaminhassem para a Floresta Encantada em busca do Bruxo.
Este já estava aflito com a atmosfera sombria que tomara conta de sua Floresta, mas ainda não se encorajara a tomar alguma providência. Foi quando o Pássaro Mágico mais uma vez tentava convencê-lo a agir, que o exército chegou a sua casa e explicou tudo o que havia acontecido, implorando que o Bruxo ajudasse a libertar a Princesa e a devolver a paz, a harmonia e a felicidade ao Reino.
O Bruxo podia não gostar de ser incomodado, mas gostava menos ainda de maldade. Ele havia jurado sempre utilizar seus poderes para ajudar quem deles necessitasse, e foi com esta certeza que ele reuniu sua lança, seu Cristal Mágico, suas poções, e partiu em companhia de seu fiel amigo, o Pássaro Mágico.
Chegando ao extremo sombrio da Floresta, o Bruxo não tardou a verificar qual seria o melhor plano de ação. Constatou que a Princesa estava presa num quarto anexo à casa do Monstro, vigiada por ferozes cães de guarda, e que o Monstro malvado comia um porco assado na sala de jantar. Como o Bruxo era muito poderoso, rapidamente conseguiu, por meio de uma poção mágica, transformar os cães ferozes em gatinhos e, antes que o Monstro de Sete Cabeças pudesse esboçar qualquer reação, ele fora transportado para outra dimensão, onde não poderia fazer mal a mais ninguém.
A Princesa, percebendo o que estava acontecendo, correu em direção ao Bruxo e se jogou em seus braços, agradecida pelo que aquele estranho havia feito. Com um gesto, o Bruxo disse que não havia necessidade de agradecer e a levou em segurança de volta ao Reino da Felicidade.
Amanhecia quando a Princesa regressou em companhia do Bruxo e do Pássaro Mágico. Todo o reino ficou muito feliz em rever a Princesa sã e salva. O Rei mandou chamar o Bruxo e disse-lhe que ele poderia escolher tudo o que ele quisesse, e ainda daria a mão de sua filha. O Bruxo, muito educadamente, afirmou que não precisava de nada, e que guardasse a mão da Princesa para um Príncipe que estivesse à sua altura, pois ele não era digno de desposar tão linda Princesa. Diante dos protestos do Rei e de toda a Corte, o Bruxo finalmente disse que tudo o que ele precisava era de seu sossego na Floresta Encantada, mas prometeu sempre vir visitar a Princesa e o Rei, deixando de viver tão recluso no meio da Floresta.
Deste dia em diante, o Bruxo passou a visitar com regularidade o Reino da Felicidade, ganhou novos e bons amigos, e todos viveram felizes para sempre.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Eleonora Oci

Depois de duas semanas muito difíceis, tento retomar minha rotina e minha vida, voltar à normalidade, aceitar o imponderável, compreender os desígnios incompreensíveis de Deus. E desde já afianço que é esta uma tarefa impossível. Hoje sou outro homem. Completamente diferente daquele que seguia impávido, repleto de certezas, convicto, seguro e destemido. Descobri, sem medo do lugar comum, que não sei de nada, jamais soube. E isso é tudo.
É tudo, mas não termina aqui. Para falar a verdade, a minha história tem um novo início, e ele se dá agora. Só agora sinto que começo a viver para valer, pois precisei esperar 37 anos para dar importância ao que realmente tem importância. Não me é possível reviver tudo o que já vivi e refazer meus caminhos, substituir os incontáveis erros por novos acertos. Meus atalhos serviram-me como experiência; são cicatrizes que tenho espalhadas pelo meu corpo e pela minha alma, são as rugas que tornam-me, furtivamente, quiçá, um pouquinho mais interessante do que os meus pares. De duas semanas para cá, sofro uma dor aguda e incurável, e por vezes penitencio-me por não ter feito diferente nas várias oportunidades que eu tive ao longo de minha vida. Mas, certamente, fiz o melhor que eu pude fazer. E hoje, com a cabeça erguida e com os olhos marejados, sigo certo do meu melhor - ainda que ele seja muito pouco.
Hoje, já não tenho mais a avidez de outrora para ser publicado, ser um escritor reconhecido, com efetivamente algo a dizer. Que importa? Porque finalmente me convenci de que a arte que se quer séria não precisa necessariamente de um público que a legitime. A arte é. Simples assim. Mesmo que sem um único admirador. Aqui na internet tenho lido, dia a dia, bons textos de ilustríssemos anônimos, pessoas comuns que provavelmente jamais serão publicadas por alguma editora - e que possivelmente não nutrem este desejo. E ainda assim escrevem textos maravilhosos.
Como maravilhosas eram as telas de minha mãe. Artista desde sempre, nasceu com o dom da pintura. Quando criança, sem ter tido uma única aula de desenho, sentada na calçada de sua casa na distante São Paulo do Potengi, reproduzia o que lhe passava diante dos olhos. Já adulta, no Rio de Janeiro, aperfeiçoou sua técnica, flertou com a pintura abstrata e chegou a vender algumas telas, mas o reconhecimento público não veio - pelo menos não o reconhecimento do grande público, para além do círculo de amigos e parentes. Sempre foi meu desejo que ela buscasse alcançar as grandes galerias de arte, que um maior número de pessoas tivesse o prazer de ver o seu trabalho. Mas não era só isso, hoje eu sei. No fundo, o que eu queria era que minha mãe, através do sucesso de crítica e de público, fosse chancelada como uma grande artista plástica. Como se longe dos holofotes a sua arte fosse menor. Ledo engano.
Hoje, regozijo-me de ter convivido de muito perto com uma grande artista. Muito mais do que isso - sou seu filho, tenho seu sangue, e muito do que sou hoje eu devo a ela. Hoje, duas semanas depois, sinto que eu sou um homem melhor, mais maduro, mais centrado, mais sóbrio, mas sem deixar de ter meu lado doidivanas, meu lado artista também - que é o que importa, no final das contas. Não anseio mais por ser publicado, tanto faz. O que desejo é desfrutar do que descobri nestas duas últimas semanas. Coisas que sempre estiveram bem debaixo do meu nariz, mas, talvez por isso mesmo, me era tão difícil de enxergar. Minha mãe me deu um até breve, mas me deixou inteiro. Me deixou Eu. Mas não sozinho. Ela me deixou cercado pelas melhores pessoas, e agora basta seguir em frente.
Com muito amor, de cabeça erguida, continuo meu caminho. Até breve.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Crônica de um Pai de Terceira Viagem II

Em casa de umbandistas, por vezes diálogos um tanto extraordinários acontecem com regularidade. Mas em casa de umbandistas cuja mulher está grávida, o desfecho da cena é digno de nota.
- Na nossa próxima encarnação bem que a gente podia vir sem tanta dificuldade financeira, né, amor?
- (...)
- Vocês homens são um saco... custa responder?
- É, a gente podia.
- Só isso que você tem a dizer?
- Qual foi a pergunta mesmo?
- Falei que na nossa próxima encarnação a gente podia vir sem tanta dificuldade financeira!!!
- Ah é... podia. Mas eu acho que na próxima a gente não virá juntos.
- Por quê??
- Porque, espiritualmente, estou mais evoluído do que você. Depois que desencarnarmos, ficaremos em sintonias vibracionais diferentes.
[Aqui ela esconde o rosto entre as mãos e inicia um choro convulsivo]
- Tá chorando por quê?
- Quer dizer que eu vou vir sem você? [permanece chorando]
- (...)
- Eu acho que estou ficando maluca... [o choro espasmádico aumenta]
- Que isso, amor...
- Para de debochar de mim!! Cretino! Eu sou uma mulher grávida!!
[Receoso do que pode acontecer, tento segurar o riso]
- Você não vai escrever isso no blog não, né?
- Claro que não, imagina...

domingo, 6 de maio de 2012

A Terra Vista do Céu

Vale muito a pena assistir à exposição A Terra vista do céu, do ecologista Yann Arthus-Bertrand, na Cinelândia. Há vinte anos Yann iniciou seu trabalho de olhar a Terra de cima, justamente na ocasião da Eco-92, aqui no Rio de Janeiro. Desde então o fotógrafo passou a sobrevoar nosso planeta ora em balões ora em helicópteros de modo a conseguir um ângulo pouco comum para suas fotografias. O resultado é espetacular não apenas pela beleza das imagens conseguidas do alto, mas, principalmente, porque elas testemunham as mudanças pelas quais nosso planeta vem passando, alertando-nos para os cuidados que urgem serem tomados para que possamos usufruir de uma boa qualidade de vida, além, é claro, de explicitar as condições insalubres, miseráveis e inumanas de muitas pessoas. Apenas como exemplo, cito um triste diagnóstico: "Se cada pessoa vivesse como um norte-americano, seria preciso mais de 4 planetas Terra para suprir nossas necessidades, enquanto se vivesse como um africano, seria preciso 2/3 da Terra". Pode parecer utopia, mas talvez seja possível vivermos em um planeta com menos desigualdades, sem o abismo existente, por exemplo, entre um morador de Manhattam e um nativo do Congo, ou, para permanecermos nos problemas domésticos, entre um morador da Vieira Souto e um morador de rua.
O visitante, além das fotografias e de seus respectivos textos que as contextualizam, poderá assistir a um vídeo de aproximadamente 90 minutos sobre o projeto e poderá também passear por um mapa-mundi. A exposição permanecerá na Cinelândia até o dia 24 de junho e merece ser assistida, pois suscita muita reflexão. Quem tiver mais interesse no projeto, pode clicar aqui.

domingo, 22 de abril de 2012

O Espaço Biográfico

O espaço biográfico - dilemas da subjetividade contemporânea, da escritora argentina Leonor Arfuch, é um livro essencial para quem quer se aprofundar e compreender melhor como se dá a criação identitária neste século. Arfuch discute, com muita propriedade, como o sujeito contemporâneo se autorreferencia em discursos (auto)biográficos. Em nosso tempo midiático, a primeira pessoa que se apresenta textualmente é o resultado de um espaço biográfico, ou seja, a confluência de todos os espaços - públicos e privados - que contribuem para a formação de uma identidade autoral. (Vale lembrar que os espaços público e privado são cada vez mais híbridos). As novas escritas de si da atualidade (blogs, microblogs, redes sociais, entrevistas, além, é claro, de talk shows, reality shows e outros) não mais chancelam a "verdade" da narrativa. Para Arfuch, não se trata mais de afirmar se um relato autobiográfico é ou não "verdadeiro", "real", mas, ao contrário, seu teor ficcional será ou não revelado de acordo com os horizontes de expectativas que ele causar. Neste sentido, ela se aproxima de Philippe Lejeune, pois a refencialidade será tomada como "verdade" pelo leitor de acordo com a sua própria leitura - um texto autobiográfico não tem mais a prerrogativa de ser considerado, avant la lettre, "verdadeiro". Mesmo porque - e aí Arfuch se distancia de Lejeune e se aproxima de Bakhtin - é impossível que vida e narrativa coincidam. Uma vez que um fato se textualiza, ele já é, em última instância, ficção. Como diria Gustavo Bernardo, tudo é ficção. E é na ficção que as maiores verdades são ditas e cristalizadas, porque o são ética e esteticamente.
Lançado em 2002, este livro de Leonor Arfuch esperou longos oito anos até receber uma tradução à altura, feita pela Paloma Vidal para a EdUERJ. Os leitores interessados na reflexão deste tema bastante atual já contam com uma ótima tradução para suas pesquisas. O único senão que aponto é o excesso de notas de rodapé ao longo de todo o livro, que acabam por tornar a leitura menos fluida. Mas é este um preço muito pequeno a pagar diante da magnitude, da abrangência e da importância do estudo de Arfuch.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Crônica de um Pai de Terceira Viagem

Todos sabem que eu sou pai de duas princesinhas lindas, maravilhosas e demasiadamente arteiras - quem não se lembra do episódio da fralda de cocô no teto da minha sala? Mas o que nem todos sabem é que uma terceira princesinha em breve se juntará à gangue. A quadrilha agora está formada e é perigosa. Mas esta crônica não vai se concentrar nas proezas infantis de minhas filhas; ela nasceu da recomendação de meu psiquiatra, Dr. Isaac Nepomuceno Insanus, que, mediante minhas angustiosas narrativas a respeito da mãe das crianças - a cabeça da gangue -, achou que seria terapêutico transformar minhas inquietações matrimoniais em textos, uma forma, segundo o Dr. Insanus, de exorcizar meus demônios conjugais.
Pois bem, queridos leitores, venho por meio desta testemunhar que há um outro lado pouco conhecido numa gestação. E nem um pouco bonito. Ao vermos uma grávida caminhando nas ruas, pensamos na dádiva concedida à mulher de dar à luz uma nova vida. Normalmente a mãe é cercada de cuidados, de mimos, de paparicos, de felicitações, de presentes. E a ela são associadas somente coisas boas - o que de ruim poderia vir junto de um ser tão divinal?
Mas o que poucas pessoas sabem é que, em casa, longe dos olhares cândidos, complacentes e admiradores, elas se transformam. Permitem, no recato domiciliar, que a ebulição de seus hormônios enlouqueçam os pobres maridos, o lado mais fraco da balança. O Dr. Insanus me preveniu que este tratamento o qual me dispus seguir pode me trazer consequências sérias, com possíveis danos físicos, mas ele me garantiu que eu deveria ser o porta-voz dos pais, pois alguém deveria levantar a bandeira a favor dos oprimidos e angustiados progenitores. E ninguém melhor do que eu, que já sou pai de terceira viagem, portanto um tanto quanto calejado - e sofrido.
Dr. Isaac Nepomuceno Insanus, meu guru, garantiu-me, se necessário, aumentar a dosagem de meus medicamentos nesta nova jornada, mas a sua previsão é a de que as crônicas me libertarão. Seu formato será simples, provavelmente com diálogos fidedignos aos vivenciados entre mim e a cabeça da gangue, de maneira a evidenciar o outro lado de uma gestação. A propósito, já é hora de alguém levar adiante a ideia de uma lei similar à Maria da Penha - algo como Lei João Apanha, sei lá -, mas em favor dos maridos indefesos. Alguém precisa detê-las. A verdade não pode ficar obscura por detrás da beleza de uma barriga crescendo.
Para iniciar a série, portanto, segue o que se sucedeu hoje à tarde aqui em casa (acreditem, de todos os episódios já sofridos por mim, este, por ser o primeiro, é o menos escandaloso, o mais "light").
- Meu amor, o que aconteceu, por que você está chorando deste jeito?
- Sai daqui, não quero que você me veja deste jeito!!
- Calma, estou aqui do teu lado, pode confiar em mim...
- Você vai rir?
- Claro que não.
- É que estou com frio.
- (...) [Com cara de estupefação]
- Nós grávidas somos assim mesmo. Umas mais malucas do que outras. [E segue uma alternância de gargalhadas convulsivas e choro descontrolado].

domingo, 8 de abril de 2012

O que realmente importa

Enfim silêncio. A casa arrumada, nada fora do lugar. O som toca uma música calma, em volume baixo. Meia luz. Pode-se finalmente descansar. Mas de que adianta tudo isso se elas não estão em casa?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Aprofundar posteriormente

"Apenas há rumor, que desvencilha e marca o lugar da escritura como um esmaecimento do sentido, uma destituitção da fala, da verdade. O sentido em estado de vigília, ausente do sono, propicia, por isso, a ausência de si, na interpretação impossível de si. O que também quer dizer, desviando-se, que o sentido, fora da intepretação, é um falar de si que se diz para fora de si, frente ao outro que agencia um estado de escritura. Velar um corpo, velar à noite. O ensaio é, nesse sentido, o limite mais atual da experiência, que apaga, que desvela o sono. Portanto, sendo uma pintura de si, é antes um mascaramento em perjúrio sobre a norma - antidogma - do discurso científico, do saber constituído a partir de todo um fora. (...) Ora, o ensaio é um lugar dessa justiça que sempre se pede perdão, por se estar velando, mascaradamente, o outro a partir de si mesmo.(EYBEN, Piero. Anarquia do ensaio (entre experiência e desastre) p. 97-8; 100. In: Estudos neolatinos. Vol. 13. No prelo.)

segunda-feira, 26 de março de 2012

O livro da metaficção

Recomendo a leitura de O livro da metaficção, de Gustavo Bernardo. Nele, o autor, professor de teoria da literatura da UERJ, ultrapassa os limites da literatura para discutir ficção, realidade, arte em exemplos retirados das artes plásticas, do cinema, da televisão, do teatro, das charges e, por que não, da literatura também. Como os blogs, na minha opinião, são um discurso metaficcional por natureza, fica aqui a dica de leitura. Excelente leitura.

domingo, 25 de março de 2012

Tarsila do Amaral - percurso afetivo

Finalmente a exploração da intimidade foi capaz de oferecer algo que realmente vale a pena. A exposição em cartaz no CCBB até 29 de abril, Tarsila do Amaral -percurso Afetivo, reúne, depois de 40 anos, telas de uma das mais importantes artistas brasileiras. Com curadoria de Antonio Carlos Abdalla e Tarsilinha do Amaral, a exposição foi organizada a partir do Diário de Viagens da artista, escrito durante suas andanças, nos anos 20, com Oswald de Andrade. Os trabalhos expostos no CCBB obedecem, portanto, a um critério intimista, pessoal e afetivo, mas, com isso, o que está em evidência é a arte de Tarsila, não futilidades acerca de alguma "celebridade". Os fetichistas, porém, poderão ver, também, alguns pincéis e espátulas utilizados por ela, cartas e agenda de telefone. Deste modo, o percurso afetivo e intimista da artista fica reforçado, mas, em primeiro plano está a sua arte.

Quem for ao CCBB poderá aproveitar a ocasião e visitar também a exposição Anticorpos, dos irmãos Fernando e Humberto Campana, até o dia 6 de maio. Os irmãos Campana têm a preocupação de criar designs artísticos para objetos da produção industrial, fugindo, assim, da produção em série e criando objetos singulares e auráticos.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Pensar as artes

Extraordinária a conferência proferida pelo extraordinário Ferreira Gullar ontem na ABL. Para Pensar as artes, seu tema de ontem, Gullar valeu-se de sua experiência e atividade como crítico de arte para se concentrar nas artes plásticas. Cheio de humor, de irreverência e de informalismo, em pouco mais de sessenta minutos ele fez um breve histórico da Renascença até a arte moderna e conceitual.
Segundo ele, há dois tipos diferentes de pensamento sobre arte: o pensamento dos teóricos, que se constrói a posteriori da conclusão da obra, e o pensamento dos artistas, que se dá durante o processo de construção criativa. E foi com extrema argúcia que ele arrancou gargalhadas e aplausos do público ao, na posição de quem pensa a arte já pronta, comentar e ironizar as reflexões dos artistas que idealizaram e praticam a arte conceitual.
Crítico maldito, como se autodefine, pois é avesso à arte conceitual, enumerou algumas razões para sua aversão. Citando Duchamp como um dos exemplos, questionou até que ponto é válida a categorização de arte a um urinol. A retirada de um objeto de seu contexto e a sua exposição em um museu conferem a este objeto um outro paradigma, mas a simples recontextualização de um urinol não deve ser suficiente para outorgar-lhe o conceito de arte. Até porque, para que, neste caso, o urinol seja considerado arte, é necessário que ele seja exposto em um museu. E que vanguarda seria essa que necessita de uma instituição para referendar a sua qualidade artística? Segundo Gullar, o sentido da vanguarda é ruptura, portanto a dependência de um espaço institucional para que a arte seja arte contradiz o que deveria ser o vanguardismo de se considerar arte um urinol. A arte é, por definição, não institucional, e a arte conceitual seria contraditória porque arte não é conceito.
No único momento em que ele deixou de falar de pintura e citou a poesia, disse, mostrando uma folha em branco, que, ao escrever um poema, tudo é possível, pois, justamente, a folha está em branco. Ao escrever a primeira palavra, há acaso, gratuidade, que diminui substancialmente na segunda palavra, que já é fruto da necessidade. Para Gullar, a arte é a vitória sobre o acaso, é transformar a gratuidade em necessidade, e, para isso acontecer, ela não precisa estar vinculada a nenhuma instituição.
Quando a Monalisa foi roubada e ficou desaparecida por cerca de dois anos, ela foi encontrada dentro de uma mala cheia de roupa suja. E, mesmo dentro desta mala, ela continuava a ser a obra-prima de Leonardo da Vinci, não precisava de um museu, tampouco de uma instituição, para ter assegurada sua essência artística. Independente de qualquer coisa, a despeito de onde está exposta, a arte é. Mesmo porque nenhuma arte que se quer moderna pode estar exposta em museu, afinal, se museu é local de "coisa velha", haveria algo mais contraditório do que Museu de Arte Moderna?

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dilema

Minha caçula, de quatro anos de idade recém-completados, está no quarto ouvindo - e cantando a plenos pulmões - Luan Santana. Presente ingrato de meu cunhado, o dvd do novo ídolo juvenil arrebatou mais uma fã... Não sei o que fazer... Aceito sugestões.

terça-feira, 6 de março de 2012

O que significa pensar

Teve início hoje, na ABL, o primeiro Ciclo de Conferências deste ano, intitulado Pensar Hoje I. A conferência de abertura foi de Emmanuel Carneiro Leão, O que significa pensar. As três conferências que completam este primeiro ciclo serão Pensar as artes, por Ferreira Gullar, Pensar a Humanidade, por José Arthur Giannotti, e Pensar as ciências humanas, pelo acadêmico Candido Mendes. Sempre às terças-feiras, às 17 e trinta, no teatro R. Magalhães Jr. Vale a pena comparecer, pois "a História vem conjugando os verbos ser e pensar".

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Língua e realidade

Em agosto de 2010 fui apresentado ao pensamento de Vilém Flusser, filósofo theco, em um simpósio realizado na UERJ intitulado A filosofia da Ficção de Vilém Flusser. Recordo-me de ter ficado bastante interessado na obra de Flusser e cheguei mesmo a comprar Língua e realidade, seu primeiro livro escrito em português. Na ocasião, parecia-me um excelente título para me ajudar a estruturar e a embasar uma pesquisa pessoal, mas só agora, mais de um ano depois, me dispus a lê-lo.
Posso dizer que a leitura, apesar de agradável e fluida, não atendeu, num primeiro momento, às minhas expectativas, pelo menos às expectativas criadas em agosto de 2010. Ou melhor, para o meu propósito, há quase dois anos atrás, seria importante um texto menos analítico e mais sociológico. Ora, acabo de perceber que, ao comprar o livro, esperava que ele se adequasse à minha pesquisa, e não que minha pesquisa precisasse se coadunar ao pensamento de Vilém Flusser. Mas é claro que um trabalho que discute língua e realidade é muito bem-vindo a integrar o manancial bibliográfico de minha pesquisa - ou a de qualquer pessoa que se disponha a refletir sobre essas questões.
Língua e realidade é um excelente estudo acerca da língua e de como esta é, forma, cria e propaga a realidade. Mesmo que possam existir algumas discordâncias a respeito da teoria de Flusser - como as apontadas por Anatol Rosenfeld quando a primeira edição foi lançada, em 1963, que "admitiu haver alguma verdade na afirmação de que a língua determina a nossa visão da realidade, mas essa verdade seria apenas parcial. Para ele, teria sido melhor se Flusser se tivesse limitado ao exame cuidadoso dessa verdade parcial, 'em vez de pregar logo um mito e arrancar dos seus diversos nadas toda uma mística'" -, é um livro que vale a pena ser lido, não apenas por tratar de um tema desde sempre importante, mas, também, por ser escrito de forma simples, direta, objetiva e contundente.
Primeiro livro em português do poliglota Vilém Flusser, que exilou-se no Brasil quando os judeus eram implacavelmente perseguidos pela Alemanha nazista, é o resultado de um pensamento lúcido e construtivo, muito pertinente à minha pesquisa e a qualquer outra que se debruce sobre essas inquietações. Por falar fluentemente vários idiomas, ficou mais "fácil" para ele refletir sobre as questões concernentes à língua para, então, oferecer suas reflexões num ótimo livro escrito em português, sua terceira língua materna.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Um Brasileiro

Sim, hoje posso dizer, sem medo, que tenho orgulho de ser brasileiro. Nasci no mesmo país de um dos melhores compositores de todos os tempos da música mundial. Antônio Carlos Brasileiro Jobim recebeu, muito merecidamente, um documentário belíssimo dirigido por Nélson Pereira dos Santos. A música segundo Tom Jobim difere dos demais documentários porque não há a usual intercalação entre depoimentos de personalidades que conheciam e/ou conviveram com o personagem-tema do documentário e imagens resgatadas de arquivos. A sensibilidade de Nélson Pereira dos Santos conferiu ao longa cerca de 90 minutos de pura música. E haveria melhor maneira de homenagear Tom, para quem "a linguagem musical basta"?
A excelente pesquisa realizada para o filme nos presenteia com imagens raras - muitas conseguidas graças ao Intituto Tom Jobim - não só do próprio maestro, mas também de grandes nomes da música nacional e internacional interpretando as composições do mestre. E isso permite às novas gerações ter uma pequena dimensão da importância de Tom Jobim para a música brasileira e a sua influência no cenário internacional.
Ficar tecendo elogios a Tom Jobim é chover no molhado. Seus arranjos jazzísticos, suas harmonias sofisticadas, seus acordes marcantes são conhecidos de todos. O filme, verdadeiro tributo, merece e precisa ser assistido. Excelente filme sobre um excelente músico. Brasileiro.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Chagall - o poeta com asas de pintor*

Uma vez Marc Chagall disse: "As crianças costumam sorrir ao ver os meus quadros. Quando vejo esses sorrisos, tenho certeza de que elas entendem a minha arte!" Nada mais natural, portanto, do que uma peça destinada ao público infantil para contar a vida e a trajetória de Moyshe Segal, criança judia e pobre que cresceu em Vitebsk, cidade bielo-russa, até ser rebatizado, em Paris, como Marc Chagall, expoente das artes plásticas.
A peça é uma podrução da CIADRAMÁTICADECOMÉDIA, com direção de João Batista, e João Velho, Cleiton Rasga, Cristina Lago, Eduardo Rieche, Sérgio Kauffmann e Sonia Praça no elenco. João Velho, aliás, interpretando o pintor, está maravilhoso, com uma atuação deslumbrante. Os demais atores revezam-se, muito bem, em mais de um papel.
A peça inicia-se com uma observação dos atores para a plateia: No teatro, como na arte, tudo pode. E é uma observação bastante pertinente se considerarmos a obra de Chagall, que pintava peixes voadores, casas de cabeça para baixo, violinistas em cima de telhados etc. E, segundo o pintor, suas telas eram resultados das coisas que ele via, de sua realidade. Devidamente apresentados ao universo cênico mágico e onírico, os espectadores acompanharão o crescimento do jovem Moyshe, seu despertar para o desenho, as dificuldades da juventude pobre até a consagração como Marc Chagall. Conseguem apreender, porque a mensagem chega de forma lúdica, a importância que a arte teve para o pintor - e que tem para todos nós - e como devemos perseguir aquilo que nos é caro.
Sempre fui da opinião de que as crianças são as melhores críticas para qualquer obra. Se a peça agradou tanto minhas filhas - Maria Eugênia nunca esteve tão compenetrada e interessada num espetáculo, afirmando, ao sair, que "quando crescer quero ser pintora"; e Maria Antônia, em meio a gostosas risadas, quando se deu conta de que a peça havia acabado, começou a chorar porque queria mais -, acho que não preciso nem dizer que é uma peça que precisa ser assistida. Eu mesmo, com a desculpa de levar a minha mãe para ver, vou assistir de novo.
Chagall - o poeta com asas de pintor está em cartaz até o dia 18 de março no CCBB, no teatro II, todos os sábados e domingos, inclusive no carnaval, às 16 horas. Para quem acredita que na arte, como na vida, tudo pode, e para quem não acredita também, vale muito a pena conferir.
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* Imagem retirada da internet.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Retomada futura

Reler Novos apontamentos em memória social, de Diana e Souza Pinto e Francisco Ramos de Farias (orgs.). Especialmente o texto "Memórias anônimas", de Camila Guimarães Dantas e Vera Dobedei (7 Letras).

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

As cobras: antologia definitiva

Luís Fernando Veríssimo uma vez disse que as cobras surgiram da combinação de seu amor pelos quadrinhos e da sua inabilidade para desenhar. Segundo ele, "cobra é muito fácil de fazer, só tem pescoço". Bom, devo discordar. Sou daqueles que não conseguem desenhar uma casinha com um sol em cima. Meus traços são trêmulos, não tenho nenhum senso de profundidade e, para piorar, sou filho de uma artista plástica. Mas voltando ao Veríssimo, o fato é que ele conseguiu criar uma das tirinhas mais divertidas e engraçadas que saíam impressas em nossos periódicos. Lembro-me que, quando criança, sentava-me ao lado de meu pai aos domingos e, imitando-o, abria o jornal ao seu lado no sofá. Mas só lia as tirinhas. Agora elas estão todas reunidas em uma antologia definitiva, publicada pela Objetiva, que vem reeditando as obras do autor. Recomendo, é diversão garantida.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Precisamos falar sobre o Kevin

Precisamos falar sobre o Kevin, de Lynne Ramsay, é um excelente filme. Todavia, não é um filme fácil de assistir. A história centra-se na relação de Eva (Tilda Swinton) e seu filho Kevin (Ezra Miller), um adolescente que desde sempre se apresentou como uma criança desajustada.
Eva, que não queria ser mãe mas se vê refém de uma gestação indesejada, dá à luz a uma criança que piora em demasia a sua vida. A tensão existente entre mãe e filho cresce a um ponto de tornar a vida de Eva insuportável. Para piorar as coisas, diante do pai, Kevin se comporta como qualquer criança normal, dando a entender que as queixas maternas são exageradas e sendo cada vez mais mimado pelo pai.
O filme caminha para o desfecho esperado, o assassinato em massa cometido por Kevin em sua escola, o que faz Eva ser, durante todo o filme, vilipendiada por todos, onde quer que ela esteja. O inferno em que se transforma sua vida pode ser lido como uma espécie de castigo, embora, apesar da culpa que ela carrega consigo, Eva não tenha nenhuma responsabilidade sobre a psicose de seu filho. Mas resta a questão: ela estaria sendo culpada e punida pelo ato vil de Kevin ou por não ter sido uma boa mãe? É possível desassociá-los?
O filme merece destaque pelas belíssimas atuações de Tilda Swinton e Ezra Miller e pelo recurso encontrado pela diretora de sobrepor em constantes flashbacks a evolução temporal da história, sem se tornar um flashback "pedagógico".
O longa discute um comportamento que, infelizmente, vem se repetindo nos últimos anos e não é mais restrito à realidade norte-americana. Excelente filme e, apesar de denso e pesado, tem sua importância, sim, precisamos falar sobre o Kevin.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Quatro cantos

Quatro cantos, de Wanderlino Teixeira Leite Netto, é um livro formalmente irretocável, desde a capa, programação visual e ilustrações, assinadas por Raquel Ponte, até o texto, muito bem escrito. Nele, o autor apresenta um Visitante que faz uma viagem espaço-temporal por quatro cantos: Primavera em Zênite, Verão em Viramusgo, Outono em Amanhecer e Inverno em Solaris. Cada uma dessas visitas corresponde a um conto do livro.
No primeiro, o Visitante conhece Zênite, que, como as outras, é uma cidade fictícia. No entanto, pode-se depreender inúmeras semelhanças com qualquer cidade de nosso tempo, afinal, "os jovens não ignoram: o jogo do poder praticado em Zênite envolve truques, cartas por baixo do pano, blefes, altos cacifes". Assim, podemos compreender em Quatro cantos uma metáfora ao mesmo tempo sutil e crítica a uma sociedade demasiadamente competitiva, consumista e alheia às coisas realmente importantes da vida. O Visitante, elemento extrínseco dessa realidade, flana por Zênite conhecendo e nos dando a conhecer seus personagens e seu modus operandi.
Quando, no verão, o Visitante chega a Viramusgo, depara-se como uma cidade que fora inundada e virara um açude. Com o tempo, a represa secou e a cidade ressurgiu, coberta por um musgo que rebatizou a cidade. O ressurgimento da cidade após a inundação é uma maneira de refletirmos sobre a memória, pois, quando a população precisou retirar-se e encontrar outro local para se estabelecer, foi "para um lugar de quadras simétricas, construções padronizadas. Sem alma, sem fantasmas nas esquinas", isto é, sem reminiscências, sem história. Ao pôr os pés em contato direto com o musgo, o Visitante entra em contato direto com a tradição, conhecendo os locais cheios de vida porque cheios de história, apesar de estarem sem pessoa alguma por perto. Parece que o autor encontrou uma maneira de chamar a atenção para a importância de se manter a tradição, de não permitir que ela seja substituída por uma padronização em várias frentes, como acontece hoje em dia, seja nas artes, nas vestimentas, nos comportamentos.
Amanhecer é a cidade visitada quando chegamos ao outono. Composta por uma única rua, que possui alguns atalhos, a maioria ilegais, notabiliza-se por ser uma cidade onde é impossível sonhar, pois lá não existe o sonho. A única rua da cidade oferece sempre o mesmo caminho, sem alternativas, sem criatividade, inviabilizando, por exemplo, o trabalho da atriz, a primeira das personagens conhecidas pelo Visitante. Em dado momento, ele afirma: "Desde que cheguei aqui, tropeço em contradições". Uma cidade com uma única rua propicia isso mesmo, pois ela é ao mesmo tempo caminho de ida e de volta, chegada e partida, norte e sul. Uma possibilidade de interpretação para este conto e para a cidade com uma única rua, vigiada para que atalhos não sejam criados, é justamente a nossa colonização, pois, submetidos a Portugal, não tínhamos alternativas, liberdade, autonomia.
O inverno em Solaris é a última parada do Visitante. Ele deparou-se com um local com um burocratismo exagerado, onde "nada se resolve sem carimbos e vistos, memorandos e ofícios, favores e propinas". Somado a esta burocracia, há um crescimento vertiginoso de arranha-céus e diminuição de espaços verdes. Alguma semelhança com alguma cidade que conhecemos? O Visitante, nesse cenário, nutria o desejo de conhecer o Pintor, mesmo antes de visitar Solaris, talvez por ser ele capaz de oferecer, via telas e cores, uma realidade já deveras distante.
Dos três livros que já li de Wanderlino Teixeira Leite Netto, Quatro cantos, apesar de ser formalmente muito bem escrito, é o que menos me cativou como leitor. Na minha opinião, falta a este livro a inspiração e a vitalidade encontradas em Retrato sem moldura, por exemplo. Mas, mesmo aquém de suas demais publicações, é um livro que suscita questões importantes e pertinentes.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Estudo livre

Desde que defendi meu mestrado, em março de 2010, que não me inscrevi em nenhum curso que demandasse uma dedicação e um estudo mais sistemático e atrelado a alguma ementa e linha de pesquisa. Minhas leituras, desde então, obedeceram a um critério totalmente anárquico e que se mostrou perfeitamente viável - o meu desejo. Não precisava mais ler seguindo uma metodologia de pesquisa, tampouco passar horas diante de leituras que, bem ou mal, me foram indicadas por terceiros. Depois do mestrado, pude encadear leituras que, à primeira vista, não tinham nenhuma correlação uma com a outra; iniciei e terminei livros que sequer eram sobre o mesmo tema; pude ler poesia, prosa, crítica, sem a preocupação de aproximá-los em um texto meu minimamente inteligível e coerente. Foi com esse viés de leitura que em junho de 2011 olhei para a estante e resolvi encarar História social da arte e da literatura, de Arnold Hauser. Lembro que comprei este livro na minha primeira bienal do livro como estudante de Letras, se não me engano, em 1995.
Falando em graduação, sempre acreditei - e fui incentivado a isso - que uma obra de arte, literária ou não, é fruto de seu tempo. Cada quadro, cada livro, cada música, cada escultura etc. só o são como são porque foram produzidos em um tempo dado. Homero não teria escrito A Ilíada e A Odisseia longe da Grécia clássica; Camões só escreveu Os Lusíadas porque vivia à luz da cultura quinhentista; Machado de Assis só é o nosso maior nome literário porque viveu na segunda metade do século XIX; e a escrita cronística dos blogs poderia atingir o seu ápice antes do ano 2000? Pensando na ligação intrínseca da obra a seu tempo e incentivado pela minha anarquia literária, iniciei a leitura do Hauser.
O livro é excelente e cobre a história da arte desde os tempos pré-históricos até a era do cinema. A cultura e a erudição do autor são impressionantes. Nem que eu passasse todos os meus minutos de vida que me restam lendo ininterruptamente, não conseguiria atingir nem um por cento do conhecimento de Hauser. Mas como sou metido, me atrevo a fazer alguns senões. O primeiro é que o livro, naturalmente, ignora quase que solenemente a arte produzida fora da Europa. Antes de entrar na cultura clássica de Grécia e Roma, o segundo capítulo trata das culturas urbanas do oriente antigo, cerca de trinta páginas - e isso é tudo. Naturalmente, o autor aborda - e muito bem - a produção russa, seja literária, pictórica, musical, cinematográfica, mas a Rússia, apesar de ter boa parte de seu território no continente asiático, é tratada mais como um país europeu do que como um país asiático. Os próprios Estados Unidos só são mencionados no último capítulo, quando o cinema está em voga. Para ser justo, é preciso reconhecer que todos os ismos importantes em arte tiveram sua gênese na Europa, mas há muita coisa interessante e de valor, mesmo que importadas da Europa com alguns anos de defasagem, que merecem destaque nas Américas, por exemplo. E acredito valer a pena estudar as "corruptelas" que esses ismos sofreram para além do continente europeu. Também para ser justo, é óbvio que o autor precisou selecionar um corpus e delimitar sua pesquisa, mas isso confere ao livro um quê demasiado elitista, canônico, conservador e tradicional.
Meu segundo senão diz respeito ao objetivo mesmo do livro, isto é, situar, explicar e compreender a arte e a literatura num contexto estritamente social. Arnoldo Hauser se dedicou a escrever a história social da arte e da literatura, portanto seria estranho se não houvesse tal abordagem. Porém, quando iniciei o capítulo referente ao Rococó, Classicismo e Romantismo, comecei a me inquietar com a excessiva explicação social que o autor dá à arte. Sim, ainda acredito que uma obra de arte é fruto de seu tempo. Mas também acredito que uma obra de arte transcende seu tempo e que ela pode ser entendida e apreciada sem seu contexto social. A primeira vez que li O cortiço, de Aluízio Azevedo, por exemplo, ainda não tinha nenhum conhecimento sobre o naturalismo, nem sobre o Brasil de então, mas mesmo com minha ignorância pude gostar do que li. O próprio Hauser parece concordar com isso quando diz que "o ativismo de Dante não exclui uma interpretação puramente estética da Divina comédia, do mesmo modo que o formalismo de Flaubert não impede uma explicação sociológica de Madame Bovary e de Educação sentimental". Como Marx dizia, o mais importante não é localizar a obra temporalmente, mas sim o prazer estético que ela nos proporciona - e isso independe de qualquer coisa, está intrínseco à obra. Meu segundo senão não diz respeito ao livro propriamente, mas a uma compreensão "apenas" social da arte.
Apesar do conservadorismo que o livro pode deixar transparecer e do excessivo viés social para se analisar a arte, História social da arte e da litertura é uma leitura rica, complexa, ampla e muito bem escrita, que vale muito a pena ser lida para quem tiver interesse num estudo livre.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Andanças Andinas - contos diminutos

É muito comum na literatura brasileira contemporânea o uso da primeira pessoa do singular. Trata-se de um eu que narra suas vivências e que, de alguma maneira, faz de si também um personagem de ficção, confundindo dados empíricos com passagens completamente ficcionais. O leitor, diante desse hibridismo textual, fica indeciso se deve ou não acreditar nas informações autobiográficas ou se aceita o texto apenas como fabulação. Esse tipo de recurso literário que mescla autobiografia e ficção é conhecido como autoficção e está amplamente presente em diversos autores da prosa e da poesia atuais, bem como - não poderia ser diferente - nos blogs. O caráter cronístico dos blogs é propício para a manifestação de um eu que fala de si ficcionalizando-se, em maior ou menor grau. Se quisermos sair do universo literário e pensarmos essa aparição da primeira pessoa em termos antropológicos, sociológicos e culturais, perceberemos um exibicionismo e um voyeurismo demasiadamente marcantes em nosso tempo. Webcams, máquinas digitais, redes sociais, câmaras de segurança, reality shows expõem a vida íntima de um eu que não tem mais pudor e recato; um eu que quer aparecer e, se possível, por que não, dar também o seu recado.
Faço essa introdução para dizer que Wanderlino Teixeira Leite Netto, em seu Andanças Andinas - contos diminutos, vale-se e ao mesmo tempo esquiva-se dessa prática autoficcional. Poderíamos dizer que ele se aproxima da autoficção no sentido de que seu livro é o resultado de uma viagem realizada, em 1996, aos Andes, isto é, seu livro seria um livro de memórias e, portanto, um livro cuja a observação de sua primeira pessoa é imprescindível para a realização da obra. Sem o empirismo do viajante, que percorreu os Andes peruanos e bolivianos e que pôde vivenciar e testemunhar as diferenças culturais e as riquezas imateriais destes países, o livro não existiria. O próprio autor nos diz isso no início do livro: "Voltei vivamente impressionado com o que vi e ouvi. Imagens e palavras ficaram hibernando num canto qualquer de minha mente, sem que me incomodasse. Belo dia, durante a caminhada matinal que realizo, resolveram acordar da letargia. Aí, sim, provocaram enorme inquietação. Ante tal desassossego, decidi escrever esses minicontos".
É claro que se formos pensar a autoficcção teoricamente, jamais poderíamos dizer que essa experiência turística seria suficiente para qualificá-la como tal. Quis chamar a atenção para o fato de que, como nos relatos autoficcionais stricto sensu, é uma vivência empírica que dá suporte e embasamento para a produção textual. No caso de Andanças Andinas, todavia, as semelhanças param aí. Ao longo dos quarenta e dois minicontos, o pronome eu não aparece, tampouco qualquer desinência que nos remeta a ele; Wanderlino conseguiu utilizar sua experiência de vida sem, contudo, marcá-la textualmente. Não fosse o prefácio esclarecendo o leitor da viagem realizada, não há nenhuma marca textual que evidencie isso, o que é, a meu ver, muito positivo, pois o autor consegue transformar vida em literatura sem necessariamente se presentificar e, assim, se distancia da autoficção.
Não sei dizer, aliás, se o termo minicontos é apropriado, uma vez que eles são, na realidade, poesia. Não me refiro à prosa poética, mas à poesia versificada mesmo, com um força poética bastante singular. Ou seria uma prosa versificada? Talvez esta segunda alternativa seja mais apropriada para designar a construção discursiva em Andanças Andinas. Vale dizer que, prosa ou verso, é um texto acima de tudo poético. E é com o olhar do poeta atento e lúcido que ele abre o livro, mostrando que uma estátua do colonizador espanhol, diariamente polida por um nativo, o é não para enaltecer o europeu, mas simplesmente para que a memória dos conquistados permaneça viva. O abismo que há entre as culturas europeia e americana é tema de outros minicontos, todos muito bem escritos, sem o apelo desnecessário de uma literatura engajada. Wanderlino consegue escrever sobre a dicotomia riqueza x pobreza sem se valer de um panfletarismo que, via de regra, é pobre esteticamente.
Lendo os quarenta e dois minicontos que compõem o livro, o leitor terminará sua leitura com o desejo de realizar a mesma viagem e (re)descobrir os mesmos personagens apresentados por Wanderlino. Não se trata apenas de conhecer dois países vizinhos, mas de mergulhar numa história de colonização, subjugação, violência e imposição cultural que nós, brasileiros, apesar de geograficamente não termos a altura e o relevo andinos, conhecemos bem.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Pensando em João Cabral

Palavras não têm significado / Nada dizem / A etimologia da palavra é / o silêncio. /Silêncio

sábado, 21 de janeiro de 2012

Diagnóstico

Uma parte de mim é maluca. Doida, desvairada, demente, incapaz, completamente insana. A outra parte também. O que não seria nenhum problema ser um doido inteiro, os Mutantes já cantavam que mais louco é quem me diz que não é feliz. Vou tentar, então, explicar porque minha maluquice ainda não se encontra em estágio de paz e de aceitação plenas. A culpada é esta última parte de mim, também insana, mas que se comporta como a pessoa mais lúcida e normal do planeta. Esta metade esquizofrênica, insatisfeita com sua condição um tanto quanto perturbada e que, sem perceber, comete a maior das alucinações - ela vive, ou tenta viver, como um cidadão normal, cumpridor de seus deveres e obrigações, alheio à arte de viver no mundo da lua. O pior de tudo, para o meu desespero, que tenho que carregar essas duas partes que não se entendem, é que a primeira parte - louca - faz de tudo para ofertar à segunda parte - pseudonormal - um pouco de luz; ela busca convencer a metade careta de que, ao tentar ser uma pessoa responsável, ela está, na realidade, sendo a parte louca mais perigosa, pois renega sua natureza insana e vive uma mentira com ares de autoridade. Autoridade tão autoritária que nega e silencia a primeira parte, cada vez mais confinada ao panóptico, sempre observada e oprimida pela parte "normal" e castradora. Com seus tentáculos em todas as direções e seus mil olhos que tudo veem, esta última parte vai, dia a dia, alimentando-se e crescendo à proporção que a parte louca, mas feliz, mingua. E foi num momento de rebeldia, lá no seu canto oprimido e esquecido, onde os loucos, aos olhos da normalidade, devem permanecer, que Eu fui convocado. Eu ainda sou o juiz soberano desse território, ainda determino as direções a serem seguidas, ainda sou fiel a minha essência. O pedido de socorro veio como um sussurro, abafado, subterrâneo, escondido. E veio num momento em que a segunda parte - o agora Ditador - estava frágil, comovido com a arte que os loucos ainda fazem para entretê-lo. A permissão do artista em nosso mundo tem um caráter utilitário, servil, submisso aos caprichos do Ditador. É, sem que ele saiba, uma maneira de resistência, um espaço para que a loucura continue lúdica, inconfinada, atuante, poderosa. Tão poderosa que o Ditador, sem se dar conta, deixou desprotegida, por breves instantes, sua couraça careta, normal e castratora, e permitiu o grito de socorro. Nesse momento, Eu, que estava a dar o livre arbítrio as minhas duas partes, resolvi intervir. Mas não posso, apesar de querer muito, dar ganho de causa à parte louca e libertá-la do panóptico. O que posso fazer e já fiz é cercear a autoridade da parte pseudonormal, mas é necessário que a primeira parte se liberte por si mesma, atinja sua autonomia e saia do subterrâneo. Ela precisa deixar de se contentar com os breves e fugazes momentos concedidos pelo Ditador e assumir toda a sua loucura, expandi-la, vivenciá-la, gritá-la, vertê-la. Só assim ela passará a ser a comandante e mudará o statu quo. Minha primeira parte tem agora a permissão para virar o jogo, deixar de ser subserviente e marginal para se tornar, finalmente, o meu norte. A partir de agora ela irá, paulatinamente, alterar o paradigma que vinha sendo traçado, sorrateira e vilmente, pela parte pseudonormal. O ditador foi deposto. A liberdade retorna às ruas, retorna a mim. A noite agora recebe novamente, depois de anos confinada e entregue a Morfeu, seu reconhecido valor; torna a ser vida, a ser mistério, a ser música, a ser. A loucura reclama seus direitos e dança a vitória, não mais se silenciará. Mas, sábia, pedirá, de quando em vez, conselhos de sua irmã-metade, que, apesar de tudo, tem um quê de pé no chão, apenas o necessário para que a loucura da minha primeira parte não se desatine e se perca por completo. Agora, postos os pingos nos is e dada a permissão para que minha primeira parte recupere seu espaço, Eu reclamo de volta meu corpo, pois não posso continuar neste corpo que não é o meu, que me aprisiona e me encareta. A quem ainda não conheceu a força de minha primeira parte, ou àqueles que dela não se lembram por tantos anos de reclusão, um recado, curto e simples: a loucura se restabeleceu, por completo, e não tem mais tempo a perder. Ofereço, finalmente, com a ajuda de minha parte louca e livre, um novo olhar, uma nova maneira de viver a vida, irrestrita e infinita. O têmpero, os acordes e as cores fazem toda a diferença.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual

Por um lado, a internet e toda a facilidade de comunicação e interação do mundo contemporâneo diminuem distâncias e aproximam as pessoas, oferecendo à população mundial conexão e integração em tempo real. Hoje, sem sairmos de casa, podemos nos comunicar fácil e rapidamente com quem quer que seja, em qualquer lugar do mundo, mesmo que sequer conheçamos nosso interlocutor. Por outro lado, toda essa facilidade de comunicação, ao invés de aproximar mais as pessoas, paradoxalmente, auxilia no maior isolamento do ser humano conectado.

Martin e Mariana são dois personagens que vivenciam essa contradição do mundo moderno: estar cada vez mais solitário diante de tantos e diversificados meios de comunicação. E com um agravante: ambos são moradores de Buenos Aires, uma capital com um planejamento e crescimento urbanos caóticos. Os apartamentos, cada vez menores, encerram e isolam seus moradores do contato físico com as outras pessoas, ou melhor, o contato há, mas um contato sem nome, sem rosto e sem convívio, onde cada um, em meio à multidão, é e está sozinho. A arquitetura, aliás, é uma espécie de terceira protagonista do filme, colaborando para o distanciamento entre as pessoas.

Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual, de Gustavo Taretto, discute com muito humor, inteligência e senso crítico o paradoxo que é estar sozinho conectado com todo o mundo; de se sentir solitário no centro de uma grande capital; de estar à procura de alguém fechado em um apartamento. Excelente filme para assistir sozinho ou acompanhado.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Inquietos

Uma das raras certezas que possuímos é a de que um dia todos iremos morrer. Não há escapatória. Seja uma morte prematura, por velhice, sofrida, dormindo; seja uma morte já esperada ou um acidente inesperado e fatal, o fato é que nunca estamos suficientemente bem preparados para lidar com ela. O sofrimento e a tristeza dos que veem uma pessoa querida morrer, independente da causa mortis, são inevitáveis. Em milhões de anos de evolução, o homem ainda não aprendeu a lidar com essa perda, pelo menos em nossa sociedade ocidental.
É essa fragilidade que Inquietos, de Gus Van San, explora. Mas não se trata de um filme mórbido, muito menos de um filme com um quê depressivo; ao contrário, o diretor conseguiu, com muita sutileza e delicadeza, fazer um longa muito bonito a respeito da difícil tarefa de se continuar a viver carregando a dor da perda de uma pessoa querida. E contou com as belíssimas atuações de Mia Wasikowska, que interpreta Annabel, e de Henry Hooper, na pele de Enoch.
Enoch, que não superou a morte de seus pais após um acidente de carro, passa a cultivar o estranho hábito de frequentar funerais de desconhecidos, talvez por não ter tido a chance de se despedir de seus próprios pais, pois entrou em coma após o acidente. É num desses funerais que conhece Annabel, uma jovem em fase terminal de câncer, mas que lida com coragem e leveza a iminência de sua morte. Os dois jovens passam a namorar e é a partir desse relacionamento que suas vidas irão definitivamente sofrer uma grande mudança catártica.
Parece bem acertada a escolha do diretor em colocar a figura de Charles Darwin como um autor de predileção de Annabel, pois os dois jovens conseguirão vivenciar uma espécie de "evolução emocional" no que se refere à morte, ou melhor, ambos conseguirão, dentro do possível e de acordo com suas histórias de vida, superar este momento definitivo que é o óbito.
Enoch, que antes de conhecer Annabel tinha como amigo um fantasma kamikaze da Segunda Grande Guerra, Hiroshi, não ouviu o alerta de seu amigo do além de que o envolvimento com Annabel era muito arriscado, pois o enterro de uma pessoa conhecida não seria a mesma coisa do que os enterros dos desconhecidos que Enoch estava acostumado a frequentar. Mas foi justamente isso que fez com que ele superasse a morte de seus pais e passasse a encarar o fim com outros olhos, talvez porque, desta vez, ele estava lá, inteiro.
Inquietos é um filme muito bonito, com diálogos ótimos e excelentes atuações, que discute, com humor, a finitude a que todos nós estamos destinados. Mais do que um filme sobre morte, é um ótimo filme sobre a vida.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Felicidade

Lá está ela / distante / quase um pontinho no horizonte / Inacessível / Inalcançável. / O mar / - um tapete azul calmo e profundo - / parece ser a única coisa a separá-los. / Da areia, / lágrimas nos olhos, / o homem calcula quantas braçadas até chegar lá.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Natureza-viva

Como dizem, o olhar dos poetas é diferenciado. Para onde muitos olham, o poeta vê de maneira singular, transformando o ordinário em poesia. Um excelente exemplo dessa forma peculiar de ver o mundo nos é dado por Lena Jesus Ponte e seus haicais. No final de dezembro, ela nos presenteou com dezoito fotografias de frutas e cada qual acompanhada de seu respectivo haicai.
Na minha opinião, o haicai é a forma poética que melhor expressa o conteúdo de uma foto, não só por ser curto - quase instantâneo -, mas, principalmente, pelo poder de concisão. Por um lado, cada haicai diz muito pouco, pois sua estrutura é composta apenas por três versos de cinco, sete e cinco sílabas, respectivamente; por outro, todavia, muita coisa é dita nesses pequenos poemas japoneses.
O que Lena conseguiu fazer foi unir o caráter imagético das fotografias com a concisão linguística, porém plural, dos haicas. Como ela mesma diz, trata-se de "Passear o olhar, exercitar o olhar, ver com sentido, ver consentido, capturar as imagens em fotos, pintando naturezas-vivas... Transformar, depois, a memória da sensação em poema-grão - haicai. A língua das palavras recriando o momento fotografado."
Quem tiver interesse em apreciar este novo trabalho semiótico de Lena Jesus Ponte e iniciar bem este ano novo, basta clicar aqui.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

As canções

Viva os seres humanos! Viva as canções! Cada ser humano tem em si uma infinidade de histórias, complexas, simples, ricas, pobres, engraçadas, tristes, mas todas elas possuem uma trilha sonora. Sabendo disso, Eduardo Coutinho, para realizar seu novo documentário, As canções, afixou no Largo da Carioca um cartaz recrutando pessoas para cantarem e contarem as canções que marcaram suas vidas. O resultado é um filme excelente, cujos protagonistas são pessoas simples, anônimas, mas que possuem muito o que dizer e o que cantar.
A cada novo relato dos motivos que fizeram de determinada canção a canção de sua vida, o personagem descortina seus sentimentos e dá a conhecer a singularidade de suas existências. O filme de Coutinho clarifica o poder que a canção tem na vida de cada um de nós, seja em momentos felizes, seja em situações desagradáveis, seja para superar um amor que se foi, seja, enfim, para cristalizar e eternizar um período qualquer. A canção, como arte genuinamente popular, marca o povo e lhe dá força para superar a dor e seguir adiante, cantando.
Mas o que mais me encantou no filme não foi o poder da canção, nem a beleza de muitas das canções cantadas; o que mais me emocionou foram os personagens, populares que esbarram por nós nas ruas e para quem não daríamos nenhum crédito; anônimos, a princípio desinteressantes, mas que guardam histórias magníficas porque genuínas, porque revelam como somos complexos e ao mesmo tempo simples.
Para dar um maior destaque a cada um dos personagens, o diretor optou por uma meia-luz, uma cadeira preta e uma cortina igualmente preta ao fundo, por onde entram os "cantores". Em boa parte das cenas em close, o espectador encontra-se cara a cara com cada um dos protagonistas, o que proporciona uma maior intimidade à cada confidência que enreda a canção. E nada mais do que isso é necessário. O público chora, ri, se espanta e, naturalmente, canta.
Eduardo Coutinho conseguiu, a meu ver, em tempos de reality shows, do interesse crescente da população pela vida dos "famosos", algo muito mais instigante porque natural, verdadeiro. Cada uma das vidas que se expuseram na telona não era nem um pouco teatral, não estava ali almejando se tornar uma celebridade, virar capa de revista ou ingressar no BBB. Os personagens de As canções são pessoas comuns e isso foi respeitado pela direção, que, para mim, foi o grande mérito do filme: mostrar a riqueza que é ser humano, com seus sentimentos e, por que não, com uma trilha sonora.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Gato de Botas

De coadjuvante na série Shrek, o Gato de Botas passa a protagonista da nova animação de Chris Miller. E o espectador pode ficar certo de que foi muito bem feita a transposição do personagem para uma aventura própria, sem que fique a dever nada à série do ogro que conquistou o público infantil e adulto. O público, aliás, dará ótimas gargalhadas com as peripécias do Gato de Botas para roubar os feijões mágicos e assim conseguir os ovos de ouro, numa aventura com muita ação. Esta é, sem dúvida, uma ótima pedida para as férias da criançada.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O futuro do livro: papel ou chip?

Um profícuo debate acerca do futuro do livro se realizou hoje na Academia Brasileira de Letras. Foram convidados Carlos Eduardo Ernanny e Silvio Meira. Este, com uma formação em engenharia eletrônica e atuando como pesquisador em engenharia de software, deu como prognóstico um prazo de quinze anos para que o livro impresso seja definitivamente extinto. Seus argumentos, muito bem embasados, poderiam até me convencer, isso se eu não fosse um leitor apaixonado pelo livro impresso. Silvio Meira, a fim de estabelecer uma correlação, a seu ver óbvia, entre música e literatura, afirmou que, há não muito tempo atrás, se quiséssemos ouvir uma música, deveríamos assistir à execução da mesma ao vivo devido à ausência de meios de gravação e reprodução da mesma. Traçou, a partir dessa constatação, o caminho evolutivo da tecnologia que permite que consigamos armazenar em mp3 centenas de músicas. Para ele, finalmente é a vez do livro, agora, se beneficiar da tecnologia. Deu como exemplo a leitura de um livro digital em pleno engarrafamento de São Paulo e a possibilidade de, usando o mesmo aparelho, sair da leitura e verificar o melhor trajeto a se percorrer de maneira a fugir do engarrafamento para, então, retomar a leitura - uma praticidade que não poderia ser dispensada.
Para permanecer na analogia entre música e literatura proposta por Meira, me ocorreu que a música, diferentemente da literatura, é uma arte muito mais social, por assim dizer. Ouve-se música correndo na orla, fazendo bicicleta na academia, em reunião de amigos em casa, engarrafado no trânsito, etc. O ato de ouvir música não exige do ouvinte uma concentração estrita, sem a qual ele não conseguiria absorver o conteúdo musical. Já com a literatura o mesmo não ocorre. Quem é capaz de ler em conjunto? Ou durante um bate-papo entre amigos? Ou ainda ao volante? A prática da leitura exige do leitor concentração absoluta, sob o risco de não se absorver o texto ou então de fazer uma leitura rasa. Nesse sentido, eu, como leitor, dispenso de bom grado a tal praticidade que a tecnologia e os livros virtuais me ofereceriam.
Meira também fez alusão à interatividade inerente à leitura de livros digitais. Lendo um e-book, posso me deparar com uma cena que remeta a algum evento por mim desconhecido, o que não seria nenhum problema, pois eu poderia interromper a leitura e, no mesmo aparelho conectado à rede, fazer uma pesquisa e me inteirar do assunto. E essa é uma possibilidade ad infinitum, de acordo com ele. A pesquisa poderia me levar para outra referência, que, por sua vez, me levaria para outra, e mais outra, e mais outra... Mas nesse caso eu já estaria longe da leitura do e-book, ou não? As sucessivas referências, se por um lado aumentam meu conhecimento, por outro me distanciam do livro, que ficou "parado" no tal evento desconhecido. Pergunto: estamos a ler um livro ou zapeando como a assistir à televisão com o controle remoto na mão? E onde ficou o texto nisso? "Esquecido" na tal cena?
Já Carlos Eduardo Ernanny, empresário e criador da primeira editora de livros virtuais - a Gato Sabido -, preocupou-se em apontar todas as praticidades que os livros virtuais oferecem. O espaço seria um deles. Uma biblioteca inteira pode ser levada no ipod. Os livros virtuais também não rasgam, molham e nem se deterioram de qualquer forma. A preocupação de Ernanny é adaptar o conteúdo dos livros aos tempos modernos. Ora, a meu ver, o que a literatura tem de fascinante, dentre inúmeras outras coisas, é a capacidade de, através da linguagem, se tornar bastante atual. E para isso não é necessária nenhuma tecnologia, nenhum aparelho, nenhuma máquina. Através de sua matéria-prima - a língua -, a boa literatura se faz presente apontando para o futuro; e isso vai continuar acontecendo independente do meio utilizado, seja o papel ou o chip. Agora, convenhamos, de que vale toda a praticidade tecnológica dos livros digitais se o texto - que é o que importa - não acompanhar essa evolução. Será que teremos textos medíocres publicados em tecnologia de ponta? Eu, de minha parte, alheio às modernidades e simpático aos fetiches, prefiro, ainda, o cheiro do livro.

sábado, 26 de novembro de 2011

domingo, 20 de novembro de 2011

Presente

No dia 9 de novembro postei minha opinião sobre o livro Retrato sem moldura, de Wanderlino Teixeira Leite Netto. Não é que ele leu e gostou do que escrevi! E, de quebra, ainda me presenteou com outros quatro livros seus. Obrigado pelo presente, Wanderlino, assim que eu puder os lerei com prazer e virei aqui dar a minha humilde opinião.

O palhaço

Ser artista é uma profissão? É admissível exigir profissionalismo de um artista? Duas questões, por um lado, difíceis de responder, mas, por outro, mais que simples. É comum o público, diante de uma apresentação de um artista "controverso", "polêmico", cobrar profissionalismo e vaiar a falta do que deveria ser seu profissionalismo. Por exemplo, o papa da nossa bossa-nova, João Gilberto, depois de reclamar e se recusar a tocar por causa de ausência, a seu ver, de condições acústicas para isso, foi cobrado por seu fãs, que se sentiram ultrajados e desrespeitados pelo compositor. "Faltou profissionalismo a ele", disseram muitos na ocasião.
Na minha opinião, por mais que o artista, para desempenhar bem a sua arte, tome aulas de algum instrumento, participe de laboratórios de redação criativa, desenvolva suas máscaras em alguma escola de teatro etc., ele não será um profissional como o é um engenheiro, um médico, um contador, um motorista, um gari, um professor. O artista, antes de tudo, simplesmente é. E continuará sendo mesmo que desempenhe outras funções, mesmo que não viva (financeiramente falando) de sua arte. A arte não é uma profissão, não deve ser cobrada com os mesmos requisitos exigidos de um profissional liberal, por exemplo.
Mas é compreensível, em nosso mundo, a cobrança que João Gilberto sofreu. Em tempos de Indústria Cultural, de massificação do fazer artístico, do amoldamento do que é oferecido ao público, qualquer atitude, da parte do artista, que fuja ao entretenimento não é vista com bons olhos. O público quer se divertir, quer esquecer as agruras de seu dia a dia para retomar seu cotidiano no dia seguinte devidamente descansado e com a sensação de recompensa.
Uma vez, conversando com meu amigo Leonardo Davino, ele sabiamente afirmou que a arte é muito chata, isto é, ela não tem essa função massificadora, não compete a ela desligar o homem de seus problemas e levá-lo para o reino do ócio. Toda a arte que se preze é reflexiva e, por isso, exige do público. Mesmo que com essa exigência ofereça também encantamento, relaxamento, prazer, onirismo. Mas é antes reflexiva; e a reflexão cansa.
Ser artista não é, portanto, uma escolha. O verdadeiro artista não é aquele cidadão que, por amor à arte, resolveu "seguir carreira", fazer dela sua profissão. Não, o artista é. Ele não tem escolha, pode se esforçar para desempenhar outras atividades, pode até estar infeliz com as dificuldades que, muitas vezes, a dureza da vida lhe impõe, mas ele é. "O gato toma leite, o rato come queijo" e o artista faz sua arte. O artista faz o que sabe fazer, independentemente de qualquer coisa.
Com essas reflexões saí do cinema hoje ao assistir O palhaço, de Selton Mello. O filme é muito bonito, além de tecnicamente irretocável. Os atores estão ótimos - e aqui destaco, especialmente, as atuações de Selton e de Paulo José. O universo circense é muito bem trabalhado no filme, mas não se trata de um circo internacional, com recursos, fama, holofotes. O circo Esperança é a reunião de poucos e pobres saltimbancos que seguem fazendo a sua arte porque a sua arte é o que eles sabem fazer. Mesmo sem dinheiro, mesmo sem público, mesmo sem.
E é por causa dessa necessidade que muitos artistas, onde quer que estejam, continuam compondo, atuando, tocando, dançando, escrevendo. O artista faz arte porque precisa fazer; o artista é.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Retrato sem Moldura

Lindo! Simplesmente lindo!! Sem medo de parecer exagerado, diria que Retrato sem moldura, de Wanderlino Teixeira Leite Netto, é um dos livros mais lindos que já li na minha vida. As várias narrativas curtas que compõem o livro não são contos, nem crônicas, são, sem sombra de dúvida, poesia de um lirismo comovente, encantador. Em tempos atuais, parecia-me não haver mais espaço para a poesia que eu encontrei nas páginas de Retrato sem moldura.
Após a leitura, ainda inebriado com o texto de Wanderlino, fiquei a me perguntar porque havia deixado o volume durante tanto tempo na estante, à espera da boa vontade do leitor desatento. Uma resposta que eu me dei, envergonho-me de confessar, foi o fascínio que os livros grossos e pesados me causam, como se a quantidade de páginas fosse indicativo de qualidade. Acho que como tenho dificuldade em alongar-me textualmente, invejo os autores que compõem verdadeiros "tijolões". Dessa maneira, esqueci-me de que os melhores perfumes estão nos menores frascos, naturalmente. A narrativa poética de Wanderlino é prova indelével dessa máxima.
Uma obra-prima da literatura contemporânea, Retrato sem moldura merece figurar entre as grandes obras de nossa literatura, pois seu autor "ainda esculpe palavras, arredonda imagens imperceptíveis, dá polimento em sons que ninguém escuta". Esteticamente, uma obra de arte irretocável.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Catarse

Sempre ouvi muita música. Desde sempre. Quando criança, na minha casa, meus pais estavam sempre ouvindo música, e cresci ao som de Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Noel Rosa, Gonzaguinha, Baden Powell, Ney Matogrosso, Milton Nacimento, Tom, Vinícius etc. etc. etc. E fui ouvindo MPB até mais ou menos meus nove ou dez anos de idade, quando finalmente descobri o Rock Brasil. Aí, de uma hora para outra, meu repertório mudou. Mudou tanto que, aos dez anos de idade, fui ao primeiro Rock in Rio, logo no primeiro dia, assistir a Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Pepeu e Baby, Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Hoje, olhando para trás, se fosse possível eu escolheria outro dia para assistir, mas a semente estava plantada. Passei a ser ouvinte de rock, ou melhor, passei a viver perseguindo o ideal de ser um roqueiro, de viver de música.
Aos doze anos ganhei meu primeiro violão, presente de aniversário. Era um Giannini série estudo. Logo as aulas particulares começaram e segui meu sonho infantil de, um dia, ser músico profissional. Mas o violão, na minha cabeça pré-adolescente desmiolada, me aproximava mais da MPB que meus pais ouviam do que do rock que eu agora ouvia. Mas o violão continuou a me acompanhar até meus quinze anos, quando ganhei minha primeira guitarra, uma golden stratocaster vinho e preta, simplesmente linda! Agora ninguém mais me impediria de ser o maior guitarrista de todos os tempos. Quando fui ao Conservatório de Música para ter aulas de guitarra, o professor me sugeriu, para ser um bom guitarrista, tomar aulas de violão clássico, pois assim desenvolveria uma boa técnica que muito auxiliaria na prática da guitarra. E foi assim que fui apresentado a Tárrega, o primeiro dos mestres clássicos que eu vim a conhecer e a tocar.
Paralelamente às aulas de violão clássico, no colégio, junto com meu amigo Leonardo Mello, formamos nossa primeira bandinha, chamada Lavagem Cerebral. Era uma banda de rock pesado, mais por influência do Léo, que só ouvia heavy e trash metal. Não era muito a minha praia, mas o que eu queria era tocar. Acontece que a Lavagem Cerebral não durou muito tempo e logo, junto com Cacau (teclado), Sérgio (bateria) e Sávio Santoro (baixo elétrico), formamos a Utopia, que tocava um som menos barulhento e que se limitava a tocar músicas das bandas que ouvíamos: Titãs, Legião Urbana, Plebe Rude, Os Paralamas do Sucesso, Ira!, Barão Vermelho, Lobão, Engenheiros do Hawai, etc, etc. O Sávio, aliás, seguiu a tradição familiar e hoje é músico profissional. Ele é filho do maestro Cláudio Santoro e irmão dos gêmeos violoncelistas que formam o Duo Santoro.
Mas aí um fato ocorreu e mudou mais uma vez o curso da história. Como Cazuza cantava, meus heróis tinham morrido de over-dose, e, para ser músico de verdade, veja você, eu achava que também precisaria assumir o modus vivendi de meus ídolos. Adolescência... Então eu ouvia Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Doors, Siouxsie & The Banshees, Echo & The Bunnymen, The Clash, Sex Pistols, The Cult, Velvet Underground, Ten Years After, Joe Cocker, Beatles, Rolling Stones, Pixies, Joy Division, The Animals, Eric Clapton etc. etc. etc. As bandas nacionais agora eram Hojerizah, Picassos Falsos, Violeta de Outono, Uns e Outros, Patife Band, Arrigo Barnabé, De Falla etc. Agora não tocava mais na Utopia. Nem em lugar nenhum. Permanecia com o desejo de ser músico, continuava estudando violão clássico, mas, ao invés de eu mesmo formar uma banda, passei a acompanhar novos amigos, bem mais velhos do que eu, que estavam musicalmente bem mais adiantados, e me contentava em ver o ensaio alheio. Vivia enfiado em estúdios em Copacabana, onde o Último Reduto ensaiava, ou então na casa do Marcos Felipe, grande amigo meu e grande baterista, para aprender com músicos que, a meu ver, já haviam conseguido atingir um patamar mais elevado. Meu primeiro grande erro.
O segundo - e maior de todos - foi, na hora de me inscrever para o vestibular, por medo de encarar uma banca na UNIRIO na hora da prova prática, decidi fazer vestibular para Letras. Assim, eu poderia continuar estudando música, que era o que eu fazia e mais gostava, e ainda estudaria literatura, minha segunda paixão, sem precisar ser avaliado por nenhuma banca. Não houve ninguém que me dissesse, na época, que se eu queria fazer música, que encarasse a banca, e que eu tinha habilidade suficiente para seguir adiante. Resultado: me formei em Letras na UFF. Durante a graduação, junto com Jorge Fernando e Júlio França, formamos O Silêncio de Mônica, um trio que contava com violão, guitarra, teclado, flauta, trompete e alguns instrumentos de percussão. Nos revezávamos nos instrumentos e fazíamos um som bem legal, alternativo. Anos depois, Júlio e Jorge me convidaram para integrar o Silêncio Bó, que seria uma continuidade de O Silêncio de Mônica, mas acrescido de bateria. Durei uns poucos ensaios e saí da banda.
Em 2006 ou 2007, cansado das minhas cabeçadas musicais - e muito mal de grana -, vendi guitarra, violão, pedais e acessórios e pus um ponto final no sonho infantil de viver de música. Até ontem, quando fui assistir a Rock Brasília - era de ouro, documentário de Vladimir Carvalho. O filme é muito bom e reacendeu minha veia musical. O desejo de voltar a tocar violão ressurgiu, agora apenas como entretenimento, lazer, não mais tenho ilusões sobre ser o maior guitarrista do mundo. O filme, restrito às bandas Capital Inicial, Plebe Rude, Legião Urbana e Os Paralamas do Sucesso, todas de Brasília, fornece um histórico muito bom do surgimento dessas bandas e de seu percurso até atingirem, com sucesso, todo o cenário nacional. Depoimentos de familiares dos músicos, além dos dos próprios integrantes das bandas, testemunham as dificuldades vencidas até atingirem o estrelato. Vale muito a pena assistir ao filme, mesmo quem não gosta de rock, pois o filme é um documento muito fiel aos anos de ouro do Rock Brasília, nascendo em um ambiente de ditadura militar e tendo muito o que dizer. O único senão que faço ao documentário é a ausência quase completa de depoimentos de Herbert Viana, Bi Ribeiro e João Barone, integrantes dos Paralamas. Suas únicas participações são com uma entrevista resgatada da época de garotos ainda. Desconheço a razão de sua ausência, mas ela não desmerece o filme, excelente registro da efervescência roqueira no início dos anos 80.